sábado, 29 de setembro de 2018

Jorge Fiel

19 dias a enganar meninos

Surdo como uma porta (apesar de ele dizer que não, que só ouve mal de um lado), o professor Tornesol é o meu personagem preferido das aventuras de Tintin. Também adoro o irascível capitão Haddock - a sua criatividade no insulto é uma moca! - e tenho um fraquinho pela dupla de polícias idiotas, Dupont e Dupond. E, como não podia deixar de ser, dedico um carinho especial ao nosso compatriota Oliveira de Figueira, vendedor de mão-cheia, capaz de impingir frigoríficos aos esquimós e aquecedores aos guineenses.

Não deixa de ser curioso que o mais insípido e insosso da luxuosa galeria de personagens desta série seja o que lhe dá nome - o próprio Tintin. A vida tem destas coisas.

Com três PhD (Física Nuclear, Cálculo e Astronomia), Tryphon Tornesol estreia-se em "O Tesouro de Rackham Le Rouge", construindo um protótipo de submarino individual, em forma de tubarão, que seria de grande utilidade a Tintin não só nesta aventura mas também na seguinte ("O Segredo do Licorne").

Impecável no seu sobretudo verde, com um chapéu da mesma cor a cobrir-lhe a careca, óculos redondos e barbicha, Tornesol é distraído como todos os cientistas, mas a surdez não assumida aumenta-lhe o alheamento da realidade e é mãe de saborosos e divertidos equívocos.

Hergé é genial a tirar partido do potencial cómico da surdez de Tornesol, o único dos seus personagens a manifestar sentimentos pelo belo sexo (mais uma razão para ser o meu preferido!) em "As Joias de Castafiore", em que revela a sua galanteria, ao inventar uma rosa em homenagem a Bianca Castafiore.

Para mim, "As Joias de Castafiore" é, de muito longe, a melhor de todas as 23 aventuras do Tintin. Ao longo das 62 páginas do álbum, Hergé captura a nossa atenção com uma intriga astutamente urdida, recheada de pistas falsas, enganos e mal-entendidos (o maior dos quais proporcionado pela surdez de Tornesol), até que chegamos à última página e percebemos que, afinal, não se passou nada, a esmeralda da Castafiore não foi roubada, mas antes levada para o ninho por uma pega - e tudo ficou na mesma, acabando como começou!

Durante 19 dias deste estranho mês de julho (meteorologicamente falando), esteve em cartaz, em centenas de páginas de jornais e de horas de rádio e televisão, uma crise política a que não liguei nenhuma - e ainda bem. Estou muito satisfeito por não me ter ralado com ela, pois poupei tempo (e tempo é dinheiro) e preocupações (e o stress faz mal ao coração).

Ao fim e ao cabo, a tal crise não passou de uma imitação reles da fina comédia de enganos com que Hergé nos brindou em "As Joias de Castafiore": na substância, não se passou nada. E tudo acabou como começou. Foi como mascar um chiclete. Um engana-meninos - ótimo para um livro de quadradinhos, mas péssimo para um país que balança à beira do abismo da falência. Mas enfim, eles lá sabem as linhas com que se cosem.

Jorge Fiel, JN, 25/07/2013

Morte aos tolos pessimistas

A fantástica galeria de personagens do Tintin ficou mais rica, em Charutos do Faraó, com a chegada de Oliveira da Figueira, bem disposto comerciante, sempre pronto a oferecer um cálice de Vinho do Porto para agilizar a conversão em cliente e amigo de um novo conhecido.

A facilidade em convencer os outros a comprar-lhe artigos de utilidade duvidosa é a principal característica deste português, a que Hergé recorreu em mais três aventuras (No País do Ouro Negro, Carvão no Porão e Joias da Castafiore).

Menino para vender ventoinhas as esquimós e aquecedores na Guiné, Oliveira da Figueira simboliza o desenrascanço e o espírito aventureiro que fazem parte do nosso código genético e se revelaram em todo o seu esplendor na empresa dos Descobrimentos e da expansão marítima, em que demos novos mundos a conhecer ao Mundo, enquanto fazíamos negócio com o ouro da Mina e a pimenta da Índia.

Este nosso jeito não desapareceu com o fim do Império e foi ele que, aliado à grande capacidade exportadora da indústria do Norte, poupou o país à bancarrota na dúzia de anos que mediou entre a perda das colónias e a admissão no clube que nos deu dinheiro fácil.

Após 25 anos em que a fonte que jorrava de Bruxelas disfarçou a incompetência da governação, assegurada à vez por PS e PSD, Portugal volta a balouçar à beira do abismo, por culpa de um modelo errado de desenvolvimento que apostou todas as fichas nos serviços e em Lisboa, criou uma abundante classe de corruptos e parasitas (Duarte Lima e Oliveira e Costa são apenas a ponte do iceberg) e negligenciou a agricultura e a indústria, produtoras de bens transacionáveis.

(...)

Jorge Fiel, JN, 20/05/2012

Viver dentro das Jóias de Castafiore

https://tintinemportugal.blogspot.com/2011/11/viver-dentro-das-joias-da-castafiore.html

https://bussola.blogs.sapo.pt/189463.html



sábado, 22 de setembro de 2018

Cavaleiro Andante

Passaram 65 anos sobre aquele dia 5 de janeiro de 1952 em que o meu pai apareceu em casa com o n.º 1 de uma nova publicação para jovens: o Cavaleiro Andante. Apesar de eu ainda estar a começar a juntar as letras, ele comprou e encadernou as revistas seguintes, de que pude desfrutar mal aprendi a ler. E o entusiasmo foi tanto que passei boa parte da minha infância, e depois da adolescência, já na segunda metade da década de 50, em casa da vizinha do lado, no 27 da Travessa do Possolo, a folhear as coleções que ela fizera para a filha, bem mais velha do que eu, tanto de O Papagaio – revista para miúdos, encerrada em 1941 – como de O Senhor Doutor – um amigo que diverte, educa e instrui, que acabara em 1943 – e até de alguns exemplares avulsos de O Mosquito – o semanário da rapaziada, publicação que terminou em 1953: que belas tardes essas!

Para um miúdo preguiçoso como eu, devorar banda desenhada foi decisivo para o meu futuro. No Cavaleiro Andante, por exemplo, além de me iniciar nas obras de Hergé (Tim-Tim), Edgar P. Jacobs (Blake & Mortimer), Edgar Rice Burroughs (Tarzan, que o Estado Novo viria a proibir) ou Johnston McCulley (Zorro) – fiquei a conhecer mitos como Viriato, Baden Powell, Fausto Coppi ou o Rei Sol, li histórias como Beau Geste, Alice no País das Maravilhas ou A Tulipa Negra, e acompanhei epopeias como a conquista do Evereste ou a colonização dos EUA.

E tantos anos volvidos, sinto ainda que o Cavaleiro Andante faz parte da minha vida.

Adolfo Simões Muller: o visionário que fazia as publicações acontecerem

Foi na rádio oficial que conheci Adolfo Simões Muller, já não se publicava o Foguetão. Tive uma deceção, pois o amigo que respondia ao correio dos jovens leitores do Cavaleiro Andante era, afinal, um homem fechado e nada popular junto dos trabalhadores mais novos, que o ligavam ao salazarismo. Mas é imperioso fazer justiça ao seu espírito de iniciativa: entre 1935 e 1961, ele fundou e dirigiu, sem interrupção, quatro títulos históricos de banda desenhada: O Papagaio (quando tinha 26 anos!), Diabrete, Cavaleiro Andante e Foguetão. O grande visionário da literatura juvenil deixou-nos em 1989, quase aos 80 anos.

Alexandre Pais,  Sábado, 19/01/2017


domingo, 9 de setembro de 2018

Missão em Lisboa

Lisboa na Banda Desenhada - Arco da Rua Augusta - Tintin em Lisboa-Autores: C.Moreno (des.), C. Moreno e G. Lino (arg.) - Centenário de Hergé (IV)

Capa do fanzine Tertúlia BDzine (nº 28- Dez. 99) com o episódio Missão em Lisboa, um 'pastiche' publicado como homenagem à série Hergiana, quando passavam setenta anos após a criação de Hergé em 1929


Os cenários lisboetas, estupendamente desenhados por C. Moreno, servem de base a um dos treze episódios (doze em banda desenhada e um em cartune) publicados no acima citado fanzine, editados para serem oferecidos aos participantes na Tertúlia BD de Lisboa.

Tintin e o Capitão Haddock ouviram dizer que, algures no Parque Mayer, existe um local onde, mensalmente, se reúne o maior número de autores-artistas da Banda Desenhada por metro quadrado, isto em Lisboa. Daí que tenham vindo propositadamente à capital portuguesa, e daí que os vejamos à entrada do dito Parque Mayer, onde participaram, embora fugazmente - com muita pena minha -, na Tertúlia BD de Lisboa. Como quer que seja, foi um momento virtual marcante.

https://arquivo.pt/wayback/20080215032238/http://geraldeslino.interdinamica.pt/artes/ger/x16yv74w.htm



Blog Divulgando em BD