"O 25 de Abril na BD", na Bedeteca de Lisboa
Quando Otelo foi um Lucky Luke
Patente até meados de Setembro na Bedeteca de Lisboa, "O 25 de abril na BD", exposição que depois de ter sido inaugurada nas antigas instalações da Manutenção Militar, em Coimbra, veio para Lisboa, onde foi um dos núcleos para a 2ª edição do Salão Lisboa de ilustração e BD.
Traçando o percurso, sobretudo gráfico, do que foi a BD nos tempos da revolução dos cravos, esta mostra foi co-organizada pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra - a partir do convite de Boaventura Sousa Santos - e pela Bedeteca de Lisboa, para coincidir com as comemorações dos 25 anos do 25 de Abril.
Reunindo, em oito núcleos distintos, os traços essenciais das BD's daquele período, é no entanto mais abrangente, incluindo os tempos de ditadura e mostrando trabalhos visados pela censura política. Essa componente documental contou com a consulta a parte do espólio do Centro de Documentação 25 de Abril, assim como o recurso a colecções privadas. E quer se trate de álbuns, revistas, jornais, ou panfletos sindicais, houve uma aposta na divulgação, Em paralelo - vertente inédita - dá a conhecer a visão de 18 autores nacionais, decorrido um quarto de século sobre a revolução - numa sala contígua à exposição principal, estão trabalhos de Filipe Abranches, Rui Lacas, Relvas, Pedro Massano, Luís Differ, entre outros
"Foi uma união de vontades que permitiu cimentar um projecto destes em tão pouco tempo", salienta João Miguel Lameiras, que juntamente com João Ramalho Santos e João Paiva Boléo, foi um dos comissários da exposição. A partir da recolha a que procederam, surgiram visões únicas, obras inclassificáveis.
Exemplo de como a BD pode ser sinal dos tempos é a adaptação que Carlos Barradas fez de "O Capital", a obra de Karl Marx. Era a BD ao serviço do povo, para o povo. Também Mao Zedong foi personagem de BD, exaltando as massas ao trabalho. Às necessidades reais de propaganda política juntavam-se famosas e, na altura, não menos polémicas apropriações, como as trucagens que o cartoonista Manuel Vieira fez para a "Flama" por volta de 1975, de heróis, entre outros, da revista "Tintin", e onde se vê Otelo disfarçado de Lucky Luke ou Rosa Coutinho de melena e com os traços de Tintin. Hergé e a editora Casterman, ao tomarem conhecimento, terão obrigado a revista a um pedido de desculpas.
Para João Paiva Boléo, a obra que porventura melhor retrata os tempos de mudança de regime é "O País dos Cagados" de Artur Correia. "É a mais completa, até pela forma como goza com Américo Tomás; como a censura é lembrada, a alegria da libertação. É ainda uma visão crítica, quando dá atenção aos jogos de força", afirma. Concluindo que "era o resultado de uma luta que começa em 64, e que dura mais de dez anos; de uma luta clandestina"
Nuno Franco / Público, 27/04/1999
O 25 de Abril na BD
LISBOA Bedeteca, de terça a sábado, das 9h às 19h