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terça-feira, 30 de julho de 2024

A campanha dos bonecos (1995)



Dr. Dupont: «Já disse, temos de chegar à moeda única». 

Eng. Dupont: «Eu diria mesmo mais: é à moeda única que temos de chegar.

Dr. Dupont: «E sem maioria absoluta não há estabilidade.

Eng. Dupont: «Eu diria mesmo mais: não há estabilidade sem maioria absoluta.

Dr. Dupont: «É preciso contenção nos aumentos dos salários.

Eng. Dupont: «Eu diria mesmo mais: não é possível aumentar os salários reais».

É um tema recorrente nesta campanha o de que não há qualquer diferença entre as propostas e discursos dos dois maiores partidos. Dizem-nos todas as outras forças políticas, que se queixam de estar a ser sistematicamente excluídas do debate nos meios de informação de grande audiência. Mas dizem-no também os representantes dos próprios PSD e PS, ao acusarem-se mutuamente de plágio de ideias. 

Quando foi divulgado o programa do PSD, Guterres disse logo que parágrafos inteiros tinham sido roubados a discursos proferidos por ele mesmo. Quando foi tornado público o programa do PS, Nogueira não hesitou em afirmar que a maioria das propostas nele contidas eram ideias do PSD, algumas das quais até já tinham sido postas em prática, ou estavam previstas para breve.

Estes pleitos em torno dos direitos de autor não são aliás, eles próprios, patente registada dos dois maiores partidos. Os pequenos digladiam-se também por causa de alegados roubos. Quando o líder do PSN anunciou na televisão que propunha a abolição do serviço militar obrigatório, apressou-se a acrescentar: «Isto é uma ideia original nossa. Agora só espero que nenhum outro partido se apodere dela».

Na confrangedora falta de ideias e propostas, os partidos agarram-se às poucas que têm como se fossem uma propriedade, esquecendo que, se a proposta é boa e justa, era de esperar que ficassem contentes por outras forças políticas também a adoptarem. 

Os polícias Dupont e Dupont, personagens do livros do Tintim, que a CDU transformou em Dr. Dupont e Eng. Dupont, são os símbolos perfeitos da falta de originalidade das forças políticas.

Já os bonecos de barro representando Soares e Cavaco não são símbolo de nada, excepto da decadência criativa do PSR. 

Cavaco: «Está a ver, está a ver, são socialistas como você. 

Soares: «Socialistas revolucionários. Vous ne comprennez rien. E eu nem sou socialista praticante».

O tema é o mesmo do dos polícias Dupont. Mas o PSR tem uma originalidade: os seus bonecos não têm piada. Nem um Guterres e um Nogueira conseguiram moldar a tempo para a campanha. O PSR passa todo o seu tempo de antena a culpar os eleitores por não terem eleito Louçã para deputado nas últimas eleições. A dizer que desta vez têm de corrigir o erro. Mas não se dão ao trabalho de avançar uma só razão para que se vote neles. Limitam-se a apresentar uma série de cartoons e sketchs que ninguém entende, na presunção de que já todos sabem que o PSR é o partido da inteligência e da criatividade. «Estes tipos do PSR dizem umas verdades mas são muito esquisitos», surge um actor a dizer. O PSR pensa que os eleitores não são esquisitos.

Paulo Moura, Público, 19/09/1995

JPMP


terça-feira, 23 de julho de 2024

Tintim em Lisboa


https://davidffpinto.wordpress.com

davidffpinto.deviantart.com

Tintin in Lisbon by davidffpinto on DeviantArt

Another Comic Book college exercise done... This time we had to imagine a cover for Lisbon-themed Tintin comic. There was no story and no limitatio... Tintin in Lisbon

https://pt.pinterest.com/pin/406520303845564093

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Tim-Tim repórter d’O Papagaio


Se a publicação de Tintin, a criação máxima de Hergé, ficou como o grande feito de O Papagaio, os seus leitores tiveram que esperar quase um ano, até ao nº 49, de 19 de Março de 1936, para o herói ser anunciado na revista, como seu repórter na “América do Norte, país civilizadíssimo, donde nos chegam as maiores invenções e belas afirmações de espírito artístico” mas que é também “infelizmente, um território onde o banditismo impera, no qual indivíduos da pior espécie e de todas as nacionalidades estabeleceram de há muito arraiais”. A Milu, seu companheiro de sempre, a revista trocava o nome e o sexo, anunciando-o(a) como “a cadelinha Pom-Pom” porque, explica José Azevedo e Menezes em “O Papagaio – Um estudo do que foi uma grande revista infantil portuguesa” (2ª edição, do autor, 2007), citando Dias de Deus: “n'O Papagaio já havia uma Milu, Maria de Lurdes Norberto, que recitava e cantava aos microfones das emissões infantis; Simões Müller entendeu que não ficaria bem dar o nome de uma menina conhecida a uma cadela”… Dois números depois, em novo anúncio, já na capa, o seu nome passava a Rom-Rom mas o sexo trocado manter-se-ia até ao fim da revista. Também o Capitão Haddock e o professor Tournesol foram rebaptizados, passando, respectivamente, a Capitão Rosa e Professor Pintadinho…

Finalmente, no nº 53, logo na capa, com cores vivas (e hoje exageradas) começavam as “Aventuras de Tim-Tim na América do Norte”, pela primeira vez em policromia em todo o mundo. Sinal de outros tempos, o respeito pelos originais de Hergé era pouco ou mesmo nenhum, sendo normal as pranchas serem retalhadas e remontadas, em função do espaço disponível ou a ocupar. 

Artur Correia, autor português de BD, ainda em actividade, numa entrevista publicada no Mundo de Aventuras 248 (5ª série, de 1978) lembra que n'O Papagaio “alargava juntamente com um talentoso moço chamado Soares, os desenhos das histórias do Tim-Tim para virem publicados na página central. Nós é que fazíamos os acrescentos para transformar uma página única numa dupla”...

Modificações que também se faziam sentir ao nível dos textos, a começar logo com “Tim-Tim na América”: na fase final da história, os operários ausentes da fábrica onde o herói sofre um atentado, em greve (proibida no nosso país) no original, tinham saído para almoço… 

Seguir-se-ia “Tim-Tim no Oriente” (Os Charutos do Faraó, publicado do #115 ao #161), no qual o vendedor de banha da cobra Oliveira de Figueira, o único figurante luso de relevo criado por Hergé, era apresentado como… espanhol! 

Depois, viriam as “Novas Aventuras de Tim-Tim” (“O Lótus Azul”, #166-#205) e a aventura africana do “repórter que nunca escreveu uma linha”, que o levou a pisar solo (colonial) português em “Tim-Tim em Angola” (“Tintin no Congo”, #209-#244). 

Já em “O Mistério da Orelha Quebrada” (#247-#298), o general Alcazar é rebaptizado de Manduca, para não ser associado ao episódio, então recente, do cerco do Alcazar de Toledo durante a Guerra Civil espanhola.

No episódio seguinte, “A Ilha Negra” (#301-#359), o adversário do herói deixou de ser o Dr. Müller (para não ser entendido como piada ao então já ex-director da revista), transformando-se num banal Dr. Silva, e em “Tim-Tim no deserto” (“O caranguejo das tenazes de ouro”, #366-#426), Haddock, que no original se sentia mal depois de beber um copo de água (por não ser de uísque) nas páginas de O Papagaio, sente-se mal mas melhora depois de beber a água!

A aventura seguinte (“A Estrela Misteriosa”, #435-#540) é publicada sem título e a presença de Tintin na revista portuguesa terminaria com “O Segredo da Licorne” (#617-#679).

Para além disso, Tintin surgiu em muitas capas de O Papagaio (cujas revistas correspondentes são hoje avidamente disputadas pelos coleccionadores), em desenhos originais ou feitos por autores portugueses, como boneco articulado de montar e mesmo noutras histórias, como é o caso da primeira aventura do “Boneco Rebelde”, de Sérgio Luiz [e Guy Manuel], em que contracena com o protagonista nas páginas iniciais, e como despoletador da acção em “Na pista de Tim-Tim”, de Diniz de Oliveira e Rodrigues Neves.

Pelo meio, ficaram também as tentativas goradas de Simões Müller de o levar consigo para o “Diabrete” (o que só conseguiu após o fim de O Papagaio), onde teve de se contentar com “Trovão e Relâmpago” (aliás “Quick et Flupke”), inicialmente publicados sem conhecimento de Hergé, e o facto de parte dos direitos de Tintin terem sido pagos em géneros, mais exactamente em latas de sardinhas, enviados para a Alemanha onde estava preso o irmão do desenhador belga.

Pedro Cleto (Texto publicado no dia 17 de Abril de 2010 na revista NS, distribuída ao sábado com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

https://outrasleiturasdopedro.blogspot.com/2010/04/tim-tim-reporter-do-papagaio_26.html#comment-form

Foi a 18 de Abril de 1935 que O Papagaio abriu pela primeira vez, se não as suas asas, pelo menos as suas páginas às mãos e olhos ávidos dos miúdos a quem a revista se destinava, como se lia por baixo do seu cabeçalho, ao lado do qual também estava o preço – elevado para a época - de 1$00. No interior desse número inaugural – como durante o resto da sua vida, onde nunca ocupou mais de um terço das páginas - a banda desenhada – então chamada histórias aos quadradinhos pois o francesismo só entraria em uso décadas depois – era pouca, limitada a uma prancha de Tom (Thomaz de Melo, um dos responsáveis pela capa e pelo grafismo atraente da novel publicação), intitulada “Sabichão em calças pardas”, e meia prancha de Stuart Carvalhais, com os seus Quim e Manecas. Nas suas páginas, a preto e branco, uma ou várias cores, a prioridade era dada a contos, curiosidades, passatempos e concursos, tudo com um forte pendor didáctico e formativo, algo perfeitamente normal na época.

Publicação católica, semanal, com saída às quintas-feiras, propriedade da Renascença, tinha como director um dos maiores nomes que o jornalismo infanto-juvenil português conheceu, Adolfo Simões Müller.

A revista viria a durar 722 números, com altos e baixos, como é incontornável, e dela ficou como principal imagem de marca ter servido de modelo a muitos dos títulos infanto-juvenis lançados nos anos seguintes e o ter publicado – como estreia fora da francofonia e pela primeira vez a cores em todo o mundo – as aventuras de um certo Tintin. Hergé, o seu autor, no entanto, seria um dos poucos autores estrangeiros publicados em O Papagaio, juntamente com Jacobsson, Urátegui, Gordillo, Walter Booth e poucos mais, uma vez que a aposta principal de Müller foi sempre para os autores nacionais, alguns dos quais começaram ainda adolescentes nas suas páginas. Foi o caso de José Ruy, hoje um veterano, especialista em temas históricos, e o autor português com mais álbuns editados, que lá publicou as suas primeiras histórias aos quadradinhos quando contava apenas 14 anos, curiosamente todas no domínio da ficção.

Outros nomes nacionais que desempenharam um papel significativo no sucesso de O Papagaio, para além do já citado Tom, foram José de Lemos (responsável por toda a parte gráfica, após a saída daquele), Arcindo Moreira, Meco ou Rodrigues Neves. Mas, afirmam João Paiva Boléo e Carlos Bandeiras Pinheiro em “A Banda Desenhada Portuguesa 1914-1945” (Fundação Calouste Gulbenkian, 1997), deve-se aos irmãos Sérgio Luiz e Guy Manuel, precocemente desaparecidos, “a mais imorredoira criação de O Papagaio”, o Boneco Rebelde, protagonista de quatro aventuras.

Como casos peculiares há que citar ainda José Viana, o actor e humorista, autor de diversas bandas desenhadas de crítica de costumes, e Júlio Resende, hoje pintor de renome, então animador das festas e das emissões radiofónicas e criador do “emblemático Fagundes Arrepiado” que, escrevem Boléo e Pinheiro, revelava “um humor subtil e desconcertante, inteligente e invulgar, com uma originalidade que lhe vem de uma ironia natural”, e que também engrossaram, com engenho e mérito, o número de colaboradores da publicação. Por ela passariam ainda, embora de forma breve, nomes depois consagrados da 9ª arte nacional como Artur Correia, Vítor Péon ou José Garcês.

Com o modelo consolidado, apoiado também em separatas com banda desenhada ou construções de armar, concursos variados, no incentivo à correspondência por parte dos leitores e num programa radiofónico que alcançou grande sucesso, Simões Müller sairia no número 302, para dirigir o novo “concorrente” Diabrete, sendo o cargo de director assumido sucessivamente por Artur Bivar, José Rosa Ferreira e Laurinda Borges Magalhães.

Se, consensualmente, os primeiros cinco anos foram os melhores, os últimos foram de natural declínio, provocado também pelo aparecimento de novas propostas de uma concorrência forte (Mosquito e Diabrete), tendo O Papagaio, enquanto publicação autónoma, calado a sua voz a 10 de Fevereiro de 1949, 14 anos mais tarde, no nº 722. Teria ainda uma segunda vida, como secção da revista Flama, durante 96 números, até 9 de Fevereiro de 1951, mas já sem grande relevância.

Pedro Cleto (Texto publicado no dia 17 de Abril de 2010 na revista NS, distribuída ao sábado com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

https://outrasleiturasdopedro.blogspot.com/2010/04/ha-75-anos-voava-o-papagaio.html


(#251; 1 Fevereiro 1940; Capa; Tim-Tim, Rom-Rom e Zigue e Zague, autor Sérgio Luiz)


(#237; 26 Outubro 1939; Banda Título; Tim-Tim e Rom-Rom; Guy Manuel)

(...) julgo que convinha sobretudo não repetir ou transmitir a falsa ideia (que se encontra noutros sítios) de que o Abel Varzim alguma vez teria frequentado ou conhecido o próprio Georges Remi, ou sequer se correspondia com ele. Claro que não foi esse o caso e isso está patente logo na primeira carta que lhe endereçou para se apresentar, um escasso mês apenas depois do começo da publicação d’O Papagaio, para explicar o que era a novel revista católica infantil e solicitar os direitos de reprodução da série, de preferência a preço reduzido, epístolas e detalhes que conhecemos graças à reprodução pelo holandês Jan Aarnout Boer em “De Avonturen van Kuifje in Portugal”.

Na realidade, Abel Varzim conheceu quando estudante em Louvain apenas a “obra”, ou seja as próprias histórias do Tintin, através da versão original no Petit Vingtième, de que era assinante (nem menciona os primeiros álbuns da Casterman, porque claramente não os conhecia). E jamais se encontrou com o desenhador nem se correspondia de todo com ele, mas graças àquele contacto por carta — chamemos-lhe profissional — tivemos o Tintin em primazia em Portugal e ainda por cima em quadricromia! 

Já agora, antes da estreia nacional da própria história [Tim-Tim na América do Norte, em 16/04/1936,] no nº 53, a primeira menção ocorreu n’O Papagaio num anúncio na separata do nº 49 e depois na capa do nº 51 da revista infantil O Papagaio, ligada à revista católica Renascença e não [...] à emissora Rádio Renascença que ainda nem sequer existia quando do aparecimento da publicação em 1935 - note que as emissões de rádio d’O Papagaio começaram por isso mesmo na Emissora Nacional. 


AVENTURS PUBLICADAS

Tim-Tim na América do Norte (Tim-Tim na América, #53-#110)
Tim-Tim no Oriente (Os Charutos do Faraó, #115-#161)
Novas Aventuras de Tim-Tim (O Lótus Azul, #166-#205)
Tim-Tim em Angola (Tintin no Congo, #209-#244)
O Mistério da Orelha Quebrada (#247-#298)
Tim-Tim Na Ilha Negra (A Ilha Negra, #301-#359)
Tim-Tim no deserto (O Caranguejo das Tenazes de Ouro, #366-#426)
A Estrela Misteriosa (#435-#540)

O Segredo da Licorne (O Segredo do Licorne, #617-#679)

Datas de Publicação:

Congo - O Papagaio (1939) #209 de 13 de Abril de 1939 ao #244 de 14 de Dezembro de 1939 (Tim-Tim em Angola)

America - O Papagaio (1936) #53 de 16 de Abril de 1936 ao #110 de 20 de Maio de 1937 (Tim-Tim na América do Norte)

Charutos - O Papagaio (1937) #115 de 24 de Junho de 1937 ao #161 de 12 de Maio de 1938

Lotus - O Papagaio (1938) #166 de 16 de Junho de 1938 ao #205 de 16 de Março de 1939

Orelha - O Papagaio (1940) «Tim-Tim e o mistério da orelha quebrada») #247 de 4 de Janeiro de 1940 ao #298 de 26 de Dezembro de 1940

Ilha - O Papagaio (1941) (Tim-Tim na ilha negra) #301 de 16 de Janeiro de 1941 ao #359 de 26 de Fevereiro de 1942

Caranguejo - O Papagaio (1942) «Tim-Tim no deserto») #366 de 16 de Abril de 1942 ao #426 de 10 de Junho de 1943

Estrela - O Papagaio (1943) #435 de 12 de Agosto de 1943 ao #540 de 16 de Agosto de 1945

Licorne - O Papagaio (1947) #617 de 6 de Fevereiro de 1947 ao #679 de 15 de Abril de 1948

Leitura recomendada:

+ O Papagaio - O Jornal da Rapaziada Endiabrada (5ª edição, 2022) de José Azevedo e Menezes

Índice: Introdução; Ficha técnica; Edições diferentes; Erros; Separatas; Clube; Festas; Emissões Radiofónicas; Diabruras; O Tim-Tim de O Papagaio; A introdução de Tim-Tim em Portugal; A Correspondência entre Hergé e O Papagaio; As nove histórias de Tim-Tim publicadas n'O Papagaio; “Pastiches”; As adaptações de O Papagaio; Quadradinhos alterados e desaparecidos; Milou e Rom-Rom; Secções; O que eu queria ser; Concursos; Colaboradores nacionais; Colaboradores estrangeiros; Colaboração dos leitores; Raridades; O Papagaio da Flama; Colaboradores de O Papagaio da Flama; Índice das histórias aos quadradinhos.

+ Edições comparativas MC (Tim-Tim na América do Norte, Tim-Tim em Angola)

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Alerta, rapaziada!

No número 392 da revista "O Papagaio", de 15 de outubro de 1942, era oferecido um Tim-Tim articulado idêntico ao da "Collection belles Histoires de Vaillance" de 1941.

‎«La collection "Belles histoires de Vaillance" sont des fascicules illustrés diffusés de 1940 jusqu'à 1942 avant d'être interdits par l'occupant. »



Imagens partilhadas no grupo de facebook da Association Alpart - Le groupe des amis suisses de Tintin

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Tintim, por António Mega Ferreira


Conheci Tintim quando ele acabava de celebrar o seu 25º aniversário, era eu um miúdo de cinco anos. Foi nas páginas do "Cavaleiro Andante" que me encontrei com Tim-Tim, repórter "português", como então se escrevia. E eis o que guardo desse primeiro encontro (creio que começaram por publicar o "Templo do Sol", que só li bastante mais tarde): a clareza das imagens ("falavam" por si), a imprevisibilidade do génio do repórter-menino, o visível estrépito de um muito "gauche" capitão Rosa (era assim que se chamava o glorioso Haddock) e até o toque disneylândico de um cãozinho falante, a que os muito edulcorados editores portugueses deram o nome de Rom-Rom... 

O verdadeiro "coup de foudre" aconteceu com a longa série de episódios (a publicação original no "Journal de Tintin" alongou-se por quase três anos) que compunham as duas aventuras em que Tintim se abalança a ir até à Lua, quinze anos antes de Scott e Armstrong lá chegarem. E ficará para sempre comigo a estranha, descomunal aposta que consta da primeira parte da história, cujo ícone incontornável (criado pelo desenhador Bob De Moor, que se juntou à equipa chefiada por Hergé) é o prodigioso foguetão aos quadrados brancos e vermelhos, bandeira da Croácia antes de a Croácia ser...

Com as pranchas de "Rumo à Lua" ("Tim-Tim na Lua", titulava o "Cavaleiro Andante") sob os olhos, revejo, uma a uma, as sequências que então fizeram o meu encantamento. Por exemplo, o quadro da garrafa de água mineral que encharca o capitão Haddock (há uma cena paralela a esta em "L'Oreille Cassée", quando o lama cospe para o desprevenido capitão); ou Haddock emergindo, envolto em neve carbónica, do incêndio que ele próprio provocara ao acender a corneta acústica de Tournesol (Pintadinho de Fresco na muito chauvinista versão do "Cavaleiro Andante", que, aliás, "nacionalizava" todas as personagens); ou o escafandro exageradamente grande de Milou; ou Tournesol a dormir, empoleirado nos fios eléctricos exteriores, após a explosão de um obus; ou a "dança" de Haddock dentro do escafandro, por causa dos ratos; ou a hilariante sequência em que Haddock e Tintim tentam trazer Tournesol à razão e a imagem extraordinária do foguetão erguendo-se no espaço, com a Terra ao fundo.

Aquela sequência, belíssima, de Tintim no exterior da base e o episódio cómico com os ursos atraídos pelo cheiro do mel continuam associados vagamente a um qualquer odor da minha infância, mas confesso que, não sendo Proust, não consigo desbobinar, a partir desta vaga reminiscência, qualquer discurso real ou imaginariamente autobiográfico...

Como quase de certeza não tinha letras suficientes para ler a história, é nestas imagens, no seu poder evocatório ou sugestivo, que se deve procurar a persistência da minha infinita ternura pelas personagens criadas por Hergé, figura à qual, uma vez conhecida a biografia, dificilmente se pode dedicar mais do que um aceno de agradecimento, sem simpatia. Porque Hergé foi um "compagnon de route" do fascismo belga e simpatizante da barbárie nazi, isso hoje ninguém põe em dúvida (mas não celebramos Céline e Ezra Pound?). "Assez sur l'homme."Há duas coisas que me parecem irresistíveis em Tintim: por um lado, a clara arquitectura gráfica e visual da história, o uso de cores firmes e legíveis, a bidimensionalidade aparente (já repararam que as figuras de Hergé não projectam sombra, a não ser em contraluz?); por outro, o registo humorístico em que tudo se passa, retirando à história aquele grau de verosimilhança que a BD mais tarde iria reivindicar. Mesmo ao tempo em que comecei a folhear o "Cavaleiro Andante", outras personagens erguiam-se como paradigmas sérios de aventuras vividas como vida. O hierático Príncipe Valente, o turbulento Johnny Hazard (mas muito haveria a dizer sobre o aliciante "empastelamento" das imagens em Milton Caniff), o futurista Flash Gordon eram demasiado reais para serem verdadeiramente eternos na memória. Tintim era uma aventura de crianças contada e vivida como aventura e era isso que contava, para quem não podia ver ainda para lá do que as imagens lhe ofereciam."Rumo à Lua" não tem, por assim dizer, enredo. Na sua volumosa biografia de Hergé ("Hergé", 1996), Pierre Assouline conta como, apesar da frutuosa colaboração que mantiveram logo a seguir à Segunda Guerra, o autor de Tintim e o grande Edgar P. Jacobs (Blake e Mortimer, evidentemente) divergiam em aspectos fundamentais de construção da história: "Mesmo que não o diga, Hergé não se adaptava ao classicismo e à rigidez do seu colaborador... Segundo ele, a obsessão decorativa do seu confrade exercia-se em detrimento do ritmo da narração, da respiração da narrativa. Jacobs, para quem o exotismo começava logo nos arredores de Bruxelas, continuava a sonhar com imagens densas, a conferir uma dimensão mitológica e dramatúrgica aos lugares mais banais do nosso ambiente quotidiano, a calcular o trajecto das personagens a partir de verdadeiros horários de autocarros e a projectar-se no universo de a Marca Amarela. Nos antípodas da visão do mundo de Hergé, mas que importa" (págs. 394-95). Em 1947, consuma-se a ruptura.

Duas visões do mundo, de facto. Para o que aqui me interessa, convém reter a de Hergé: infinitamente simples e clara, quase adolescente (quando não mesmo infantil), ligada para sempre à sua origem, a de um desenhador de "cartoons" para publicações católicas e de escuteiros. Essa visão "boy-scout", por muito perniciosa que possa parecer aos exegetas "psicanalistas" de Tintim, cola perfeitamente com a capacidade de deslumbramento da criança perante o mundo. Hergé contava às crianças aventuras onde a dor, o sofrimento e a morte estavam de todo ausentes. Os bons, como os maus, sobreviviam aos seus próprios infortúnios circunstanciais, para retomar mais adiante a narrativa de uma teia simples de golpes e contragolpes pelos quais se construía, quase sem história, a "estória" a contar. É curioso pensar que, de toda a sua obra, é o díptico lunar que provoca maiores reticências críticas (Assouline, cit., págs. 500-15). A aventura espacial de Tintim é para Hergé um imperativo tornado necessário por aquilo que ele julgava ser, no início da década de cinquenta, o declínio do "Journal de Tintin". Hergé entendia que as suas histórias deviam cada vez mais ligar-se aos acontecimentos que andavam na boca do mundo e, de facto, a partir de 1957, a conquista do espaço vai tornar-se um tema quotidiano. Para mim, quaisquer que sejam as considerações de ordem estética que o díptico inspire, é através de "Rumo à Lua" que se abre a via láctea da banda desenhada, vista então entre nós como "histórias aos quadradinhos", mas percebida por mim, nesses meados de cinquenta, como a verdadeira porta aberta para a fantasia, a imaginação e o humor. Para uma criança que apenas começava a conhecer as primeiras letras, Tintim foi a revelação da televisão - antes de a televisão existir.

António Mega Ferreira, Público, 18/01/1999

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UMA INFÂNCIA FELIZ E BEM POVOADA

Nunca meti o dente nos romances de Walter Scott, mas chorei com Coração de Edmundo de Amicis e delirei (ainda deliro, eh oui!) com todas e cada uma das aventuras de Tintin. Foi, portanto, uma infância feliz e bem povoada. As grandes solidões vieram depois, com L’Étranger de Camus e O Velho e o Mar de Hemingway. Mas isso são outras histórias de outras leituras.

(na lista de leituras recomendadas pelo entrevistado é indicado: Revista Cavaleiro Andante e Aventuras de Tintim, Hergé)

(...)

http://magnetesrvk.no-ip.org/casadaleitura/portalbeta/bo/portal.pl?pag=sol_lminf_detalhe&id=71

António Mega Ferreira (1949-2022) foi um escritor, tradutor, jornalista e gestor cultural português.

https://divulgandobd.blogspot.com/2016/10/palestra-sobre-bd-por-dr-antonio-mega.html


quarta-feira, 3 de julho de 2024

Quelque Chose

Les Aventures de Tintin - Objectif Quelque Chose 

Dois desenhos mais recentes de Hélder Dias.