O Major Alverca nasceu como página de BD no caderno Vida 3 d'O Independente, salvo erro em 1990. Juntos, o Manuel João [Ramos] e eu fomos desenvolvendo a personagem, que começou com BD sobre a Guerra do Golfo para se tornar cronista de corpo inteiro. O nome advém de uma banda desenhada da nossa infância, as aventuras do Major Alvega, perdão, o piloto luso-britânico da RAF Jaime Eduardo de Cook e Alvega, como 'Battler Britton' teve de ser renomeado para amaciar a Censura, que não apreciava cá estrangeirices. Houvesse ainda hoje Censura e nasceriam mais bebés portugueses.
Em cada crónica, ou conto, ou poema vicentino, ou o raio que o parta, o Major Alverca resolvia um problema do mundo ou contava como tinha resolvido um problema do mundo, ou mesmo do universo.
Como o Major Alverca era um idiota pomposo, quem na verdade fazia tudo era o seu fiel assistente Ângelo, curiosamente muito parecido com o Tintin disfarçado de sobrinho português do senhor Oliveira da Figueira em 'Carvão no Porão'. De certeza, só uma feliz coincidência.
O Major Alverca é um poltrão, um fura-vidas, um trapalhão de todo o tamanho, um odre insuflado, um lunático imbecil, um totó, um desmiolado, um ignaro, um insensato, um Dâmaso Salcede, um telecomentador antes de Deus ter inventado os telecomentadores, um idiota chapado, um asno, um mentecapto.
Em suma, um Bom Portuguez, com olhos no futuro e cérebro no passado. Garboso no gesto, leal na virtualidade, incapaz de formular um pensamento consequente, mas tudo em nome da instauração do V Império e com isso perdoa-se-lhe tudo.
Além disso escrevia belas crónicas das suas aventuras megalómanas e megalácticas. Uma espécie de Guidinha do Sttau Monteiro, só que com melhor pontuação.
Fiquei sempre com a ideia de que o Manuel João achava que o Major Alverca era eu e o Ângelo era ele, até porque além de co-autorar os textos ainda tinha de desenhar.
Aos jovens que perguntam como falar com editoras, digo sempre para enviarem tipo armada, em todas as direcções, até que alguém responda. Feitos primeiros cartoons, enviámo-los como amostra médica para os três semanários que na nossa opinião pudessem ter algum interesse. Do Expresso nem responderam, do Jornal (o antepassado da Visão, que ironicamente repegou o nome de uma grande e ambiciosa revista de banda desenhada dos nossos anos 70 pós-25 de Abril) disseram que achavam «alguma graça» mas só podiam pagar cinco tostões. Do Independente ligaram entusiasmados a dizer que fôssemos lá, disseram que «a-do-ra-ram» e ofereceram uma quantia que ainda hoje não posso dizer, porque era várias vezes superiores à dos outros colaboradores todos. Juntos.
De fora deste livro de 2003 ficou o álbum, ainda por publicar, da BD de 32 páginas. Uma editora ainda estava disposta a fazê-lo, mas só se abdicássemos dos direitos, até porque (cito de cor, foi há trinta anos) «as chapas do Astérix vêm já feitas de França, basta mudar os diálogos nos balões, e com o Astérix as vendas estão garantidas».
Continua a ser verdade. Um excelente produto vindo de fora (até Goscinny morrer, os livros do Astérix eram geniais) continua a ser mais barato de produzir e tem logo lucro assegurado. Mas então depois não façam o número do defender a Pátria & a Cultura & Etc. & Tal, ó meus majores!
Rui Zink, Facebook, 04/05/2024
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