Começa hoje o "Ano Tintin" 20 anos após morte de Hergé. Multiplicam-se os estudos sobre o alcance universal da obra de um dos mais famosos desenhadores de todos os tempos. Steven Spielberg deverá adaptar brevemente ao cinema aventuras do repórter.
Nunca escreveu uma linha que fosse, mas é o jornalista mais famoso do planeta. Tintin, imortal criação do desenhador belga Hergé, vê hoje passarem 20 anos sobre o desaparecimento do seu pai criador. "Tintin sou eu. Creio que sou o único a poder animá-lo, no sentido de lhe dar uma alma. Se outros retomassem Tintin, podiam fazê-lo melhor ou pior. Mas fá-lo-iam de outra forma e já não seria Tintin!", declarou Hergé pouco antes da morte.
O falecimento de Hergé, assinalado hoje, dá justamente início às comemorações do "Ano Tintin", com os festejos a estenderem-se até Janeiro de 2004, quando o herói sem idade festejar as bodas de diamante.
Mas como manter viva essa popularidade, 27 após a publicação da última aventura, 17 após a edição, sob forma de esquisso e argumento (incompleto) de "Tintin et L'Alph'Art", o álbum em que Hergé trabalhava à data da sua morte?
A resposta tem sido dada de diversas formas. Por um lado, têm-se multiplicado os estudos, as biografias e as análises ao autor e à obra. As mais marcantes são, sem dúvida, "Le monde d' Hergé", de Benoit Peeters, e "Chronologie d'une oeuvre", de Philippe Goddin. A próxima, anunciada para 17 de Março, é "Tchang! Comment l'amitié deplace les montagnes", sobre a vida de Tchang Tchong-Jen, estudante chinês que o desenhador conheceu nos anos 30 e que lhe despertaria a necessidade de realismo que a sua obra contém, cujoapogeu é conseguido em "Tintin no Tibete".
Mas com o foco mediático a levantar-se novamente sobre Hergé, voltam a circular rumores de uma "novidade": a versão a cores de "Tintin no país dos sovietes", uma versão animada de "Tintin e o lago dos tubarões", ou mesmo uma versão finalizada de "Tintin etl'Alph Art". Acontecimento maior será, indubitavelmente, a concretização de uma nova versão em cinema (Tintin já foi retratado em carne e osso, nos anos 60, por Jean-Pierre Talbot), dirigida por Steven Spielberg . O autor de "ET" comprou os direitos para realizar três filmes livremente baseados nas aventuras do jovem repórter. A onfirmação surgirá num futuro breve.
Cronologia
Hergé confunde-se com Tintin. A sua mais genial criação é um dos símbolos gráficos do século XX. Os seus álbuns estão traduzidos em 50 línguas.
1907
Nasce Georges Remi. Ficará mundialmente conhecido pelo apelido Hergé.
1929
Publica a primeira prancha de "As aventuras de Tintin no país dos sovietes".
1940
A ocupação da Bélgica pelos nazis obriga-o a aprofundar o seu universo. Conhece Edgar P. Jacobs, autor de "Blake e Mortimer".
1946
Nasce a revista "Tintin"
1950
Criação dos Estúdios Hergé. Desenvolve, em três anos, a aventura lunar de Tintin.
1976
Publica "Tintin e os pícaros", última aventura do herói.
1983
Hergé morre de leucemia.
O que havia no seu lápis para lá de Tintin
O desenhador belga mais celebrado de sempre não criou só Tintin. Na bibliografia de Hergé existem outras séries de vida efémera, mas com carácter valioso. A mais conhecida é "Les exploits de Quick e Flupke" ("Aventuras e desventuras de Quim e Filipe" na edição portuguesa da Verbo, 12 miniálbuns de 32 páginas), que narram as diabruras de dois miúdos belgas, "levados da breca" para inventarem sarilhos e confusões, à conta das partidas que gostam de pregar.
Nascidos em Janeiro de 1930, um ano depois de Tintin, duraram quase 11 anos e revelam um Hergé mais espontâneo, irónico e quase desrespeitoso, que "através destes gags de uma ou duas páginas, viveu, enfim, a infância endiabrada que nunca chegou a conhecer", disse Benoit Peeters.
Em 1936, Hergé cria "Les Aventures de Jo, Zette et Jocko" ("As aventuras de Joana, João e do Macaco Simão", edição Verbo), por encomenda do jornal francês "Coeurs Vaillants" que lhe propôs mais ou menos isto: "Sabe, o seu Tintin não está mal, gostamos muito dele. Mas é assim: ele não trabalha, não vai à escola, não tem pais, não come, não dorme... Não é muito lógico. Não pode criar uma personagem cujo pai trabalhe, que tenha uma mãe, um animal de estimação?" Nesta série, apesar da boa vontade, Hergé nunca se terá sentido muito à vontade, devido à multiplicidade de imposições e à artificialidade do conjunto.
Da bibliografia de Hergé constam ainda duas outras obras: "Totor, C.P. des Hannetons" (1926), um ingénuo precursor de Tintin, e "Popol et Virginie chez les Lapinos" (1934), um western animalista, mais curioso do que interessante.
Pedro Cleto, Jornal de Notícias, 03/03/2003
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