Parece que Tintin, meu amigo de infância, vai ser julgado num tribunal belga por um alegado crime de "racismo" praticado em 1931 com a publicação das suas aventuras no Congo, narradas e desenhadas por um tal George Prosper Remi, a.k.a Hergè.
Acusa-o, apoiado pelas ruidosas tropas do politicamente correcto, um tal Bienvenu Mbutu Mondondo, nascido 40 anos depois de "Tintin no Congo" ser publicado, que acha a obra "atentatória da sua imagem" porque, nela, "os congoleses" (e não as personagens do livro) são apresentados como "preguiçosos" e "estúpidos".
Ora ele é congolês, portanto... Exige, por isso, que a venda do livro seja condicionada (a sua primeira exigência foi a proibição pura e simples, mas entretanto terá ouvido falar de "liberdade de expressão e concluído que talvez estivesse a ter mais olhos que barriga). A seguir virá algum grego "ofendido" pela imagem de Rastapopoulos, algum oficial da Marinha pela imagem de bêbedo do Capitão Haddock , alguma cantora lírica pela imagem da Castafiore, algum vendedor de seguros pela imagem de Séraphin Lampion, algum polícia pela imagem de Dupond e Dupont, algum "gangster" pela imagem dos "gangsters" em "Tintin na América"...
Seguir-se-á Astérix (há-de aparecer algum romano a sentir-se "ofendido") e, por um motivo ou por outro, toda a literatura e arte. Finalmente, como previu Heine, depois dos livros, chegará de novo o momento de se queimarem homens.
MANUEL ANTÓNIO PINA/JN, 19/04/2011
Publicado no anterior blog em 20/04/2011
https://www.bd2u.net/artigos/albuns/281-o-julgamento-de-tintin-no-congo.html
E X T R A
Tintin e os outros […] chegaram à minha vida na infância como o Cavaleiro Andante e, como na canção de Maria Bethânia, instalaram-se para sempre feitos posseiros dentro do meu coração. Com eles fui à Lua e viajei por todos os mares do mundo, subi aos Himalaias e desci aos negros porões da alma humana […] defendi os fracos e enfrentei opressores e ricaços sem escrúpulos […] convivi com guerrilheiros, com tiranos, com comerciantes, com sábios, com iluminados…
Se algo de essencial aprendi […] das minhas aventuras com Tintin foi o desprezo da infâmia e a “linha clara” da coragem e da justiça.»
Manuel António Pina, JN, 24/05/2007 [Crónica, Saudade da Literatura]
Anunciou a televisão estatal (na verdade, "a" televisão) norte-coreana que o líder supremo do Partido, do Estado e do Exército, "Kim Jong-un, tem um plano grandioso para fazer uma mudança considerável no campo de literatura e artes".
A primeira etapa de tal "plano grandioso" (na Coreia do Norte, os planos e ideias do supremo líder são sempre "grandiosos") foi um grandioso "show" realizado sexta-feira na capital do país, Pyongyang, em que, entusiasticamente aplaudidos de pé, actores dançaram para as cúpulas do regime, incluindo o próprio Kim Jong-un, vestidos de personagens da Disney: Mickey, Minnie, Winnie-the-Pooh, Branca de Neve, Dumbo, etc.. Alguém devia ter informado Kim Jong-un que Mickey é agente da CIA...
Alguns media ocidentais vibraram com tal sinal de "abertura", embora os EUA, pela voz do Tio Patinhas, tenham lamentado que os norte-coreanos não tivessem pago os direitos de autor.
"Abertura" seria um "show" em Pyongyang com as personagens, já não digo de Crumb, Shelton ou até de Al Capp, mas, ao menos, os de "L'affaire Tournesol", de Hergé, em que Tintin conhece um país, a Bordúria, que, mais estrela menos bigode na bandeira, é decerto familiar do povo norte-coreano: um partido único, um líder supremo com estátuas por todo o lado, uma tenebrosa polícia política, um Estado militarizado e uma sociedade infantilizada cantando hinos de louvor aos seus carcereiros.
Manuel António Pina, A Bordúria "abre-se" JN, 12/07/2012
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