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segunda-feira, 31 de dezembro de 2007
Tintim assinala entrada do euro
Uma amizade duradoura .
Segundo os correios belgas, "esta emissão pretende ser também uma modesta mas muito atraente contribuição para a amizade duradoura que une a Bélgica à República Democrática do Congo", pelo que estes dois selos do correio serão igualmente emitidos neste último país..
Esta não é, no entanto, a primeira vez que a célebre criação de Hergé é alvo de tal homenagem. A primeira aparição de Tintim em selos (conjuntamente com Milou e o Capitão Haddock), aconteceu em 1979, já na Bélgica, naquele que seria o primeiro selo da série "Philatélie de la Jeunesse," dedicada aos heróis dos quadradinhos daquele país, série essa que se tornaria anual a partir de 1986, e por onde já passaram, entre outros, Spirou, Lucky Luke, Blake e Mortimer, Boule e Bill, Gaston Lagaffe, Cubitus, Ric Hochet ou Luc Orient..
Vinte anos depois, 1999 podia quase ser classificado como o "ano Tintim" no que respeita à filatelia. De novo na Bélgica, numa folha intitulada "Volta ao século XX em selos", encontramos de Tintim, agora como o manipulador de uma marioneta que é nada mais nada menos do que... Hergé, o seu autor. No mesmo país, o bloco de nove selos comemorativo dos dez anos do Centre Belge de Bande Dessinée reproduzia criações de oito autores belgas já falecidos e uma fotografia com a réplica do foguetão em que Tintim foi à Lua. A viagem espacial de Tintim foi também o tema escolhido pela Holanda para um bloco com dois selos e, ainda no mesmo ano, em Angola, a emissão não oficial "Countdown to the Millenium" assinalava o ano de 1929 com um fotograma do desenho animado "Tintim e o Templo doSol"..
Também a França homenageou Tintim, no ano 2000, na segunda edição da sua "Fête du timbre", através da emissão de um selo, um bloco e uma folha miniatura. Esta "festa" anual tivera início um ano antes, com Astérix, e prosseguiu em 2001 com Gaston Lagaffe, estando previsto um selo dedicado a Boule e Bill para Março de 2002. Como curiosidade, refira-se que o selo com Tintim foi o de maior sucesso, pois vendeu 15 milhões de exemplares contra "apenas" 9,6 milhões do selo Astérix..
© 2001 Jornal de Notícias; Pedro Cleto
quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
Na sombra de Tintim
O contraste entre a fragilidade de Hergé e a força positiva de Tintim não podia ser mais gritante. Para quem foi habituado, através de aventuras sucessivas, a ver naquele herói da banda desenhada europeia um modelo de qualidades imutáveis, estes momentos de fraqueza pessoal são estranhos e, porventura, insuportáveis. Dizer que Tintim foi uma espécie de "alter-ego" superlativo e mesmo transcendente do desenhador - exprimindo, para todos os efeitos, o melhor do artista belga, mas sem estar sujeito às mesmas leis humanas que regeram a sua existência -, pouco ajuda a esclarecer este enigma fundamental: quem era Hergé e o que procurava ele exprimir através do seu herói?
Possivelmente, nenhum outro autor da BD mundial foi alvo de tantos estudos e análises académicas, ou de trabalhos jornalísticos. A reconstituição, ao longo dos anos, da história de vida do desenhador e argumentista belga parece não deixar espaço para zonas de sombra ou tempos de incerteza: sabe-se tudo sobre Hergé e nada se ignora sobre Tintim. E, contudo, continuam a surgir, com regularidade, livros centradas na obra e na vida do mestre belga. Um deles é este "As Aventuras de Hergé", com o qual o seu editor português decidiu assinalar, simultaneamente, os 20 anos da morte do autor (Março de 1983) e os 75 anos do aparecimento de Tintim, a celebrar no final de Janeiro do próximo ano.
O que singulariza este trabalho em relação aos demais é ser ele próprio uma banda desenhada, cujo protagonista, como o título sugere, é o próprio Hergé e não o seu personagem. Por outras palavras, os autores propuseram-se - e conseguiram-no plenamente, diga-se desde já - revisitar a vida do criador de Tintim numa sequência de quadros que traçam, de forma subjectiva e afectiva, o essencial do percurso do homem e do artista.
Vê-se claramente que Stanislas, Boucquet e Fromental estão afectiva e intelectualmente próximos de Hergé, que há uma aceitação e um esforço de demonstração da tremenda humanidade do artista, com as suas mais elevadas qualidades e mais densas fraquezas. Para quem pouco ou nada conhece do homem, esta é uma boa iniciação; para os outros, a leitura do livro permite estabelecer algumas cumplicidades em torno das diversas aventuras de Tintim, aqui e ali citadas ou apenas sugeridas. Para todos, esta excelente edição pode constituir um "aperitivo" à fruição dos álbuns que o PÚBLICO está a oferecer aos seus leitores.
As Aventuras de Hergé AUTORES Stanislas (desenho), Boucquet e Fromental (texto)
EDITOR Mais BD 64 págs., € 16,95
© 2003 Público; Carlos Pessoa
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
Uma agitada aventura colonial
Ao contrário da história anterior ("Tintim no País dos Sovietes", que é também a primeira da série), Tintim é acolhido em África como um herói internacional e uma figura quase lendária. Aliás, a glória precede-o nessa saga africana, pois os representantes da grande imprensa internacional - curiosamente, Hergé inclui também o deferente delegado do "Diário de Lisboa"... - disputam entre si o privilégio de publicar em exclusivo as reportagens do herói. Mas este permanecerá fiel ao "Vingtième", onde esta BD será publicada entre 5 de Junho de 1930 e 11 de Junho do ano seguinte.
De um modo geral, o traço de Hergé apresenta-se mais firme, mas sem perda de espontaneidade. Quanto ao desenho dos animais, é o próprio autor a confessar que pediu "ajuda" às gravuras de Benjamin Rabier. Perante uma multidão de "pretos" preguiçosos, estúpidos e infantis que se exprimem em mau francês, Tintim louva os méritos e grandezas da mãe-pátria. Milu também não está pelos ajustes: ele aceitou ir a África para caçar grandes feras, no que é imitado pelo seu dono, que não tem o menor problema em matar animais a torto e a direito, eliminando até um rinoceronte com dinamite... No entanto, o herói não chega a ter adversários locais verdadeiramente maus, pois os negros desta história são demasiado pueris para serem perigosos.
Tal como acontecera a propósito de "Tintim no País dos Sovietes", o padre Wallez decide organizar uma recepção ao herói quando este regressa a Bruxelas. Uma multidão impressionante acolhe um Tintim de carne e osso e um Milu pedido de empréstimo ao dono de um café da cidade, que quase é esmagado no boulevard du Jardin Botanique por centenas de miúdos que lhe querem dar torrões de açúcar...
A publicação de "Tintim no Congo" não levanta qualquer polémica na época, de tal modo a história está conforme ao espírito da mentalidade europeia daquele tempo - por outras palavras, ter territórios ultramarinos é atributo dos grandes países e sinónimo de poder no concerto das nações. Só mais tarde, quando a questão colonial entra na agenda política, é que a aventura africana de Tintim passará pelo crivo da análise político-ideológica.
Esta BD valerá a Hergé acusações de colonialismo e racismo, das quais este se defende invocando a mentalidade reinante na sociedade belga dos anos 30 do século XX. É verdade, mas não o é menos, nesta fase inicial da sua obra, a colagem do artista aos valores culturais e ideológicos dominantes. E não deixa de ser curioso que, ao realizar a reformulação gráfica e de diálogos desta história, em 1946, o artista belga a deixe praticamente intacta em termos narrativos.
Hergé nunca escondeu o seu desamor por "Tintim no Congo". No entanto, querelas ideológicas e filosóficas à parte, permanece como um excelente documento sobre a imagem estereotipada que os europeus tinham do continente africano.
O que disse Hergé sobre "Tintim no Congo"
Hergé; Numa Sadoul
NUMA SADOUL:Foi dito e redito que era racista. Este é um bom momento para pôr as coisas a claro: que tem a dizer em sua defesa? Que responde quando o acusam de ser "racista"?
HERGÉ: - Respondo que todas as opiniões são livres, incluindo a de pretender que eu sou racista... Enfim, seja!... Há "Tintim no Congo", admito-o. Isso passou-se em 1930. Do país eu só conhecia aquilo que as pessoas diziam na altura: "Os negros são crianças grandes... Felizmente para eles, nós estamos lá!, etc..." E eu desenhei os africanos de acordo com esses critérios, no mais puro espírito paternalista que era o daquela época, na Bélgica. Mais tarde, pelo contrário, em "Carvão no Porão" - e isso, apesar de se falar na história em "pretoguês" - parece-me que Tintim dá provas sobejas do seu anti-racismo, não?... (...) Em "Tintim no Congo", tal como em "Tintim no País dos Sovietes", o que se verifica é que eu me alimentava com os preconceitos do meio burguês em que vivia. De facto, estas duas histórias foram pecados de juventude. Não é que eu os renegue. Mas, enfim, se tivesse que refazer as histórias, fá-las-ia de outra forma, isso é certo. Seja como for, todos os pecados têm redenção!...
Passemos então directamente a "Tintim no Congo".
- "Tintim no Congo"... Por que é que eu fiz "Tintim no Congo", e como é que o fiz?... Na realidade, depois do seu regresso da Rússia eu preferia ter enviado Tintim directamente para a América. Mas o padre Wallez persuadiu-me a começar pelo Congo: "É a nossa maravilhosa colónia, que tem tanta necessidade de nós, e além disso é necessário despertar vocações coloniais" e patati e patatá! Nada disso me inspirava muito, mas eu rendi-me a esses argumentos e pronto, lá fomos em força para o Congo! Como disse, fiz esta história na perspectiva da época, ou seja, de acordo com um espírito tipicamente paternalista... que era, posso afirmá-lo, o de toda a Bélgica. Passemos sem mais demora ao próximo álbum.
("Entretiens avec Hergé", de Numa Sadoul, Éditions Casterman).
© 2003 Público; Carlos Pessoa
sábado, 20 de outubro de 2007
Cem Livros do Século
100 LIVROS DO SÉCULO uma exposição - Centro Cultural de Belém, de 7 de Março a 21 de Maio de 1998, todos os dias das 11h às 20h.
ciclo de debates Centro Cultural de Belém - 6 de Março a 4 de Junho de 1998 às 18.30h na Sala Polivalente do Centro de Exposições
Comissário da exposição - Fernando Pinto do Amaral
Moderador dos debates - Eduardo Prado Coelho
Ninguém poderá dizer quais foram os melhores livros do século XX. Contudo talvez nos seja possível indicar alguns daqueles que, por motivos muito diversos, transformaram o modo de pensar, de sentir e de viver do século XX. É sobre esses livros que mudaram o mundo que vale a pena conversar. (Eduardo Prado Coelho)
15 colóquios para 15 livros
Com base nos quinze destaques pensados para a exposição "Cem Livros do Século", o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas organiza, entre 6 de Março e 4 de Junho, uma série de debates no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, moderados por Eduardo Prado Coelho. São quinze obras que emergiram de conversas entre o comissário da exposição, Fernando Pinto do Amaral, e os dois arquitectos que conceberam a montagem, Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, do atelier Contemporânea. Escolhas a que o organizador dos debates, Eduardo Prado Coelho, não quis sobrepor outras: "Agarrámos os destaques que já tinham sido feitos por razões específicas à própria exposição - os livros que aí eram encenados."
À excepção de hoje, de forma a coincidir com a inauguração da exposição, os debates terão lugar todas as quintas-feiras, às 18h30, na sala polivalente do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém.
Hoje, será o livro "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust, num debate com Maria Alzira Seixo e Augusto Abelaira. No dia 12 de Março, "O Processo", de Franz Kafka, com Luísa Costa Gomes e Jorge Listopad. No dia 19 de Março, "A Interpretação dos Sonhos", de Sigmund Freud, com José Gabriel Pereira Bastos e Linda Santos Costa. No dia 26 de Março, "O Amante", de Marguerite Duras, com Lídia Jorge e Maria Velho da Costa. No dia 2 de Abril, "África Minha", de Karen Blixen, com Agustina Bessa-Luís e José Eduardo Agualusa. A 9 de Abril, "Citações do presidente Mao Zedong (O Livro Vermelho)", com Francisco Louçã e Saldanha Sanches. No dia 16 de Abril, "À Espera de Godot", de Samuel Beckett, com José Gil e António Pinto Ribeiro. No dia 23 de Abril, "Ficções", de Jorge Luís Borges, com António Mega Ferreira, António Alçada Baptista e Carlos da Veiga Ferreira. No dia 30 de Abril, "Ensaios Críticos", de Roland Barthes, com Manuel Gusmão e Fernando Pinto do Amaral. No dia 7 de Maio, "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa, com Eduardo Lourenço e Vasco Graça Moura. No dia 14 de Maio, é o dia da banda desenhada, com "O Pequeno Nemo", de Winsor McCay, e "Tintin no País dos Sovietes", de Hergé, com João Paulo Cotrim e Rui Zink. No dia 21 de Maio, "O Nome da Rosa", de Umberto Eco, com Abel Barros Baptista e Rui Rocha. No dia 28 de Maio, "Toda a Internet: Guia do Utilizador e Catálogo", de Ed Krol, com José Afonso Furtado e Victor Constâncio. Por último, a 4 de Junho, "Breve História do Tempo", de Stephen Hawking, com José Vitor Malheiros e Carlos Fiolhais.
I.S. Público, 03/03/1998
Quinta-feira 14 de Maio
Winsor McCay, Hergé
O Pequeno Nemo, Tintim e outros heróis... com João Paulo Cotrim e Rui Zink
O Pequeno Nemo na Terra dos Sonhos e Tintim no País dos Sovietes são exemplos, entre "100 Livros do Século", de uma forma literária que mudou a maneira de ler no século XX: a Banda Desenhada.
Livros esgotados e não traduzidos na exposição "Cem Livros do Século"
Cem livros menos 25
A lista de livros apresentada pela exposição "Cem Livros do Século" serve para comparar a nossa escolha com a do comissário. Mas uma outra leitura possível é confrontar o mercado livreiro com as ausências - 25 por cento não estão disponíveis. Nunca traduzidos ou sempre esgotados. A culpa, dizem os editores, é de quem não os compra.
Chegar a uma livraria e comprar os títulos escolhidos para a exposição "Cem Livros do Século", ou apenas aqueles que faltam na estante, revela-se uma tarefa árdua e quase impossível para os leitores portugueses.
Das 100 obras escolhidas para esta exposição, que estará no Centro Cultural de Belém até 21 de Maio, não estão disponíveis no mercado livreiro 25 títulos, ou seja, um em cada quatro dos autores seleccionados pelo comissário Fernando Pinto do Amaral.
Dos 25 títulos, nove estão esgotados nas editoras, o que, para o comissário responsável pela escolha dos cem títulos, é à partida positivo, pois "mostra o interesse das pessoas em ler". Mas "não haver reedições revela a falta de espírito comercial das editoras", acusa também Fernando Pinto do Amaral.
As editoras argumentam que a falta de interesse é do mercado que não absorve estas obras. A Editorial Bertrand é detentora de três dos títulos esgotados, sendo que dois deles são obras de referência do feminismo - "O Segundo Sexo" de Simone de Beauvoir e o "Relatório Hite" de Shere Hite (esgotado na editora mas ainda à venda em algumas livrarias) -, e vão voltar a ser reeditados na próxima semana. Quanto ao "Arquipélago de Gulag", de Alexandre I. Solzhenitsin, "não se justifica, porque são três volumes para um mercado que não existe", afirmou Maria Piedade Ferreira, directora editorial.
"Um Estudo de História" de Arnold J. Toynbee, foi há muito editado pela Ulisseia e, segundo o director comercial, José Luís da Fonseca, trata-se de "um livro muito antigo que já esgotou há cerca de 20 anos". Entretanto a editora perdeu os direitos de autor e está a tentar renegociá-los, "para voltar a publicar essa obra, agora inserida na nossa colecção de história".
À lógica desapiedosa do mercado obedecem os títulos de teatro. Ao todo são quatro os clássicos ausentes dos escaparates das livrarias: "Seis Personagens à Procura de Autor" de Pirandello, "Esperando por Godot" de Beckett, "Mãe Coragem e seus Filhos" de Brecht e "A Cantora Careca" de Ionesco. Tudo peças já encenadas por companhias portuguesas, mas que estão esgotadas há já alguns anos no circuito livreiro.
"A razão é óbvia: o teatro não vende e leva muitos anos a esgotar - explicou Fernanda Barros, das Edições Cotovia, uma das editoras que teima em publicar teatro. "Quando esgota não interessa voltar a reeditar, a menos que haja uma exigência do público, o que não existe".
Já para Jaime Salazar Sampaio, dramaturgo, é "extremamente importante voltar a reeditar estas obras, que são fundamentais e que ajudaram a mudar o mundo". No entanto, compreende que não sejam publicadas porque "é incómodo ler teatro já que é feito não para ser lido, mas para ser representado", e propõe a reedição com introduções didáctico-pedagógicas para uma melhor compreensão das peças.
Faltam 16 traduções
Além das nove edições esgotadas, existem 16 autores que ainda não foram traduzidos nem publicados por editoras nacionais, mas que podem ser adquiridos em livrarias portuguesas.
Na opinião do comissário da exposição "Cem Livros do Século", a falta de 16 obras "é crítica, apesar de haver alguns títulos para os quais não haja público ou que não são comercialmente interessantes". Fernando Pinto do Amaral cita alguns exemplos como o "Tratado de Radioactividade" de Marie Curie, "Negritude e Humanismo" de Leopold Senghor, a "Trilogia do Cairo" de Mahfouz Nagib e "A Escrita e a Diferença" de Jacques Derrida: "são obras marcantes para um público restrito", admitiu.
Para o comissário, é "estranho e revelador do pouco interesse por parte das editoras" títulos como "Ser e Tempo" de Heidegger e "Uma Teoria Geral do Emprego, da Moeda e do Juro" de Keynes não estarem ainda editados: "são livros centrais da Filosofia e da Economia que só podem ser lidos em inglês ou francês".
Entretanto, sugere que as editoras traduzam e editem títulos como "Ofício de Viver", um diário "belíssimo" de Pavese, "A Região mais Transparente" de Carlos Fuentes, uma análise da sociedade latino-americana que "merecia ser traduzida", e "A Política do Êxtase" de Timothy Leary, sobre a liberalização das drogas, "um tema tão actual que não percebo porque é que ainda não pegaram nisso..."
O único título que "não interessa" traduzir é "Toda a Internet: Guia de Utilização e Catálogo", um guia dedicado ao público norte-americano, escolhido "apenas" porque se trata do primeiro guia da Internet, um tema já muito editado em Portugal.
Dos três autores brasileiros escolhidos, apenas Jorge Amado está editado em Portugal. "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa e "Sentimento do Mundo" de Carlos Drummond de Andrade continuam disponíveis apenas em edições brasileiras.
O número de 25 títulos ausentes do mercado livreiro português vai diminuir ainda este ano. Além dos títulos reeditados pela Bertrand, a Verbo vai lançar a versão original do primeiro álbum de Hergé, "Tintin no País dos Sovietes", com as tiras a preto e branco tal como surgiram nos jornais franceses (?), em 1929. Uma boa novidade para os amantes da BD.
Bárbara Wong / Público, 21/03/1998
quinta-feira, 11 de outubro de 2007
Pedro Zamith
EXPOSIÇÃO COLECTIVA - 08.2007
"O MISTÉRIO DA CULTURA"
Evolução, tradição, expeculação, trabalho de equipa, narcisismos, modas, dons perdidos,
meios infinitos, simplicidade nativa...
Com a imaginação como único limite, 14 artistas aceitaram o desafio de apresentar
9 trabalhos para desvendar "O Mistério da Cultura".
terça-feira, 11 de setembro de 2007
Sócrates no país dos Sovietes
segunda-feira, 30 de julho de 2007
Heróis da Banda Desenhada: Tintim
Como personagem, é um repórter, nascido para correr mundo e viver as aventuras que o imortalizaram. Talvez por isso mesmo, nunca é surpreendido a escrever um artigo — quando muito, há os registos impressos das suas vivências em jornais —, mas quem se importa com isso se as suas histórias exprimem de forma tão eloquente esse desejo absoluto de justiça e humanidade que impregna cada quadradinho e cada prancha?
Por detrás de cada acto de criação está, muitas vezes, uma explicação singela. Visto à distância de mais de 70 anos, e de acordo com a confissão do próprio autor numa carta enviada a um admirador, em Novembro de 19996, o acto fundador de Tintim é de um despojamento tocante: “A ‘ideia’ da personagem Tintim e do tipo de aventuras que ele ia viver ocorreu-me, creio, em cinco minutos, no momento de esboçar pela primeira vez a silhueta desse herói: isso quer dizer que ele não tinha habitado os meus verdes anos, nem mesmo em sonhos”. Mas Hergé tem o cuidado de acrescentar mais qualquer coisa: “É possível que eu me tenha imaginado, em criança, na pele de uma espécie de Tintim: nisso, mas apenas nisso, haveria uma cristalização de um sonho, sonho que é um pouco o de todas as crianças e não pertença em exclusivo do futuro Hergé”.
Depois, há as razões sociais e culturais da época que viu surgir o jovem repórter. O padre Norbert Wallez, director do jornal belga “Vingtième”, encomenda ao seu jovem colaborador — Hergé tem então 22 anos e manifesta uma admiração pelo eclesiástico que nunca sofreu a menor quebra — uma história que metesse um adolescente e um cão. A ideia era “passar” valores católicos para os leitores, que se pretendia educar no culto da virtude e do espírito missionário. O envio do jovem repórter à Rússia soviética, um reino satânico onde impera a pobreza, a fome, o terror e a repressão, era uma solução que se adequava às mil maravilhas ao desejo do padre conservador.
Antes de Tintim, Hergé dera vida às aventuras de Totor, um escuteiro chefe de patrulha de quem o jovem repórter foi imaginado como um “irmão” mais pequeno. O autor veste-o com um fato de golfe apenas porque era uma indumentária que ele próprio gostava de utilizar com frequência. O resto é a expressão natural de uma desejo de diferenciação de todas as demais personagens conhecidas. Assim surge o topete, que se tornou numa imagem de marca para todo o sempre.
A seu lado encontramos desde a primeira hora Milou, um cão inteligente que é um companheiro e um cúmplice de todas as aventuras. Não é inteiramente animal, pois Hergé confere-lhe o dom da palavra e algumas das características que habitualmente se podem encontrar nos humanos: realismo, coragem e preocupação com o seu conforto, mas também instinto batalhador... e muita gulodice.
O êxito desta primeira aventura fará com que Tintim vá ao Congo, numa homenagem de recorte inconfundivelmente colonialista à acção da Bélgica no seu antigo território africano. E, logo a seguir, à América, onde Hergé desejara levar o seu repórter num contraponto crítico à incursão soviética, mas frustrado pela vontade do padre Wallez.
Virão, ainda, mais 20 histórias, através das quais a personagem ganha espessura, é rodeada de uma notável galeria de personagens “secundárias” (Haddock, Tournesol, irmãos Dupond(t), Castafiore, etc.. etc.), ganha o sortilégio da cor e um traço cada vez mais moderno e maturado.
Poderá sempre dizer-se que tudo o que Tintim é já estava contido naquela primeira e primordial aventura. Sim, é verdade que os balões e outros signos da moderna BD europeia nascem um pouco ali. Mas também é certo que as narrativas ganham uma solidez e uma segurança que ainda mal se vislumbrava naquela história.
Lendo “Tintim no País dos Sovietes”, descobre-se também, com surpresa, que o herói não nutre uma atitude muito compassiva perante o género humano, é mesmo cruel e implacável. Mas com o passar dos anos essa atitude conhece uma subtil metamorfose, dando lugar a um herói mais positivo e fraterno, disponível para defender e ajudar os fracos e oprimidos. Quem disse que os heróis de papel não crescem e amadurecem?
http://www.tintin.be
http://www.tintin.org
http://www.multimania.com/herge/frame.htm
http://perso.worldonline.fr/Tintin http://guillaume.belloncle.online.fr/Tintin/index.html
Nome: Tintim
Criador: Hergé
Data de nascimento: 10-01-1929
Local: “Le Petit Vingtième”, Bélgica
Época: século XX
Série: banda desenhada de aventuras e um dos grandes clássicos do género, que influenciou de forma muito vincada uma parte significativa da criação europeia contemporânea de BD
Sinais particulares: Tintim é um jovem repórter, sempre vestido com calças de golfe e ostentando um inconfundível topete no alto da cabeça. É dono de um fiel e inteligente cão “fox-terrier”, chamado Milou, e tem como companheiro inseparável, a partir de 1940, Haddock, um capitão de marinha colérico, beberrão e temperamental.
© 2000 Público/Carlos Pessoa
sábado, 28 de julho de 2007
Radar Tim Tim
"Esplendor na Relva" e "Estendal Lusitano" foram alguns dos espectáculos dos Radar Kadafi e marcaram um estilo: adereços em profusão, suportes audiovisuais, um desconcertante apresentador, o showman Tell Tapia.
No asno de 1987 lançaram o álbum "Prima Donna".
O espectáculo concebido para o verão de 1987 chamou-se Radar Tim Tim:
"Uma analogia a todo o mundo de Hergé, a aventura da adolescência. É a simbologia Tim Tim, não óbvia, tratada por nós numa "picadora" especial, e visível em cenários, murais, painéis, projecções e toda uma série de objectos móveis. Há ainda canções e músicas que poderão ser ouvidas no espectáculo e que não voltaremos a utilizar. Quem não vir perde..."
Fonte: Tiago Faden/TV Guia
http://tintinofilo.over-blog.com/article-11550945.html
quarta-feira, 13 de junho de 2007
Tintin em exposição
O universo do Tintim pertence a um imaginário colectivo - internacionalmente extenso - que evoluiu desde 1930 apurando e insistindo na caracterizaçãodas suas personagens: desde o próprio Tintim, intrépido, ao Capitão Haddock, auto-acidentado; do distraído Professor Girassol aos deslocados irmãos Dupondt.
Em "Tintim por Tintim" geram-se compostos, relações e hierarquias de corpos em diversos cenários da série. Quebrando a linearidade da narrativa simples da Banda Desenhada original, mas usando esse lugar comum, estas obras deslumbram a justaposição e simultaneidade, recriando compostos imagéticos e relembrando questões ontológicas.
Dos oito aos oitenta, esta exposição apresenta novas aventuras em tudo diferentes das que acompanharam várias gerações.
A exposição termina a 21 de Junho e a galeria fica na Rua das Pedras Negras, 17, Lisboa.
http://www.worknshop.com/pags/i00.html
quinta-feira, 7 de junho de 2007
quarta-feira, 6 de junho de 2007
Tintin na feira da Matemática
terça-feira, 5 de junho de 2007
Tintin e a Matemática
No passado dia 2 de Junho no Museu da Ciência da Universidade de Lisboa o professor Nuno Crato deu uma palestra subordinada ao tema «Tintin e a Álgebra da Aventura » Hergé, o genial criador das aventuras de Tintim e Milou, nasceu há 100 anos.
Nos álbuns do audacioso repórter percorrem-se muitas descobertas do século XX. Frequentemente, Tintim mostra-nos princípios físicos, matemáticos e biológicos da vida moderna. Mas Tintim nem sempre acerta. Por vezes engana-se nas contas, desenha os relógios de sol ao contrário, aponta mal os telescópios, confunde as cores do arco-íris ou faz erros elementares de mecânica física. esta palestra vamos mostrar como as aventuras de Tintim acompanharam a evolução da ciência do século XX e vamos lançar alguns desafios para se descobrir onde Tintim se enganou nas contas. Falamos para todas as idades, tal como Tintim: dos 7 aos 77.
http://clube.spm.pt/static.php?orgId=220
quarta-feira, 30 de maio de 2007
Hergé ainda na sombra de Tintim
Cem anos passados sobre o seu nascimento, o autor belga Hergé é ainda hoje conhecido (quase) apenas por ter criado em 1929 o invencível repórter Tintim, cujo sucesso se sobrepôs à vida de um homem pacato e conservador. Hergé dedicou mais de vinte álbuns a Tintim.
“Não há referências na banda desenhada que se comparem a Hergé e ele foi precursor na Europa”, afirmou o divulgador de BD João Paiva Boléo. Hergé, que nasceu em Bruxelas a 22 de Maio de 1907, criou o repórter Tintim em 1929 e até hoje esta é a mais famosa personagem da banda desenhada da Europa.
Ao longo de quase cinquenta anos (entre 1930 e 1976), Hergé deixou mais de vinte álbuns com histórias ricas e bem construídas, com personagens cativantes que fazem um resumo da natureza humana, sublinhou Boléo, que se considera um “Tintinófilo”. Apesar de a banda desenhada ter dominado a sua vida artística, Hergé (nome artístico com as iniciais invertidas de Georges Remi) trabalhou nas artes gráficas. “Ele tinha aspirações a ser um gráfico e chegou a fazer desenhos publicitários nos anos 1930, deixando trabalhos com um sentido moderno do seu tempo”, relata João Paiva Boléo.
No entanto, Tintim e o seu inseparável “fox terrier” Milú impuseram-se a Hergé desde que foram criados, num suplemento do jornal Le Vingtième Siècle, em Janeiro de 1929. Hergé tinha apenas 22 anos.
A primeira história, «Tintim no país dos sovietes», era a preto e branco e revelava “um traço tosco e mal desenhado. Na infância Hergé teve más notas a desenho”, lembrou o bedéfilo Geraldes Lino. O estilo, mais tarde designado “linha clara”, foi sendo aperfeiçoado ao longo dos anos, com as histórias a servirem de aprendizagem para a construção dos enredos e dos cenários realistas, a definição do traço e das cores, que influenciariam gerações de artistas.
Escuteiro na infância, agnóstico e conservador, Hergé foi, no entender de João Paiva Boléo, muitas vezes mal interpretado. “Criou-se uma lenda de que Hergé era fascista e racista”, recorda Boléo, autor de vários estudos sobre BD portuguesa. Em causa estão, por exemplo, os álbuns «Tintim no país dos sovietes» (1930), no qual o repórter é enviado à Rússia e em que Hergé alegadamente ridiculariza os comunistas, e «Tintim no Congo» (1931), com uma visão colonialista e paternalista de África por parte dos belgas. “Ele não tinha desprezo pelos negros ou pelos judeus, mas alguns dos episódios passados são verdadeiros”, refere Boléo. No entanto, as histórias e as personagens “foram gradualmente mudando, deixando para trás racismos primários ou anti-semitismos para não chocar os leitores”, referiu Geraldes Lino.
Ao longo da sua vida, Hergé foi tendo mais cuidado e sensibilidade com as interpretações políticas das suas histórias, até porque os álbuns de Tintim foram traduzidos e publicados em dezenas de países fora da Europa. “Foi a partir de «O lótus azul» (1936) que Hergé teve consciência do que andava a fazer”, denotando uma maior preocupação com o rigor, opina Boléo, referindo uma viagem que o autor fez à China. Geraldes Lino evoca, por seu lado, o crescente gosto de Hergé pela cultura e pela arte, expresso no inacabado «Tintim e a Alph-Art», publicado em 2004.
Apesar de Tintim ter ofuscado toda a obra de Hergé, o autor belga criou ainda, em 1930, a série «Quick & Flupke», publicada em Portugal com os títulos «Tropelias de Trovão & Relâmpago» e mais tarde «As aventuras de Quim e Filipe». “É a segunda série mais importante de Hergé, mais rica sociologicamente e que reflecte o que era Bruxelas dos anos 30”, descreve João Paiva Bóleo. Em 1936, Hergé desenhou a série de ficção científica «Jo, Zette & Jocko», editada em Portugal como «Joana, João e o macaco Simão».
Da sua vida privada sabe-se que Hergé foi escuteiro, não teve filhos, viveu rodeado de amigos e viajou sobretudo nos últimos anos de vida, já com a segunda mulher. Há pelo menos um português que se atravessa na vida de Hergé, quando o autor belga viveu em França durante a segunda guerra mundial, numa altura em que a Bélgica foi ocupada pelas tropas alemãs. As biografias referem que o editor de Hergé em Portugal, Adolfo Simões Muller, pagou os direitos de autor a Hergé em géneros alimentares em vez de dinheiro, dadas as dificuldades do autor. Adolfo Simões Muller foi o responsável por Portugal ter sido o primeiro país em todo o mundo a publicar as aventuras de Tintim a cores em 1936, no jornal O Papagaio. Desconhece-se a razão que levou Hergé a criar a personagem Oliveira da Figueira, um comerciante, que entra no álbum «Tintim na América» (1932).
Sílvia Borges Silva (Agência Lusa) / O Primeiro de Janeiro
https://arquivo.pt/wayback/20090725111347/http://tintinofilo.over-blog.com/20-archive-05-2007.html
sábado, 26 de maio de 2007
Tintim de A a Z
Um dicionário do mundo do popular explorador criado por Hergé.
Acusações - Por via ou do seu percurso pessoal ou de obras onde a actualidade era matéria-prima, várias polémicas perseguiram Hergé, um individualista demasiado inseguro para se afirmar para além de um meio e de amigos tão conservadores quanto presentes. Talvez seja racista, em "Tintim no Congo", mas admira os índios em "Tintim na América", desrespeita os muçulmanos, mas aprecia-lhes a arte, ama o género feminino, mas exercita a misoginia. Terá tido laivos de anti-semitismo durante a II Guerra Mundial, mas revela-se antes de mais oportunista. Tinha como divisa "toda a convicção é uma prisão"... Mas era um defensor intransigente da amizade.
Alph Art - Em homenagem a Hergé que, no momento da morte, a 3 de Março de 1983, trabalhava neste álbum publicado depois em esboço, assim se baptizaram em 1989 os prémios do Festival de Angoulême, em França, o mais importante no seu género (ver Pintura).
Asteróides - Hergé e Castafiore são, desde 1982, os nomes de dois asteróides. Os especialistas admiraram, "com estupefacção", o realismo de Adonis, em "Explorando a Lua", quando não existia fotografia alguma.
Aventura - Uma pequena perturbação no quotidiano lança uma dúvida que só encontra resposta na partida. Porque ainda há exótico, há que vencer todos os perigos, naturais e outros, para dar de caras com o mal.
Estúdios Hergé - O individualista cede, nos anos 1950, ao óbvio. Para cumprir com a sua obsessão de clareza precisa de ajuda, não apenas para uma pesquisa cada vez mais minuciosa mas para refazer em álbum o que foi sendo publicado periodicamente em moldes variáveis. Reúne Jacques Martin, Roger Leloup e Bob de Moor, entre outros, na qualidade de ajudantes na construção de universos.
Filmes - O interesse manifestado, pelo menos desde 1983, por Steven Spielberg na figura de Tintim, que alguns vêm expressa em Indiana Jones, passou a contrato em Março deste ano. Nada se sabe acerca da tecnologia ou do álbum escolhido. Foram duas as adaptações com actores, nos idos de 1960, e várias as animações, iniciadas em 1969, com "O Templo do Sol".
Foguetão - Não voaria, mas a sua forma e cores fez dele um ícone do design contemporâneo.
Gatos - Apesar de Milu, sãos os felinos os preferidos de Hergé.
Gaulle, Charles de (estadista francês, 1890-1970) - "No fundo, o meu único rival é Tintim! Somos pequenos que não se deixam vencer pelos grandes. Não se dá conta disso por causa do meu tamanho."
Géneros - Segundo o tintinófilo, João Paulo Paiva Boléo, o refugiado Hergé, em 1940, escreve de França a Adolfo Simões Müller (ver "Papagaio"), pedindo-lhe que mande dizer aos pais que se encontra bem e que lhe pague em géneros. Há-de recordar, mais tarde, as sardinhas e outros enlatados.
Insulto - É a arte maior do capitão Haddock, que também pratica a de bem beber: são centenas e torrenciais, de açambarcador a zulu, passando por cretino dos Alpes ou ectoplasma. Veja-se "Le Haddock Illustré", Albert Algoud, Casterman.
Jornalismo - Provavelmente a peça mais interessante de umas comemorações de centenário demasiado dadas ao espectacular, uma das partes da exposição Hergé, que o Centre Pompidou, de Paris, acolheu até Fevereiro de 2007, era dedicada exactamente à ideia de jornalismo. Devendo a sua formação ao frenesi das redacções, o jornalismo era, para o célebre autor belga, não tanto uma profissão, mas uma metodologia de abordagem aos assuntos (políticos, naturais, científicos, tecnológicos) do Mundo.
Linha clara - Joost Swarte, desenhador holandês, cunhou em 1977 e de modo duradoiro esta expressão para caracterizar o estilo hergeniano que, muito brevemente, assenta na omnipresença do contorno negro, das cores directas e sem nuances de luz e sombra, realismo dos cenários, regularidade obsessiva de uma paginação que se verga à força da narrativa (e do argumento).
Mecanismo - Narração em suspenso de uma história onde o exotismo serve uma enorme atenção ao presente, por vezes antecipando o futuro, sobretudo tecnológico, tendo o humor como mecanismo e horizonte um enorme esforço de clareza e extrema lisibilidade.
Objecto - Em "A Orelha Quebrada", todos os olhares e movimentos, cada gesto e desenvolvimento gravita em torno de uma estatueta em madeira da tribo dos Arumbayas. O universo hergiano desmultiplica-se em objectos, num verdadeiro "Museu Imaginário" do século, da viagem e da aventura.
Oliveira da Figueira - Surgirá, em 1934, durante "Os Charutos do Faraó", vendendo e falando (utilidades...). É a mais notável presença portuguesa neste universo, ainda que, em "Tintim no Congo", surja um jornalista do "Diário de Lisboa", mas sem outra espessura que a de uma vinheta, a mesma de Pedro João dos Santos, físico da Universidade de Coimbra, em "A Estrela Misteriosa".
"Papagaio" - Portugal foi o primeiro país não francófono a editar Tintim, apenas seis anos depois do seu início no "Petit Vingtième". O "Papagaio", revista dirigida por Adolfo Simões Müller, acolheu, em 1936, talvez a primeira versão colorida de "As Aventuras de Tim-Tim na América do Norte". Em 1939, Tim-Tim, repórter agora ao serviço de "O Papagaio" irá a Angola (curiosa versão de "Tintim no Congo"). Até aos anos 1960, altura em que surge a revista homónima, o repórter passará pelas páginas do "Diabrete", "Cavaleiro Andante", "Foguetão", "Zorro" e "Diário de Notícias". A edição nacional em álbum aconteceu apenas a partir de 1988, na Editorial Verbo, mas todos os volumes estão traduzidos.
Personagens - No total, são cerca de 325 as personagens que acompanham Tintim.
Pintura - Hergé chegou a sonhar com uma carreira na pintura, apesar de atraído pelo grafismo e pela ilustração. A pintura não deixa de o acompanhar, por exemplo nas aventuras de Quick et Flupke que "explicam" o surgimento do cubismo, mas sobretudo no seu percurso mais tardio de amante de pintura abstracta e coleccionador. Tintim e a Alph’Art, o último e inacabado álbum, procurava uma síntese das reflexões de Hergé sobre a arte e sobre a sua personagem maior, que parece condenada à morte sob ameaça de um revólver: "Vamos atirar-te para um molde e fazer de ti um César. Serás exposto num museu. Nunca mais te veremos. Serás o coração de uma obra de arte. Estarás morto."
Quick et Flupke ou Quim e Filipe - Criados em 1930, estes putos de Bruxelas (12 volumes, na Verbo) que habitam uma infância nostálgica, são exemplo de algumas outras personagens que viveram na sombra de Tintim.
Serres, Michel (filósofo francês, 1930) - "Hergé escreveu, sem o saber, tratados excepcionais. Aprendi mais teoria da comunicação com 'As Jóias de Castafiore' do que em cem livros de um aborrecimento mortal e sem resultado. Aprendi, direi até bastante mais, sobre o feiticismo em 'A Orelha Quebrada', do que em Freud, em Marx ou Auguste Comte... Aprendi mais sobre o quase-objecto em 'O Caso Girassol' do que em qualquer outro lado. Não me diverti apenas, aprendi. Hergé faz rir, pensar e inventar: verbo único em três pessoas."
Tecnologia - Como uma espécie de arrepio, cada aventura é atravessada pela exploração lunar, pela televisão a cores, por um submersível. O século ficou assim na fotografia: irrequieto.
Universo - A obra é um todo tentacular. Há décadas que milhões de leitores fiéis das mais díspares origens encontram motivos renovadas para regressar aos álbuns. São incontáveis as releituras, as recomposições, os ensaios dedicados às Aventuras de Tintim. As suas imagens desmultiplicadas e fragmentárias tocam cada um dos meios de expressão do modo mais inesperado nos lugares mais recônditos. Qual o mistério de Tintim?
Vendas - Em Portugal, e apenas entre 1998 e 2006, já são mais de 800 mil livros vendidos. Traduzidos em cerca de 60 línguas, já somam mais de 200 milhões de exemplares. E um pouco de tudo se vende em torno de Tintim, de uma prancha de "O Ceptro de Ottokar", que atingiu os 102 mil euros, aos mais díspares objectos oriundos (ou não) das aventuras, de um projecto de parque de diversões, anunciado para Angoulême, em França, a musicais.
Viagem - Um enigma não se resolve sem partida: todas as geografias estão ao alcance da curiosidade, todos os meios de transporte serão usados para ir. Tintim sente-se prisioneiro mesmo num palácio. E Hergé dá-lhe grandes paisagens em pequenos quadrados: montanhas, florestas. Tudo começa na viagem.
XXe Siècle - Com forte carga simbólica, dada a ligação entre um e outro, século e personagem, foi naquele jornal conservador católico de Bruxelas que nasceu, no n.º 11 do seu suplemento infantil, "Petit Vingtième", a 10 de Janeiro de 1929, o repórter Tintim que naquelas páginas se manterá até à ocupação nazi da Bélgica, em 1940.
JPC, Expresso, 18/05/2007
Cartoon de Rodrigo de Matos
terça-feira, 22 de maio de 2007
Jonas o Reguila fala com Hergé
Carlos Sêco, um Amis de Hergé português da Lousã, excelente desenhador de BD, criador para o jornal Trevim da Lousã do herói Jonas o Reguila comemorou o centenário de Hergé com uma BD de sua autoria. Aproveitamos para os convidar a vsitarem o seu blog em http://www.jonasoreguila.blogspot.com/
Primeira tese portuguesa sobre Tintin
A invisibilidade das mulheres nas aventuras de Tintin.
"Um círculo para a cara, dois pontos para os olhos, um traço para a boca, um "u" para o nariz e já está!". Assim definiu Hergé, certa vez, Tintin. A esta simplicidade gráfica - que o tornou um dos símbolos do século XX - assente num traço límpido, servido por cores planas e luminosas, para o qual foi necessário inventar a designação de "linha clara", podemos acrescentar o seu carácter decidido e aventuroso, a defesa de valores como a justiça, a amizade e a defesa dos mais fracos. E se complementarmos ainda com a extrema legibilidade das suas aventuras, o seu ritmo vivo, o correcto doseamento de suspense, humor e acção, o dinamismo do desenho, o rigor na construção de cenários e veículos, a capacidade de síntese e a antecipação científica (mini-submarino, ida à Lua, TV a cores…) podemos afirmar que estamos próximos da perfeição. Ou na perfeição mesmo, dirão algumas vozes, explicada pela quase total ausência de mulheres em Tintin. O que não deixará de ser um problema acrescido para o projecto cinematográfico de adaptação das suas histórias que Steven Spielberg e Peter Jackson têm agora em mãos.
Foi esta ausência feminina, nunca investigada nas seis teses francesas existentes sobre o herói de Hergé, que serviu de base à primeira tese portuguesa sobre Tintin, agora editada na forma de livro: "A invisibilidade do género feminino em Tintin - A conspiração do silêncio", já disponível nas Feiras do Livro, nos pavilhões da Centralivros. Ana Bravo, a autora, justifica a escolha: "Se Hergé e a sua obra máxima já foram tema de vários trabalhos científicos por parte de reputados académicos e de múltiplas abordagens, (Hergé é um dos autores mais estudados do séc.XX) uma parte permanecia obscura. Ainda nem tudo tinha sido dito! Ou seja, o silêncio continuava….".
Após "um ano de trabalho" a conclusão foi a esperada: "As mulheres em Tintin estão conformadas a papéis secundarizantes na acção, com ocupações tradicionais e formatadas em traços de caracteres comuns de uma sensibilidade e fragilidade feminina aliadas à arte de atrair problemas".
Depois de uma dar perspectiva alargada da evolução da BD, Ana Bravo analisa a relação de Hergé com as mulheres, as de papel e as de carne e osso, de onde se percebe que "se as mulheres lograram adquirir algum protagonismo no seu círculo profissional, constata-se uma intencionalidade de ordem religiosa, social, cultural, ideológica e de público-alvo na invisibilidade das mulheres no seu universo ficcional, assim como uma inusitada incorporação de género em personagens modeladas de animalidade", concretamente Milu. Como curiosidade, regista "a tendência para discriminar salarialmente as colaboradoras: em 1977, quando o seu secretário se afastou, vítima de uma trombose, e foi substituído pela mulher, Hergé convencionou-lhe um salário 2/3 inferior ao do marido."
A autora analisa ao pormenor (nº de aparições, vestuário, atitudes, falas, etc.) as dezenas de mulheres que Hergé desenhou, quase sempre meros figurantes, e verifica "que em dois álbuns - "Tintin no País dos Sovietes" e "Explorando a Lua" - aventuras de temática política e científica, a mulher nem como figurante tem lugar". E de todas, apenas Bianca Castafiore, "o rouxinol milanês" se destaca, surgindo em 7 dos 23 álbuns analisados, mas apenas de forma relevante em "As Jóias de Castafiore", onde, apesar disso, "mais uma vez, Hergé não foi generoso com o universo feminino", pois mesmo "elevando a personagem ao estatuto de protagonista, não logrou fugir ao estereótipo da feminilidade histérica, incorporada numa Castafiore de mente narcísica, obcecada pela imagem e embriagada pelo poder mágico da música, leit-motiv da sua acção".
Esta ausência no feminino, é para José Abrantes, autor de BD e admirador de Hergé "um dado que denuncia alguma antiguidade do seu universo; hoje em dia não seria admissivel uma série não ter personagens femininas com relevância na história". Ausência que o autor, em entrevista a Numa Sadoul ("Tintin et moi - Entretiens avec Hergé", Casterman, 2000) justificou não como "misogenia, mas simplesmente pelo facto de, para mim, as mulheres não terem lugar num mundo como o de Tintin, onde reina uma amizade viril, sem nada de equívoco (…) Se eu introduzisse uma rapariga bonita, que faria ela num mundo onde todos são caricaturas? Gosto demasiado das mulheres para as caricaturar!". Justificação que Ana Bravo aceita porque "a imagem das mulheres como obstáculo ficcional, ainda que reflectindo a visão ideológica de Hergé, fixada nos valores de uma sociedade patriarcal, tem a legitimidade da liberdade de todo o acto criativo".
Apesar do conforto de um ombro feminino, hoje quase octogenário, Tintin tem envelhecido bem, porque "é muito actual, tanto em termos gráficos como no conteúdo da sua mensagem", afirma Abrantes. Opinião corroborada por Ana Bravo que acrescenta que "o herói mítico não envelhece. É intemporal e exerce um fascínio intacto sobre leitores de várias gerações, devido à profundidade da obra e à inteligência da construção das personagens. Hergé foi um desenhador de génio e um grande contador de histórias".
Um autor que se confunde com a sua obra
"Tintin sou eu!", afirmou Hergé por diversas vezes. E fê-lo não só enquanto seu autor, mas também ilustrando a ligação profunda que o unia ao jovem repórter globetrotter e a imensa pressão que a obra exercia sobre o criador, durante muito tempo refém dela, não sendo por acaso que Hergé se desenhou várias vezes como um forçado, guardado à vista por um ameaçador Tintin - mostrando como ele dominava toda a sua vida. Por isso, na já citada entrevista a Numa Sadoul, acrescentou mesmo: "Tintin (e todos os outros) sou eu. São os meus olhos, os meus sentidos, os meus pulmões, as minhas tripas!...".
Nascido a 22 de Maio de 2007 na Bélgica, Hergé revelar-se-ia um homem circunspecto, pouco amigo de falar de si mesmo ou de tomar a ribalta, profundamente apegado às suas criações, preso à herança educacional religiosa e moral e de que demorou a libertar-se. Por isso, o Hergé-homem apagou-se voluntariamente para ceder a ribalta não ao Hergé-autor, mas a Tintin, fazendo dele toda a sua vida, pelo menos entre 1929 - data de nascimento de Tintin - e 1950 - ano da formação dos Estúdios Hergé - entre a criação de novas histórias e a uniformização das mais antigas, agravado pelo seu perfeccionismo que o levava a passar e repassar o traço em busca da solução mais perfeita.
"Tintin no Tibete" (1958) marca um ponto de viragem, por ser uma obra extremamente pessoal, na qual o autor durante o (longo) período criativo, ao mesmo tempo que Tintin busca o seu amigo desaparecido nas montanhas geladas do Tibete, se busca a si mesmo, e, após um longo período de dúvidas e incertezas, no qual chegou a ponderar largar tudo, incluindo Tintin, exorciza fantasmas, refunde convicções, assume a sua relação com Fanny, uma das coloristas do seu estúdio que viria a ser a sua segunda esposa e herdeira, aumenta o espaçamento entre cada nova aventura de Tintin, dando finalmente lugar ao Hergé-homem que ganha um novo gosto pela vida, visitando então muitos dos países onde Tintin o precedera e dando livre curso ao seu interesse pela arte moderna.
E a ligação com a criatura sai reforçada, pertencendo a este período alguns dos álbuns que denotam melhor construção, com "As Jóias de Castafiore" à cabeça. Justificando-se que, por isso, pouco antes de morrer tenha recusado a ideia de que Tintin lhe sobrevivesse pois acreditava "ser o único a poder animá-lo, no sentido de lhe dar uma alma. É uma obra pessoal. Se outros retomassem Tintin, talvez o fizessem melhor, talvez menos bem. Mas uma coisa é certa: fá-lo-iam de outra forma, logo já não seria Tintin!...".
"Tintin é uma obra perfeita"
Título: A invisibilidade do género feminino em Tintin – a conspiração do silêncio
Autor: Ana Bravo
Prefácio: Rui Zink
Ilustração da capa: Miguel Rocha
Formato: 17cm x 24cm
N.º de páginas: 384
Preço: 22 euros
Edição impressa da primeira tese portuguesa sobre Tintin, apresenta como curiosidade o facto de não incluir qualquer imagem da obra analisada, devido às muitas condições (entre as quais a aprovação prévio do texto) que a Fundação Moulinsart, detentora dos direitos de Tintin, pretendeu impor, razão pela qual a própria capa, embora remetendo para as criações de Hergé, não as mostra explicitamente.
Jornal de Notícias - Que relação tem com Tintin?
Ana Bravo - Faço parte de uma geração (anos 60) que praticamente aprendeu a ler e a gostar de BD, graças ao Tintin. Convivi e vivi com ele as suas intrépidas aventuras, descobrindo o Mundo e sonhando com a sua heroicidade, sempre do lado dos bons e dos oprimidos. Os seus álbuns foram uma fonte de educação salutar e, para além do prazer de infância, foi uma contínua aprendizagem.
Mais tarde, ao relê-las, ciclicamente fui percepcionando algumas questões que se me afiguravam dúbias ou mal resolvidas, como a ausência de antecedentes familiares num herói assexuado e um tanto insípido e a falta de companheiras que quase sempre povoaram o universo de outros heróis e aventuras da BD.
JN - Porquê esta pesquisa sobre o papel das mulheres em Tintin?
AB - Trata-se apenas de uma interrogação ou reflexão sobre questões de género, temática que tem resistido a todos os estudos sobre o autor e a sua obra. O interesse em estudar o universo feminino da BD, prende-se com o facto de as histórias ficcionais configurarem construções culturais de identidade de género consumidas, durante décadas, pela cultura ocidental, com repercussões para as visões futuras em termos dos valores que promovem e das formas de identificação que oferecem.
JN - A presença de mais mulheres teria enriquecido Tintin?
AB - A problemática não reside na quantidade de mulheres na BD, mas na qualidade dos papéis que lhes são atribuídos. Houve autores que as excluíram do seu universo ficcional e outros que as elevaram categoria de heroínas. Há uma evolução no tempo da imagem da mulher na BD, a que Hergé foi alheio, mesmo ao criar a sua última personagem feminina, Peggy Alcazar, em 76. Mais mulheres em Tintin não resultaria numa ficção de maior qualidade, porque Tintin é uma obra perfeita do ponto de vista formal, em que nada pode ser alterado!
JN - De que forma a sua investigação alterou a sua visão de Tintin?
AB - As Aventuras de Tintin constituem um legado documental e fonte privilegiada para recriar a História e para o estudo do género e, neste caso, como o género condicionou a BD.
Este livro é o resultado duma nova perspectivação sobre a obra de Hergé que me permitiu uma melhor compreensão dela, corroborando princípios teóricos de análise, não passíveis de alterar a minha visão de Tintin.
Pedro Cleto, Jornal de Notícias, 22/05/2007
Ana Bravo
Por que é que não há mulheres no mundo de Tintin
"Um círculo para a cara, dois pontos para os olhos, um traço para a boca, um 'U' faz o nariz e já está!". Assim definiu Hergé, certa vez, Tintin. A esta simplicidade gráfica - que o transformou num dos símbolos mais fortes do século XX -, assente num traço límpido, servido por cores planas e luminosas, para o qual foi necessário inventar a designação "linha clara", podemos acrescentar o seu carácter decidido e aventuroso, a defesa de valores como a justiça, a amizade e o combate eterno pelos mais fracos.
O universo Tintin - de longe a mais célebre criação do belga, também autor de Quim e Filipe, e do trio Joana, João e o Macaco Simão - é feito de 23 álbuns e neles reside o essencial de Hergé. Mas, quando hoje passa um século sobre o nascimento do criador belga, há um pormenor de que muitos nunca se terão apercebido são muito poucas as mulheres na vida de Tintin e, quando as há, surgem sempre reduzidas, em todos os aspectos, a uma condição menor.
Um ano a ver BD à lupa
Foi esta ausência feminina, nunca investigada nas seis teses francesas existentes sobre o herói de Hergé, que serviu de base à primeira tese portuguesa sobre Tintin, agora editada em livro "A invisibilidade do género feminino em Tintin - A conspiração do silêncio". O volume, que já estará disponível nas Feiras do Livro de Lisboa e Porto que arrancam esta semana, envolveu num trabalho estóico a sua autora, Ana Bravo, que esquadrinhou milhares de vinhetas.
Após a análise, a conclusão foi a esperada "As mulheres em Tintin estão conformadas a papéis secundarizantes na acção, com ocupações tradicionais e formatadas em traços de caracteres comuns de uma sensibilidade e fragilidade feminina aliadas à arte de atrair problemas".
Mulher estereotipada
Depois de uma dar perspectiva alargada da evolução da BD, Ana Bravo analisa a relação de Hergé com as mulheres - as de papel e as de carne e osso -, de onde se percebe que "se as mulheres lograram adquirir algum protagonismo no seu círculo profissional, constata-se uma intencionalidade de ordem religiosa, social, cultural, ideológica e de público-alvo na invisibilidade das mulheres no seu universo ficcional, assim como uma inusitada incorporação de género em personagens modeladas de animalidade", concretamente da cadela Milu.
Como curiosidade, regista "a tendência para discriminar salarialmente as colaboradoras em 1977, quando o seu secretário se afastou, vítima de uma trombose, e foi substituído pela mulher, Hergé convencionou-lhe um salário 2/3 inferior ao do marido".
Ana Bravo analisou ao pormenor as dezenas de mulheres que Hergé desenhou (n.º de aparições, vestuário, atitudes, falas), quase sempre meros figurantes, e verifica que em dois álbuns ("Tintin no País dos Sovietes" e "Explorando a Lua"), aventuras de temática política e científica, a mulher não entra de todo. E de todas, só Bianca Castafiore, "o rouxinol milanês", se destaca, surgindo em sete dos 23 álbuns, mas apenas como protagonista em "As Jóias de Castafiore", onde, apesar disso, "mais uma vez, Hergé não foi generoso com o universo feminino", pois mesmo "elevando a personagem ao estatuto de protagonista, não logrou fugir ao estereótipo da feminilidade histérica, incorporada numa Castafiore narcísica, obcecada pela imagem e embriagada pelo poder mágico da música, 'leit-motiv' da sua acção".
No reino da amizade viril
Esta ausência no feminino, é para José Abrantes, autor de BD e admirador de Hergé "um dado que denuncia alguma antiguidade do seu universo; hoje em dia não seria admissível uma série não ter personagens femininas com relevância na história".
A ausência é justificada pelo autor em entrevista a Numa Sadoul ("Tintin et moi - Entretiens avec Hergé", Casterman, 2000) "Não é misogenia, mas simplesmente pelo facto de, para mim, as mulheres não terem lugar num mundo como o de Tintin, onde reina uma amizade viril, sem nada de equívoco (?) Se eu introduzisse uma rapariga bonita, que faria ela num mundo onde todos são caricaturas? Gosto demasiado das mulheres para as caricaturar!".
Ana Bravo aceita a justificação "A imagem das mulheres como obstáculo ficcional, ainda que reflectindo a visão ideológica de Hergé, fixada nos valores de uma sociedade patriarcal, tem a legitimidade da liberdade de todo o acto criativo".
Apesar do conforto de um ombro feminino, hoje quase octogenário, Tintin tem envelhecido bem, porque "é muito actual, tanto em termos gráficos como no conteúdo da sua mensagem", afirma Abrantes. Opinião corroborada por Ana Bravo que acrescenta que "o herói mítico não envelhece. É intemporal e exerce um fascínio intacto sobre leitores de várias gerações, devido à profundidade da obra e à inteligência da construção das personagens. Hergé foi um desenhador de génio e um grande contador de histórias".
F. Cleto e Pina, JN, 22/05/2007
Excerto de um artigo intitulado "Por que é que não há mulheres no mundo de Tintin", publicado no Jornal de Notícias:
(...) há um pormenor de que muitos nunca se terão apercebido são muito poucas as mulheres na vida de Tintin e, quando as há, surgem sempre reduzidas, em todos os aspectos, a uma condição menor.
Um ano a ver BD à lupa
Foi esta ausência feminina, nunca investigada nas seis teses francesas existentes sobre o herói de Hergé, que serviu de base à primeira tese portuguesa sobre Tintin, agora editada em livro "A invisibilidade do género feminino em Tintin - A conspiração do silêncio". O volume, que já estará disponível nas Feiras do Livro de Lisboa e Porto que arrancam esta semana, envolveu num trabalho estóico a sua autora, Ana Bravo, que esquadrinhou milhares de vinhetas.
Após a análise, a conclusão foi a esperada "As mulheres em Tintin estão conformadas a papéis secundarizantes na acção, com ocupações tradicionais e formatadas em traços de caracteres comuns de uma sensibilidade e fragilidade feminina aliadas à arte de atrair problemas".
Mulher estereotipada
Depois de uma dar perspectiva alargada da evolução da BD, Ana Bravo analisa a relação de Hergé com as mulheres - as de papel e as de carne e osso -, de onde se percebe que "se as mulheres lograram adquirir algum protagonismo no seu círculo profissional, constata-se uma intencionalidade de ordem religiosa, social, cultural, ideológica e de público-alvo na invisibilidade das mulheres no seu universo ficcional, assim como uma inusitada incorporação de género em personagens modeladas de animalidade", concretamente da cadela Milu.
Como curiosidade, regista "a tendência para discriminar salarialmente as colaboradoras em 1977, quando o seu secretário se afastou, vítima de uma trombose, e foi substituído pela mulher, Hergé convencionou-lhe um salário 2/3 inferior ao do marido".
Ana Bravo analisou ao pormenor as dezenas de mulheres que Hergé desenhou (n.º de aparições, vestuário, atitudes, falas), quase sempre meros figurantes, e verifica que em dois álbuns ("Tintin no País dos Sovietes" e "Explorando a Lua"), aventuras de temática política e científica, a mulher não entra de todo. E de todas, só Bianca Castafiore, "o rouxinol milanês", se destaca, surgindo em sete dos 23 álbuns, mas apenas como protagonista em "As Jóias de Castafiore", onde, apesar disso, "mais uma vez, Hergé não foi generoso com o universo feminino", pois mesmo "elevando a personagem ao estatuto de protagonista, não logrou fugir ao estereótipo da feminilidade histérica, incorporada numa Castafiore narcísica, obcecada pela imagem e embriagada pelo poder mágico da música, 'leit-motiv' da sua acção".
As mulheres na BD, ora aqui está um vasto e interessantissimo tema, no qual contudo não me aventurarei por não conhecer suficientemente a BD. Mas deixo o convite às leitoras e aos leitores deste blog para se debruçarem sobre este assunto e nos enviarem as vossas reflexões.
Miss Piggy, Publicada por Colectivo Feminista, em 22/05/2007
segunda-feira, 21 de maio de 2007
Tintin na TSF
domingo, 20 de maio de 2007
Marcelo Rebelo de Sousa e Tintin
sábado, 19 de maio de 2007
Tintin em Portugal - Editorial Verbo e o Festival de BD da Amadora fazem exposição para assinalar o centenário de Hergé
Fonte da organização do Festival de BD da Amadora disse à agência Lusa que a edição deste ano do FIBDA recordará o trabalho artístico de Hergé e as aventuras de Tintim, numa exposição que contará com o apoio da Editorial Verbo.
A Verbo, que edita a obra de Hergé desde 1988, está em negociações com a Fundação Hergé para trazer a Portugal a exposição.
Para 2009 a chancela planeia apresentar em Portugal a exposição retrospectiva que o Centro Georges Pompidou, em Paris, acolheu entre Dezembro e Fevereiro.
No âmbito das comemorações do centenário do nascimento de Hergé, que se assinala na terça-feira, a editora portuguesa vai ainda lançar a edição fac-similada do álbum «O lótus azul», um livro jogo do Tintim e um calendário-agenda para 2009.
De acordo com dados estatísticos da Verbo, as séries de Tintim, Quim e Filipe e Joana, João e o Macaco Simão, já venderam em Portugal cerca de um milhão de exemplares.
O Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, que este ano atinge a maioridade, com a 18/a edição, decorrerá de 19 de Outubro a 04 de Novembro.
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Tintin na rádio
quinta-feira, 17 de maio de 2007
Arqueologias
Mas, apesar de tudo, é bom não esquecer que foi esta obra que abriu as portas a todas as restantes. E que na sua génese esteve, curiosamente, uma tentativa de usar a banda desenhada como um veículo de propaganda política, um modo eficaz de levar uma mensagem ao público mais jovem. No final dos anos 20 Hergé trabalhava no jornal conservador belga “XXème Siécle”. E “Tintim no país dos Sovietes” foi criado em 1929 para “Le Petit Vingtième, o suplemento infantil do jornal, por sugestão/encomenda do seu director, o abade Wallez. O objectivo era sobremaneira óbvio: denunciar a Revolução Bolchevista de um modo claro e directo, mas ao, mesmo tempo, apelativo.
Escrito sem um argumento prévio propriamente dito, “Tintim no país dos Sovietes” surge assim como um conjunto algo desgarrado de “gags” e aventuras onde vibra um anticomunismo primário. E que não conta sequer com o rigor documental que o autor revelaria posteriormente. Ou seja: falta quase tudo daquilo que caracterizaria (até à obsessão, em muitos casos) a elaborada construção de cada álbum de “Tintim”. É verdade que Hergé vai começar a tactear aqui a linguagem da BD, de que se tornaria um dos maiores expoentes. É também certo que a personagem evolui ao longo da obra. Mas, no seu todo, este é um álbum, não só fossilizado, como narrativa e artisticamente medíocre. O seu valor, certo e inquestionável, é arqueológico. Ler “Tintim no país dos Sovietes” como qualquer outro álbum de “Tintim” é pois, não só um erro, como injusto.
Após o primarismo (político e narrativo) desta primeira obra, Hergé ainda necessitaria de algum tempo para tornar mais equilibradas as suas visões do mundo. Porque a “Tintim no país dos Sovietes” se seguiriam o colonialismo paternalista de “Tintim no Congo”, ou o anti-americanismo de “Tintim na América”. E também não é verdade que “Tintim” se tenha deixado de comentários político-sociais depois disso, como a leitura atenta de qualquer das suas aventuras poderá confirmar. Mas, mais importante ainda, ao longo da sua brilhante carreira “Tintim” conseguiria o feito raro de cruzar uma mensagem humanista com o gosto pela descoberta e pela aventura, sem esquecer o humor. Criando uma das referências fundamentais do século. Por isso mesmo o seu início titubeante é apenas isso mesmo. Sendo uma das edições de banda desenhada mais importantes de 1999, será bom não nos esquecermos de contextualizar “Tintim no país dos Sovietes”. Até para não lhe pedirmos mais do que aquilo que pode dar.
“Tintim no país dos Sovietes”. Texto e desenhos de Hergé. Verbo. 140 pp. 2100$00.
© 2000 Jornal de Letras/João Ramalho Santos