terça-feira, 30 de julho de 2024

A campanha dos bonecos (1995)



Dr. Dupont: «Já disse, temos de chegar à moeda única». 

Eng. Dupont: «Eu diria mesmo mais: é à moeda única que temos de chegar.

Dr. Dupont: «E sem maioria absoluta não há estabilidade.

Eng. Dupont: «Eu diria mesmo mais: não há estabilidade sem maioria absoluta.

Dr. Dupont: «É preciso contenção nos aumentos dos salários.

Eng. Dupont: «Eu diria mesmo mais: não é possível aumentar os salários reais».

É um tema recorrente nesta campanha o de que não há qualquer diferença entre as propostas e discursos dos dois maiores partidos. Dizem-nos todas as outras forças políticas, que se queixam de estar a ser sistematicamente excluídas do debate nos meios de informação de grande audiência. Mas dizem-no também os representantes dos próprios PSD e PS, ao acusarem-se mutuamente de plágio de ideias. 

Quando foi divulgado o programa do PSD, Guterres disse logo que parágrafos inteiros tinham sido roubados a discursos proferidos por ele mesmo. Quando foi tornado público o programa do PS, Nogueira não hesitou em afirmar que a maioria das propostas nele contidas eram ideias do PSD, algumas das quais até já tinham sido postas em prática, ou estavam previstas para breve.

Estes pleitos em torno dos direitos de autor não são aliás, eles próprios, patente registada dos dois maiores partidos. Os pequenos digladiam-se também por causa de alegados roubos. Quando o líder do PSN anunciou na televisão que propunha a abolição do serviço militar obrigatório, apressou-se a acrescentar: «Isto é uma ideia original nossa. Agora só espero que nenhum outro partido se apodere dela».

Na confrangedora falta de ideias e propostas, os partidos agarram-se às poucas que têm como se fossem uma propriedade, esquecendo que, se a proposta é boa e justa, era de esperar que ficassem contentes por outras forças políticas também a adoptarem. 

Os polícias Dupont e Dupont, personagens do livros do Tintim, que a CDU transformou em Dr. Dupont e Eng. Dupont, são os símbolos perfeitos da falta de originalidade das forças políticas.

Já os bonecos de barro representando Soares e Cavaco não são símbolo de nada, excepto da decadência criativa do PSR. 

Cavaco: «Está a ver, está a ver, são socialistas como você. 

Soares: «Socialistas revolucionários. Vous ne comprennez rien. E eu nem sou socialista praticante».

O tema é o mesmo do dos polícias Dupont. Mas o PSR tem uma originalidade: os seus bonecos não têm piada. Nem um Guterres e um Nogueira conseguiram moldar a tempo para a campanha. O PSR passa todo o seu tempo de antena a culpar os eleitores por não terem eleito Louçã para deputado nas últimas eleições. A dizer que desta vez têm de corrigir o erro. Mas não se dão ao trabalho de avançar uma só razão para que se vote neles. Limitam-se a apresentar uma série de cartoons e sketchs que ninguém entende, na presunção de que já todos sabem que o PSR é o partido da inteligência e da criatividade. «Estes tipos do PSR dizem umas verdades mas são muito esquisitos», surge um actor a dizer. O PSR pensa que os eleitores não são esquisitos.

Paulo Moura, Público, 19/09/1995

JPMP


Sem comentários:

Enviar um comentário