terça-feira, 21 de maio de 2024

Hergé colaboracionista?

Em finais de 1944, após a libertação da Bélgica, Hergé foi preso, sob a acusação de colaboracionista, pelo Mouvement National Belge e também pela Front de l'Indépendence. Mas nada se tendo provado, foi sempre posto em liberdade pouco tempo depois.

Apesar disso. há quem mantenha a suspeita de que Hergé tenha sido, a certa altura da ocupação alemã, influenciado por algumas personalidades com quem contactou, designadamente Léon Degrelle, que lhe fez a proposta de ele passar a ser o desenhador do movimento rexista, uma organização fascista financiada por Mussolini, o que Hergé recusou formalmente.

Ainda a propósito da posição ideológica de Hergé (que, partindo de uma atitude inicial conservadora, racista e reaccionária, foi evoluindo ao longo da vida e da obra até olhar o mundo de um ângulo mais independente e humanista), será interessante registar um pequeno excerto de um texto escrito por José Augusto França no jornal Diário de Lisboa, em 24 de Março de 1983, referindo-se ao autor belga que falecera há três semanas:


"(…) Um velho amigo a quem sempre estive anonimamente agradecido pelos pequenos prazeres que me deu com as aventuras do Tintin por esse mundo fora, em prol dos justos e para castigo dos maus – que tinham sempre certa duvidosa cor vermelha, desde a primeira das histórias, passada no «país dos sovietes», em 1929…

A ideologia era com o autor, e a verdade é que o Balzac também era reaccionário e não deixa, por isso, de ser quem é (…)".

José Augusto França também poderia ter falado do anti-americanismo de Hergé, muito em voga na época, latente em Tintin na América.

E sobre a sua evolução política, será justo recordar a figura de um tal Mussler que aparece n'O Ceptro de Ottokar (1938). Na vida real, a Áustria tinha sido anexada pela Alemanha. Em paralelo, no reino imaginário da Sildávia, o rei está ameaçado pelo ditador militar que domina a Bordúria, cujos soldados vestem à maneira nazi. E na própria Sildávia há um conspirador, o tal Mussler (mistura de "Muss", como Mussolini, e "ler", última sílaba de Hitler) que trabalha em prol do ditador. Bastante sintomático da posição ideológica que já começava a caracterizar Hergé. Mas voltando à acusação que sobre ele ainda hoje pende de colaboracionismo, e a favor da tese da sua inocência, é de realçar a consideração demonstrada por Hergé pelo membro da Resistência, Raymond Leblanc, ao convidá-lo para colaborar na tal nova revista Tintin.

As atitudes fundamentalistas tomadas por algumas forças políticas, após a libertação da Bélgica foram ao ponto, como já disse anteriormente, de interditar o exercício da profissão a todos os jornalistas que tivessem participado na redacção de qualquer jornal durante a ocupação.

E repetindo o argumento que já defendi noutro texto: segundo tal premissa, isso poderá significar que toda a gente que escrevia, ou desenhava, ou fotografava nos jornais, para se sustentar, estava nas mesmas circunstâncias.

Mas assim como os jornalistas, também médicos, professores, arquitectos, autores de banda desenhada – caso de Hergé, o mais conhecido autor belga – operários e agricultores, tinham continuado a lutar pela subsistência.

E poder-se-á acusar todos os belgas, – excepto os que tinham "corajosa e patrioticamente" emigrado – de terem sido colaboracionistas?

Todos nós, portugueses, que continuámos a viver neste país durante a ditadura salazarista, fomos coniventes com o fascismo?

Geraldes Lino, Divulgando BD, 27/09/2007

https://nonas-nonas.blogspot.com/2007/03/degrelle-tintin-e-herg.html



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