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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A Capital da BD

Expresso

Outras Terras

A capital da BD

TINTIM, Lucky Luke, Gaston Lagaffe, Boule e Bill, Spirou, Fantasio e Marsupilami, Blake e Mortimer, Bob e Bobette, Quick e Flupke, Nero, os Schtroumpfs e tantos outros heróis da banda desenhada são nados e criados na Bélgica, um pequeno país com apenas 170 anos de existência e um terço da dimensão de Portugal. Não admira pois que a Bélgica seja o país com mais desenhadores e argumentistas por metro quadrado e maior número de álbuns vendidos por ano: 40 milhões, dos quais 30 milhões são exportados.

Só Tintim e Bob e Bobette, por exemplo, já venderam cada um mais de 80 milhões de exemplares. Quando Daniel De Bruycker, poeta e ex-crítico do diário «Le Soir», afirma: «Somos o único país que se interroga sobre se existe realmente», apetece pedir-lhe que «não se preocupe» porque é essa aparente não-existência da Bélgica que lhe dá a criatividade, sentido de humor e irreverência que faltam a muitos países que se arrogam de instituições sólidas e velhas tradições e que vivem à sombra de troféus passados.

Quando o suíço Rodolphe Töpffer, professor num colégio interno, criou em 1827 a primeira série de histórias em imagens para distrair os seus alunos, estava longe de pensar-se que esta forma de expressão viria a ser considerada a nona arte e para muitos a mais universal de todas. Nem mesmo a Hergé passaria pela cabeça que as primeiras aventuras do repórter Tintim e do seu cão Milu, publicadas no «Petit Vingtième» em 1929, um suplemento infantil de um jornal diário de Bruxelas, dariam origem ao maior sucesso editorial de sempre de histórias aos quadradinhos, abrindo caminho a uma importante escola belga de banda desenhada. E se o facto de a Bélgica conviver com três línguas oficiais - francês, neerlandês e alemão - e um sistema político complexo, cria inegavelmente dificuldades de comunicação, tem a vantagem de estimular a imaginação e obrigar a formas de expressão alternativas. E a BD tem essa capacidade, única no mundo das artes, de saber superar, graças ao poder das imagens e à simplicidade dos textos, todas as barreiras: etárias, culturais, linguísticas ou geográficas.

O sucesso de tintim

 O êxito imediato de «Tintim no País dos Sovietes», levou Hergé a publicá-la em livro, um ano depois, nascendo assim o primeiro álbum de BD. Em 1938, Rob-Vel funda o jornal «Spirou», que começa por publicar autores americanos, mas a II Guerra Mundial interrompe a importação de histórias americanas e os criadores belgas entram em cena, dando origem à escola de Charleroi, caracterizada por um estilo mais humorístico e uma linguagem mais desbocada do que a escola de Hergé. Entre eles estão Jijé, que desenvolve a personagem Spirou e acrescenta Fantasio; André Franquin, que retoma estas personagens, acrescentando-lhes o Marsupilami, e que mais tarde cria o hilariante Gaston Lagaffe; Roba, o autor de Boule e Bill; Morris, que cria Lucky Luke, e Peyo, o pai dos Schtroumpfs. Do lado de Hergé, que em 1946 criou o Jornal «Tintim», inteiramente dedicado à divulgação de autores belgas, estão E.P. Jacobs (Blake e Mortimer), Paul Cuvelier (Corentin), Jacques Martin (Alix), Vandersteen (Bob e Bobette), Tibet (Ric Hochet), entre outros. Nos anos 70 surgiram novos movimentos, nomeadamente as bandas desenhadas para adultos - a revista «A Suivre» divulga muitos deles - mas nessa altura já os velhos heróis infantis tinham sido lidos e amados por várias gerações de crianças e estavam irremediavelmente entranhados no imaginário dos leitores.

Uma visita a Bruxelas tem muitos pontos de interesse, mas em nenhum caso e sob nenhum pretexto poderá ser esquecida a arte maior dos belgas - a BD - presente em todos os cantos da cidade: murais, livrarias, lojas de objectos BD e o Centro Belga da Banda Desenhada, ponto de partida ideal para iniciar o roteiro. Este museu abriu ao público em 1989, nos antigos armazéns Waucquez, uma casa «Arte Nova» desenhada por Victor Horta e salva «in extremis» da demolição e transformação em parque de estacionamento. O edifício foi fielmente restaurado e hoje integra a maior bedeteca do mundo, o museu do imaginário, que conta com 650 autores, o espaço Saint-Roch, onde são mostradas pranchas originais (o museu possui cerca de 1500), exposições permanentes e temporárias (está a decorrer uma retrospectiva da obra de Roba, o autor de Boule e Bill) e ainda uma videoteca, a livraria Slumberland e o restaurante Victor Horta.

Os murais foram uma ideia de um grupo de autores de BD, que no início dos anos 90 decidiram pintar uma série de empenas e fachadas de edifícios em mau estado, a fim de chamar a atenção do público para o estado de degradação do património arquitectónico da cidade. Desde então, este movimento não parou de crescer e hoje existe já um percurso oficial da banda desenhada. No centro, na zona da Grand Place, é possível observar alguns destes murais, que reproduzem cenas conhecidas da BD belga: Lucky Luke, Rue de la Buanderie, Quick e Flupke, Rue Haute, Victor Sackville, Le Passage e Broussaille, Rue du Marché au Charbon, são alguns exemplos. Quanto às livrarias especializadas, o problema é escolher; há-as de todas as tendências e para todas as bolsas. Como diria o capitão Haddock, o companheiro de Tintim, «Com mil milhões de macacos!!!»

Informações:

Centro Belga da BD

Rue des Sables, 20 - Tel. 2191980

Percurso da Banda Desenhada

Mapa e informações no TIB

(Turismo de Bruxelas) - Tel. 5138940

Festival do Desenho Animado

Passage 44 - De 29/02 a 11/03 de 2000

Livrarias especializadas

La Bande des Six Nez, a maior e a mais reputada de Bruxelas.

BD's novas e em segunda mão. Chaussée de Wavre, 179 http://www.labandedessixnez.com

Brüsel, bd. Anspach, 100

Sans Titre, Av. de Stalingrad, 8

Ziggourat, Rue Dejoncker, 34

The Skull, Chaussée Waterloo, 336

ISABEL MARGARIDA DE SOUSA, Expresso, 11/12/1999


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