quarta-feira, 22 de junho de 2022

Tintin nas galés


Parece que Tintin, meu amigo de infância, vai ser julgado num tribunal belga por um alegado crime de "racismo" praticado em 1931 com a publicação das suas aventuras no Congo, narradas e desenhadas por um tal George Prosper Remi, a.k.a Hergè.

Acusa-o, apoiado pelas ruidosas tropas do politicamente correcto, um tal Bienvenu Mbutu Mondondo, nascido 40 anos depois de "Tintin no Congo" ser publicado, que acha a obra "atentatória da sua imagem" porque, nela, "os congoleses" (e não as personagens do livro) são apresentados como "preguiçosos" e "estúpidos". 

Ora ele é congolês, portanto... Exige, por isso, que a venda do livro seja condicionada (a sua primeira exigência foi a proibição pura e simples, mas entretanto terá ouvido falar de "liberdade de expressão e concluído que talvez estivesse a ter mais olhos que barriga). A seguir virá algum grego "ofendido" pela imagem de Rastapopoulos, algum oficial da Marinha pela imagem de bêbedo do Capitão Haddock , alguma cantora lírica pela imagem da Castafiore, algum vendedor de seguros pela imagem de Séraphin Lampion, algum polícia pela imagem de Dupond e Dupont, algum "gangster" pela imagem dos "gangsters" em "Tintin na América"...

Seguir-se-á Astérix (há-de aparecer algum romano a sentir-se "ofendido") e, por um motivo ou por outro, toda a literatura e arte. Finalmente, como previu Heine, depois dos livros, chegará de novo o momento de se queimarem homens.

MANUEL ANTÓNIO PINA/JN, 19/04/2011

Publicado no anterior blog em 20/04/2011

https://www.bd2u.net/artigos/albuns/281-o-julgamento-de-tintin-no-congo.html

E X T R A

Tintin e os outros […] chegaram à minha vida na infância como o Cavaleiro Andante e, como na canção de Maria Bethânia, instalaram-se para sempre feitos posseiros dentro do meu coração. Com eles fui à Lua e viajei  por todos os mares do mundo, subi aos Himalaias e desci aos negros porões da alma humana […] defendi os fracos e enfrentei opressores e ricaços sem escrúpulos […] convivi com guerrilheiros, com tiranos, com comerciantes, com sábios, com iluminados… 

Se algo de essencial aprendi […] das minhas aventuras com Tintin foi o desprezo da infâmia e a “linha clara” da coragem e da justiça.»

Manuel António Pina, JN, 24/05/2007 [Crónica, Saudade da Literatura]

Anunciou a televisão estatal (na verdade, "a" televisão) norte-coreana que o líder supremo do Partido, do Estado e do Exército, "Kim Jong-un, tem um plano grandioso para fazer uma mudança considerável no campo de literatura e artes".

A primeira etapa de tal "plano grandioso" (na Coreia do Norte, os planos e ideias do supremo líder são sempre "grandiosos") foi um grandioso "show" realizado sexta-feira na capital do país, Pyongyang, em que, entusiasticamente aplaudidos de pé, actores dançaram para as cúpulas do regime, incluindo o próprio Kim Jong-un, vestidos de personagens da Disney: Mickey, Minnie, Winnie-the-Pooh, Branca de Neve, Dumbo, etc.. Alguém devia ter informado Kim Jong-un que Mickey é agente da CIA...

Alguns media ocidentais vibraram com tal sinal de "abertura", embora os EUA, pela voz do Tio Patinhas, tenham lamentado que os norte-coreanos não tivessem pago os direitos de autor.

"Abertura" seria um "show" em Pyongyang com as personagens, já não digo de Crumb, Shelton ou até de Al Capp, mas, ao menos, os de "L'affaire Tournesol", de Hergé, em que Tintin conhece um país, a Bordúria, que, mais estrela menos bigode na bandeira, é decerto familiar do povo norte-coreano: um partido único, um líder supremo com estátuas por todo o lado, uma tenebrosa polícia política, um Estado militarizado e uma sociedade infantilizada cantando hinos de louvor aos seus carcereiros.

Manuel António Pina, Bordúria "abre-se" JN, 12/07/2012


184. Até Tintin, ao fim de tantos anos, me parece cansado e céptico (em contrapartida os negócios escuros de Rastapopoulos vão vão de vento em popa…)

Manuel António Pina, «Heróis», Visão, 04/12/2003


98. Enquanto os outros liam a vida de S. João Bosco e os manuais de Filosofia do prof. Bonifácio («O mundo é a casa dos rapazes e a casa é o mundo das raparigas», ele é que sabia…), andava eu pela Lua com Tintin e com os Dupond…

Manuel António Pina, «Onde o cronista se deita no divã», Jornal de Notícias, 13/11/1991


domingo, 12 de junho de 2022

Louvação de Oliveira de Figueira


«Em pleno quinto centenário dos Descobrimentos, talvez seja a altura de trazer ao lume (brando, brando...) da crónica o inesquecível señor (com ñ) Oliveira de Figueira. 

Os leitores de Tintin conhecem-no bem de Os charutos do faraó e de outros episódios da epopeia de Hergé. Juntamente com Pedro João Santos, físico famoso e professor da Universidade de Coimbra que, em A estrela misteriosa, acompanha o repórter do Le petit vingtième na expedição ao meteorito que, afinal, não destruiu a boa e velha Terra.

Oliveira de Figueira representa-nos generosamente a todos no díspar painel de personagens que o lápis e o coração do belga legaram aos outros homens. E podemos gabar-nos de que ambos pertençam à galeria dos bons. O mesmo, por exemplo, não podem fazer os gregos (o mais tenebroso inimigo de Tintin é um grego, o ricalhaço Rastopopoulos), nem os ingleses, nem os americanos, nem os franceses, nem os indianos, nem os japoneses, nem mesmo os incas, que têm gente de um lado e do outro... 

Como Tintin, o cronista tem encontrado Oliveira de Figueira um pouco por toda a parte onde os acasos do jornalismo e da vida o têm levado. (O que prova que Hergé sabia mais de nós e da nossa errante natureza do que poderia fazer supor o facto de, para ele ou, ao menos, para a sua obra, não haver portugueses maus). Hoje, com o que sei de Oliveira de Figueira e da sua vocação de cidadão do mundo, surpreende-me que o bíblico Adão não tenha dado de caras com ele no seu primeiro passeio solitário pelo Éden... Em Tóquio encontrei-o à frente de um restaurante chamado Nazaré; no Alasca atrás de um aspirador, a trabalhar na limpeza do aeroporto de Anchorage; em Seul na cozinha de um escuso bar cheio de fumo e de filipinos; em Reykyavik numa loja de roupas... indianas; em Berlim num infantário; em Oslo ao volante de um táxi; em Kyoto ensinando Português numa universidade. Em Salvador da Baía e no Rio, como por todo o Brasil, Oliveira de Figueira aparece ao virar de cada esquina; em Paris, e por toda a Europa, como por toda a África, é o que se sabe: é mais fácil encontra-lo do que a um algarvio no Algarve! O homem das Arábias que, no último instante, em pleno deserto, surge, bonacheirão e cordial, em salvação de Tintin e o esconde da ira dos maus no seu impenetrável labirinto de bugigangas, tem também salvo o cronista do pecado da saudade em tudo quanto é sítio. Ao jornalista, por outro lado, Oliveira de Figueira salva-o todos os dias da rotina das notícias das agências internacionais. Há um choque de comboios em Paris? Oliveira de Figueira está, pelo menos, entre os feridos. 

Um atentado na África do Sul? Oliveira de Figueira ia a passar. Um assalto a um paquete no Mar Egeu? Oliveira de Figueira ia no cruzeiro com a família e viu tudo e, com um pouco de sorte, até tirou fotografias! 

Mesmo quando já partiu, e mesmo que já tenha partido há muitos séculos, Oliveira de Figueira deixou um rasto de simpatia e de História que protege o viajante que o segue como o escudo invisível do dentífrico.

Uma vez, em Nagasaki, entrei numa loja para comprar uma garrafa de saké e um serviço de louça em que o ministrar mais tarde, em casa, com a exigível propriedade, às visitas mais requintadas. O lojista não tinha que ser especialmente perspicaz para descobrir que eu não era japonês; só teve que ser um pouco curioso para me perguntar, num inglês ainda pior do que o meu, donde era eu from. Quando soube que eu era from Portugal, os seus olhos e as suas palavras ficaram subitamente em festa: falou-me, então, da chegada dos portugueses àquelas costas muitos séculos atrás, em estranhos barcos à vela, da forma como por lá se foram ficando e de como venderam às gentes da terra, o famoso bazar de Oliveira de Figueira!, coisas dispersas e ideias tão singulares como fabricar pão, espingardas, vitrais coloridos ou fazer chá. E, num arroubo de reconhecimento e cordialidade (nunca um português lhe tinha entrado pela loja, e até a família fora chamar lá dentro para me ver!) ofereceu-me tudo o que eu lhe queria comprar e embrulhou-mo num chamejante papel de seda amarelo.

Mas o episódio não acaba aqui. Quando, no hotel, contei o sucedido aos outros portugueses que comigo viajavam, a expedita alma comerciante de Oliveira de Figueira acordou alvoroçadamente neles, vinda do fundo dos tempos. Todos queriam ir também à loja (eu é que lhes não disse onde era!) onde os portugueses eram very welcome para terem saké e jarrinhas de porcelana de borla...  

Infelizmente, a imprevisível Comissão dos Descobrimentos, que para aí gere milhões com a falta de bom senso que se sabe, deve ser mais leitora de La Salade do que de Hergé. Por isso Oliveira de Figueira não terá a homenagem que merece. Nenhum banco se lembrará de cunhar em moeda os seus dalinianos bigodes, nenhum conferencista lhe dedicará uma palestra, nenhum estudante pedirá uma bolsa à Gulbenkian para lhe seguir o rasto através dos continentes, nenhuma Câmara lhe porá o nome numa rua, nem a estátua numa praça. A homenagem da crónica, em letra impressa, não ressalvará o resto; que, ao menos, sirva de efémera memória da sua passagem generosa e corajosa pelos perplexos mundos da nossa infância e do nosso coração».

Manuel António Pina, Jornal de Notícias, 23/07/1988.

In Manuel António Pina, "Crónica, Saudade da Literatura. Antologia, 1984-2012", selecção de Sousa Dias, Assírio Alvim, Porto, 2013, ISBN 978-972-37-1684-9.

https://montalvoeascinciasdonossotempo.blogspot.com/2015/11/saudade-da-literatura-cronica-antologia_68.html

http://www.aterceiranoite.org/2013/10/10/um-eterno-oliveira-de-figueira

ENTREVISTA A Manuel António Pina: (Ciberkiosk nº 9) Março de 2000

Ciberkiosk - Cesariny dava a sensação de se mover com muito desembaraço e humor por entre as formas e consistências da portugalidade e da cultura portuguesa. Simultaneamente longe e perto. A julgar pelo Anacronista, o seu humor nestas matérias parece desenvolver ou ficcionar uma afinidade com o que nessa cultura (em sentido antropológico) seria simpática e irremediavelmente chocho. O ser português é a Saudade e o Senhor Figueira de Oliveira?

MAP: «A saudade não sei o que seja, mas o Señor (com ñ) Oliveira de Figueira é certamente uma expressão autêntica e expedita do ser português, ou do que dele vai penosamente sobrevivendo à voracidade globalizadora. A simpatia que as minhas crónicas de jornal nutrem pelo Señor Oliveira de Figueira, e por outros espécimes congéneres que continuam a habitar as cada vez mais escassas franjas da economia de mercado e da cultura de massas, está, no entanto, ferida do pecado da distância e da soberba. Temo, de facto, que as minhas crónicas se lhes dediquem apenas com a mesma amável e enternecida curiosidade do patologista debruçado sobre uma lamela de dispersa bicharada afadigadamente entregue à enormidade da existência...» / «A outra face dessa simpatia é o desprezo por outra expressão, igualmente expedita, do ser português: o "sabido", em especial nas versões "político" e "empreendedor". E igual desprezo pela imensa e informe caterva de economistas e aparentados, fabricados nos sórdidos lugares universitários onde se estuda e ensina a usura, e de lá saindo convictos de que compreenderam o mundo (meu Deus, e se calhar até compreenderam!). E pela malta da "sociedade da informação", da gestão cultural e coisas semelhantes. É certo que "tudo isto é Portugal, tudo isto é fado". Mas não vejo Tintin, que é um coração puro, a dar-se de amizades com gente desta.»

Manuel António Pina, (Ciberkiosk)

*

Recentemente foi lançado em França um livro sobre Oliveira de Figueira. O livro "Le Sr Oliveira Da Figueira & Les Aventures De Hergé Et Tim-Tim au Portugal" é da autoria de Albert Algoud e tem desenhos de Philippe Dumas. 

Uma conversa com Dumas, sobre o seu trabalho neste livro, foi colocada recentemente no youtube.

https://tintinemportugal.blogspot.com/search?q=dumas


quarta-feira, 1 de junho de 2022

Les Aventures de Mário Tintin

O episódio do "Contra Informação" (RTP-1) de 1 de junho de 2007 foi um episódio especial dedicado ao dia da criança. Ao longo do programa foi apresentada uma história com as aventuras de Mário Tintim (Mário Soares), com a companhia de Haddock (Manuel Alegre) e de outras personagens.


Incluiu também brincadeiras com alguns programas infantis como Bob o construtor, Noddy e até Marques Mendes a fazer de bébé Lilly.