Passaram 65 anos sobre aquele dia 5 de janeiro de 1952 em que o meu pai apareceu em casa com o n.º 1 de uma nova publicação para jovens: o Cavaleiro Andante. Apesar de eu ainda estar a começar a juntar as letras, ele comprou e encadernou as revistas seguintes, de que pude desfrutar mal aprendi a ler. E o entusiasmo foi tanto que passei boa parte da minha infância, e depois da adolescência, já na segunda metade da década de 50, em casa da vizinha do lado, no 27 da Travessa do Possolo, a folhear as coleções que ela fizera para a filha, bem mais velha do que eu, tanto de O Papagaio – revista para miúdos, encerrada em 1941 – como de O Senhor Doutor – um amigo que diverte, educa e instrui, que acabara em 1943 – e até de alguns exemplares avulsos de O Mosquito – o semanário da rapaziada, publicação que terminou em 1953: que belas tardes essas!
Para um miúdo preguiçoso como eu, devorar banda desenhada foi decisivo para o meu futuro. No Cavaleiro Andante, por exemplo, além de me iniciar nas obras de Hergé (Tim-Tim), Edgar P. Jacobs (Blake & Mortimer), Edgar Rice Burroughs (Tarzan, que o Estado Novo viria a proibir) ou Johnston McCulley (Zorro) – fiquei a conhecer mitos como Viriato, Baden Powell, Fausto Coppi ou o Rei Sol, li histórias como Beau Geste, Alice no País das Maravilhas ou A Tulipa Negra, e acompanhei epopeias como a conquista do Evereste ou a colonização dos EUA.
E tantos anos volvidos, sinto ainda que o Cavaleiro Andante faz parte da minha vida.
Adolfo Simões Muller: o visionário que fazia as publicações acontecerem
Foi na rádio oficial que conheci Adolfo Simões Muller, já não se publicava o Foguetão. Tive uma deceção, pois o amigo que respondia ao correio dos jovens leitores do Cavaleiro Andante era, afinal, um homem fechado e nada popular junto dos trabalhadores mais novos, que o ligavam ao salazarismo. Mas é imperioso fazer justiça ao seu espírito de iniciativa: entre 1935 e 1961, ele fundou e dirigiu, sem interrupção, quatro títulos históricos de banda desenhada: O Papagaio (quando tinha 26 anos!), Diabrete, Cavaleiro Andante e Foguetão. O grande visionário da literatura juvenil deixou-nos em 1989, quase aos 80 anos.
Alexandre Pais, Sábado, 19/01/2017