sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A propósito de Oliveira da Figueira


O vice-primeiro-ministro Paulo Portas comparou-se recentemente ao personagem das aventuras de Tintin, Oliveira da Figueira, como aquele homem, simpático, capaz de vender seja o que for, mesmo as maiores inutilidades. Portas achou piada à imagem e não hesitou em apresentar-se publicamente como um exemplo do moderno Oliveira da Figueira. Acontece que o líder do CDS fez uma leitura redutora da importância da personagem portuguesa inventada por Hergé.
O vice-primeiro-ministro não pode “vender” Portugal de uma forma básica. Falta-lhe cultura para perceber o que realmente representou Oliveira da Figueira nas aventuras de Tintin e, em última análise, na vida pessoal do próprio Hergé. Se soubesse, Portas poderia ir muito mais longe. Portugal poderia ir muito mais longe.
É essa pequenez de espírito que nos reduz e faz ser cada vez mais pobres. Vamos então tentar educar os nossos atuais governantes. É que a frase é mesmo esta: educar. E a melhor forma de o fazer é mostrar factos que eles parecem ignorar, mas estão lá para quem os quiser e souber ler.
Oliveira da Figueira surgiu pela primeira vez nas aventuras de TintinOs Cigarros do Faraó”. É uma obra editada originalmente entre 8 de Dezembro de 1932 e 8 de Fevereiro de 1934. Se formos a ver, o português mais famoso nessa altura era o ditador que, em 1933, criou o Estado Novo: António de Oliveira Salazar. Chamar a um português “Oliveira da Figueira” era então um jogo de palavras com o nome de duas árvores – uma indicação também de um judeu convertido a novo-cristão – e o nome do ditador.
Aliás, anos mais tarde, quando Hergé cria a figura do ditador sul-americano Alcazar, tal soa também ao nome do ditador Salazar. Não sei ainda se Paulo Portas sabe que Portugal foi o primeiro país do mundo a traduzir para outra língua as aventuras de Tintin. Adolfo Simões Muller, que tem um busto no Jardim das Amoreiras, foi o responsável pela introdução das aventuras de Tintin em Portugal. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando o irmão de Hergé esteve preso num campo de prisioneiros, o autor de Tintin foi pago por Simões Muller com o envio de latas de sardinha para o irmão. Um segundo detalhe sobre a importância de Oliveira da Figueira e que Paulo Portas, caso tenha a coleção completa de Tintin lá em casa, pode confirmar. Na aventura “Tintin no País do Ouro Negro”, obra publicada originalmente entre 1939 e 1940, o personagem Oliveira da Figueira volta a surgir. Só que, desta vez, tem um protagonismo que vai muito mais além do simples vendedor de banha da cobra, com o qual Portas se quer hoje comparar. Nessa aventura, Tintin tem de se infiltrar na casa do Dr. Muller – mais um nome com ligação a Portugal, pois era o do editor português. Então, o repórter assume uma falsa identidade e muda o seu nome. Passa a ser um sobrinho órfão de Oliveira da Figueira, que chegou de Lisboa. E Tintin chama-se Álvaro, um nome português – será que Hergé já tinha ouvido falar de Álvaro Cunhal? Pois bem, graças à cumplicidade do comerciante português, o belga consegue resgatar o pequeno Abdallah, o filho traquina do Emir Kalish Ezab. Oliveira da Figueira desempenha assim, na aventura “No País do Ouro Negro” uma importância que supera o simples vendedor. E revela-se essencial para o triunfo do herói.
Ora, enquanto tivermos políticos que não conseguem revelar-se essenciais para o triunfo das ideias e dos valores que defendemos, ficamos reduzidos à imagem de um estereótipo. É isso que Paulo Portas quer? Eu acho que ele quer o mesmo que eu, mas a diferença é que eu conheço melhor as aventuras de Tintin do que ele.

Frederico Duarte Carvalho

Jornalista e escritor

In Oje

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Quem é quem? As personagens de Tintim da política portuguesa!

Marinho e Pinto
Capitão Haddock

É o mais bruto dos políticos no activo, à imagem do capitão Haddock. Embora ninguém o tenha ouvido dizer “com mil milhões de mil macacos” nem chamar a nenhum adversário “ectoplasma”, andou lá perto. Haddock é corajoso (Marinho e Pinto também), mas contraditório (idem). Não vive no castelo de Moulinsart, mas não larga o conforto de Bruxelas.

Cavaco Silva
Professor Tornesol 
O professor Tournesol é desastrado – como Cavaco Silva sempre foi – e muitas vezes diz coisas incompreensíveis. Mas, por muitas trapalhadas em que se tenha metido ao longo de todas as aventuras de Tintim (como Cavaco durante toda a sua vida política), todos lhe reconhecem sabedoria. Na realidade, não reconhecer sabedoria a Cavaco, que está no poder há mais de 30 anos, seria um erro de análise. Mas Tournesol poderia falar do sorriso das vacas nos Açores...

Passos Coelho/Paulo Portas
Dupont/Dupond 
Passos Coelho é primeiro-ministro e é o gémeo liderante da coligação. Durante muito tempo, principalmente nos primeiros dois anos e até à crise da demissão irrevogável de Portas, PSD e CDS distiguiram-se notoriamente, com o CDS a pedir crescimento e Vítor Gaspar a enfurecer os centristas. Mas as coisas mudaram: hoje Passos Coelho e Paulo Portas actuam como Dupont e Dupond. E assim será até 4 de Outubro. 

Paulo Portas
Dupond 
Quem conhece Paulo Portas sabe que ele não gostaria de estar no papel em que está: no Dupond, que praticamente se limita a repetir as frases já utilizadas previamente pelo gémeo Dupont. Mas foi o que se passou nos últimos dois anos e agravou-se ainda mais nos últimos tempos, desde que PSD e CDS decidiram concorrer em coligação. Se houver derrota, Portas pode deixar a posição de Dupond – até pode ser libertador... 

Durão Barroso
Nestor 
Quem pode ser o mordomo do Castelo de Moulinsart, residência do capitão Haddock nas aventuras de Tintim? Afinal foi Durão Barroso que teve o papel de receber os grandes líderes nos Açores antes de partirem no dia seguinte para a invasão do Iraque. Foi aí que ficou conhecido como o “mordomo” das Lajes, o que lhe permitiu o salto para Bruxelas, onde na realidade quem manda é a Alemanha e Angela Merkel

Ricardo Salgado
Rastapopoulos 
É um dos vilões das aventuras de Tintim. Rastapopulos é um milionário que se envolve em negócios pouco claros. No momento em que se prepara a venda do Novo Banco – que ainda pode vir a custar muito dinheiro aos contribuintes –, é claro que a figura da vida pública portuguesa só pode ser Ricardo Salgado, o outrora dono disto tudo, que neste momento está preso em casa vigiado pela polícia. 

Ana Gomes
Bianca Castafiore 
Bianca Castafiore, “o rouxinol milanês”, tem uma legião de admiradores em todo o lado por onde passa, mas aparece muitas vezes na hora errada e diz as coisas mais inconvenientes para o establishment do momento. Ana Gomes não é uma cantora lírica, mas muitos no PS olham-na como uma mulher excessivamente interventiva, que vem estragar os momentos consensuais.