segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Tintin nasceu há 96 anos


Tintin e Hergé nomes grandes da BD europeia

Completaram-se, sessenta anos [1929-1989] após ter surgido, pela primeira vez na Europa, um dos heróis mais populares de sempre: Tintin.

O seu autor tornou-se tão famoso como o personagem, mas apenas através de um pseudónimo: Hergé.

A Banda Desenhada vive muito dos seus heróis, figuras que têm ajudado a preencher os sonhos e o imaginário de gerações de apaixonados leitores / visionadores. Tintin é um desses heróis, símbolo de generosidade, coragem e abnegação. O seu criador, Hergé, enriqueceu-lhe a personalidade de forma inteligente e subtil: colocou a seu lado, como amigos, personagens carismáticos cheios de tiques - geralmente humorísticos - e defeitos, que fazem ressaltar, simplesmente por contraste que lhe é favorável, as suas qualidades. Sem dúvida que o Capitão Haddock, o Professor Tournesol, os Detectives Dupond e Dupont são complementos de Tintin; eles fazem-nos rir, com simpatia, das suas fraquezas, dos movimentos desastrados que lhes trazem constantes inconvenientes, das suas quedas, das complicações que engendram. Sem eles, Tintin não teria o indispensável contraponto, o contraste valorizador; sem eles, enfim, é de crer que não tivesse atingido tão grande popularidade. A partir de uma determinada fase, Tintin já não existia como personagem único: ele era, afinal, o somatório das personalidades dos seus comparsas.

O criador de Tintin, Georges Prosper Remi nascera a 22 de Maio de 1907, em Etterbeek (Bruxelas); tinha portanto vinte e um anos quando Tintin dava os seus primeiros passos e sabe-se que a assinatura que se apresentava nesse episódio inicial já era a de Hergé, pseudónimo formado [pela] inversão das iniciais G e R do seu verdadeiro nome (érre, gê).

Antes disso, porém, apenas com dezasseis anos, Hergé havia começado a sua carreira artística na revista Le Boy-Scout. Aqui se encontram as suas primeiras histórias em imagens, cujos protagonistas são escuteiros, tal como o artista fora na sua infância. No inicio, as pranchas não eram assinadas; .apenas em Fevereiro de 1923 é possível encontrar o nome de Georges Remi. Mais tarde, em Dezembro de 1924, surge finalmente a assinatura Hergé que, de então em diante, passaria a identificá-lo.

Depois de terminados os seus estudos, em 1925, Remi começou de imediato a trabalhar no jornal diário "Le XXème Siècle" mas... no serviço de assinaturas! É, portanto, já no ambiente dos jornais que ele irá criar o seu primeiro herói fixo, um escuteiro de nome Totor. E, com o personagem, também a respectiva série "Totor, C.P. des Hannetons", um conjunto de episódios que se prolongarão até Julho de 1930. Registe-se que alguns deles foram publicados na revista portuguesa Tintin, sob o titulo Extraordinárias Aventuras de Totor, C.P. dos "besouros" (inicio no n.º 51 -14.° Ano - 01/05/1982).

Tintin, nasceu depois de Totor, e ambos têm semelhanças inegáveis. Totor terá sido, portanto, o modelo de Tintin; mas o verdadeiro modelo poderá encontrar-se em Paul Remi, irmão de Hergé, cinco anos mais novo. O primeiro episódio do personagem será Tintin no Pais dos Sovietes (Les Aventures de Tintin, Reporter au Pays des Soviets), publicado entre 10 de Janeiro de 1929 e 8 de Maio do mesmo ano, no Petit Vingtième (suplemento semanal, para a juventude, do diário católico "Le Vingtième Siècle"), e constituiu um sucesso; de tal maneira que, no ano seguinte, irá ser publicado em França, no semanário católico "Coeurs Vaillants". Em Portugal tal só viria a acontecer em 1982, na revista Tintin (n.° 12 - 15.° Ano - 31/07/1982), tendo a obra ficado incompleta, devido ao facto de aquela revista ter deixado de publicar-se.

É conhecido o facto de Hergé se ter decidido a prolongar as aventuras Tintin, por se ter dado conta da indiscutível popularidade ganha pelo personagem. Pode dizer-se que os quatro primeiros episódios que criou - Tintin no Pais dos Sovietes, Tintin no Congo (Tintin au Congo), Tintin na América (Tintin en Amérique), Os Charutos do Faraó (Les Cigares du Pharaon) - , não tinham uma verdadeira sequência, eram antes um conjunto de "gags". Isso seria consequência de Hergé conceber as suas histórias em função da publicação num jornal, e não para ser editado, logo à partida, em álbuns. Criar "suspense" diariamente era a preocupação primordial do autor, mesmo com prejuízo da fluidez da narrativa.

Apenas no sexto episódio das "Aventuras de Tintin", A Orelha Quebrada (L'Oreille Cassée), há uma modificação importante: passa a existir um "leit-motif" que percorre toda a obra, um objecto, a estatueta com a dita orelha quebrada, perseguida incessantemente pelos vários protagonistas.

Aliás, é também curioso observar-se a preocupação de Hergé em mudar constantemente o cenário das aventuras de Tintin. Vejamos alguns exemplos: Iniciando-se na U.R.S.S., passara a seguir para África, dai para os Estados Unidos, logo dera o salto para o Oriente - Os Charutos do Faraó, no Egipto, e O Lótus Azul (Le Lotus Bleu), na China -; em A Orelha Quebrada viajara para a América do Sul; seria a Escócia o local da acção de A Ilha Negra (L'Ile Noire); e a Syldavia (pais imaginário, situado algures nos Balcãs) localizar-se-ia o ambiente de O Ceptro de Ottokar (Le Sceptre d'Ottokar).

Outro aspecto interessante, para quem se debruce sobre a obra de Hergé, é detectar o momento em que surgem, pela primeira vez, os personagens de mais alto gabarito. É o caso dos inefáveis detectives Dupond e Dupont que, após uma primeira aparição (anónima) logo na primeira vinheta da edição a cores de Tintin no Congo, surgem em Os Charutos do Faraó, em álbum inicialmente impresso a preto e branco, em 1934 apresentados como X33 e X33 bis. E já que falamos dos dois impagáveis comparsas que, à parte uma pequena diferença nos bigodes, são rigorosamente iguais talvez mais do que se fossem gémeos, conclui-se que, afinal, nem sequer são familiares, pois os apelidos são diferentes!

É ainda neste episódio que se estreia um compatriota nosso, o Senhor Oliveira da Figueira, de Lisboa, tipo de vendedor de banha da cobra, "o branco-que-vende-tudo", capaz de impingir a Tintin desde um regador a um papagaio!

Em O Ceptro de Ottokar, surge uma figura muito conhecida: Bianca Castafiore. Ali começa a tortura de Tintin, ao ser forçado a ouvi-la cantar a sua eterna Ária das Jóias, de "Fausto". Ela é também, como personagem importante, a primeira protagonista feminina da obra.

Haddock, o velho marinheiro, bebedor incorrigível, tonitruante, passou a ser, logo que apareceu em O Caranguejo das Tenazes de Ouro (Le Crabe aux Pince d'Or), um dos mais interessantes personagens da série. O Capitão Haddock, inicialmente uma figura lamentável, totalmente dominada pelo álcool, ira ter, a partir do episódio A Estrela Misteriosa (L'Etoile Mystérieuse), um lugar muito importante na galeria Hergiana.

Tryphon Tournesol, o professor distraído e surdo, inicia a sua participação em O Tesouro de Rackam o Vermelho (Le Trésor de Rackam Le Rouge). É mais uma fonte originadora de cenas hilariantes que Hergé introduz na série. Para além do personagem, um outro elemento importante aparece no mesmo episódio: Moulinsart, a aristocrática moradia da família Haddock, baseado no verídico Castelo de Cheverny.

Hergé, a certa altura, parece ter prazer em juntar algumas destas personagens num só episódio. É o que acontece em Carvão no Porão (Coke en Stock), onde participam Rastapopoulos, Séraphin Lampion, Madame Bianca Castafiore e o senhor Oliveira da Figueira, figuras marcantes de peripécias anteriores.

"Tintin (e todos os outros) sou eu, tal como Flaubert dizia: "Madame Bovary sou eu!". São os meus olhos, os meus sentidos, os meus pulmões, as minhas tripas!... Creio que sou o único a poder animá-lo no sentido de lhe dar uma alma."

Assim falou Hergé. Mas, no que se refere a Tintin, raras são as vezes em que transparecem as suas emoções: talvez naquela cena em que, pela única vez na sua "vida", no episódio Tintin no Tibete (Tintin au Tibet, 4ª prancha), chora ao ter conhecimento do desaparecimento do seu amigo Tchang. Raras são nele, igualmente, as fraquezas humanas, mesmo as mais simples. Beber, por exemplo: somente nos é possível observá-lo, uma vez, de copo de cerveja na mão, em A Ilha Negra.

Quanto a aspectos prosaicos, como seja, ter uma profissão, sabe-se que é repórter, quase só porque assim nos é dito, pois apenas uma vez o vemos a escrever (ou melhor: a tentar escrever) um artigo, logo no episódio inaugural, No Pais dos Sovietes. E também fazendo fé nas suas palavras, quando, em A Ilha Negra, ele próprio se apresenta: "Aqui, o repórter Tintin". Ou Tim-Tim, como foi baptizado em português, na sua estreia entre nós, onde nos é apresentado da seguinte forma:

"O Papagaio", que é, como vocês sabem, a maior revista portuguesa, resolveu enviar a Chicago um dos seus mais hábeis repórteres, O célebre Tim-Tim."

Esta introdução aparecia, em legenda, sob três vinhetas coloridas que compunham a primeira página da revista O Papagaio n.° 53, de 16 de Abril de 1936. Era assim que, há quase cinquenta e três anos [1936-1989], os jovens bedéfilos portugueses tomavam contacto, naquela popular "revista para miúdos", com dois nomes grandes da BD europeia: Tintin, fabuloso herói de papel, sempre vivo nas páginas dos livros de Banda Desenhada, e Hergé, seu talentoso criador, que viria a falecer a 3 de Março de 1983.

Geraldes Lino, Selecções de BD nº 13 (Maio 1989)

Tintin nasceu há 60 anos, Geraldes Lino, Selecções BD n. 13 (1ª série) - 1989

https://arquivo.pt/wayback/20080212122134/http://bdlusa.cidadevirtual.pt/6tintin.htm

https://arquivo.pt/wayback/20020616224145/http://www.terravista.pt/Bilene/1280/tintin-2.htm

Entrada sobre Hergé no blog Divulgando BD (2007)

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