Na minha infância e adolescência alimentei-me de livros do Tintim em edições cartonadas, com lombada forrada a tecido, e muitos deles em francês, tendo talvez aperfeiçoado as minhas competências nesta língua com a leitura da famosa banda desenhada. Sempre me fascinou a figura de Tintim – com ar de miúdo por causa das calças curtas e do cãozinho, mas ao mesmo tempo repórter profissional em cenários de risco. Ainda hoje me lembro de ter tido um pesadelo por causa de umas páginas de Tintim – julgo que do álbum A Estrela Misteriosa – no qual uma aranha, tendo feito a teia na boca de um telescópio, sugeria a existência de um planeta com um enorme aracnídeo acoplado. Pois bem: tantos anos depois da morte de Hergé, o criador da figura, Tintim continua a render. Segundo leio, uma folha desenhada em tinta-da-china, em 1937, para servir de guardas a um ou mais álbuns, foi vendida por 2,5 milhões de euros num leilão em Maio passado, verdadeiro record no que toca a obras deste género. O anterior, de resto, já pertencia a Tintim – era a ilustração original da capa de Tintim na América e rendera 1,3 milhões.
Maria do Rosário Pedreira, Horas Extraordinárias, 23/07/2014
Ainda hoje me lembro de ter tido um pesadelo no dia em que comecei L’étoile mystèrieuse, um dos primeiros livros de Tintim que li na vida. A aranha que fizera a sua teia na ponta do telescópio e, gigantesca, parecia fazer parte do planeta observado, abraçando-o, assustou-me. Era miúda quando comecei a ler o Tintim e os livros eram em francês, de capa dura e do meu irmão mais velho (que ainda os tem). Na altura, não tinha idade para me aperceber da dimensão dessa fascinante personagem (um miúdo de calções seguido por uma cadelinha, mas afinal já repórter e a investigar matéria de peso, portanto não miúdo, mas afinal sem namorada ou mulher, o que era estranho, mas...) nem das implicações políticas das aventuras de que era protagonista. Muito mais tarde, depois de reler várias vezes os livros, encontrei um ensaio esclarecedor, ainda que às vezes demasiado imaginativo, sobre Tintim, escrito como tese de doutoramento em psicanálise por um francês chamado Serge Tisseron e intitulado muito justamente Tintim no Psicanalista. (A epígrafe desse livro [Tintim Sou Eu] é, de resto, o título deste post e foi, como todos sabem, dita por Hergé, o criador da personagem, numa entrevista.) Nesta tese, o nosso querido repórter do caracol afastado da testa é psicanalisado e, entre outras coisas, descobrimos que o Professor Tournesol desempenha o papel de sua mãe e o Capitão Haddock de seu pai e que, afinal, a infância de Hergé tem muito que ver com uma certa orfandade da sua personagem. Bastante original.
Maria do Rosário Pedreira, Horas Extraordinárias, 25/07/2011
(...) eu aprendi as minhas primeiras palavras em francês nos álbuns de capa dura que pertenciam ao meu irmão mais velho.
MRP
Sem comentários:
Enviar um comentário