quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

João Afonso


João Afonso decidiu musicar diversas obras de literatura clássica, numa edição livro/CD de 70 páginas, que conta com os contributos de notáveis artistas plásticos, fotógrafos e escritores portugueses.

"Livros" reúne, deste modo, 14 canções inéditas de João Afonso num CD que integra um livro ilustrado por António Afonso Lima e é enriquecido com olhares diversos sobre obras literárias que fazem parte do "som das leituras" do músico.

O Livro-CD, verdadeiro artigo de coleção, percorre a biblioteca de João Afonso com textos de Alice Vieira, Mário de Carvalho, Isabel Rio Novo, Joel Neto, Hélia Correia, Afonso Reis Cabral, Ricardo Araújo Pereira, Paulo José Miranda, Luciano Amaral, Jorge Silva Melo, Frei Bento Domingues e Afonso Cruz, juntamente com ilustrações de António Afonso Lima.

A faixa 2 é dedicada a "Tintim" e o livro tem o texto "Haddock em chinelos" da autoria da escritora Alice Vieira.

 RTP

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Últimos dias da exposição ‘Hergé’ trazem programação paralela

Já só tem até ao dia 10 de Janeiro para visitar a exposição dedicada ao autor de As Aventuras de Tintin, George Remi (1907-1983), mais conhecido como Hergé. Por isso, nestes últimos dias, a Galeria Principal da Fundação Calouste Gulbenkian estará aberta todos os dias, para permitir um maior número de visitantes. Se ainda não foi conhecer “o homem por trás do mito”, é a última oportunidade para descobrir vários objectos vindos directamente do Museu Hergé, em Lovaina, Bélgica, que mostram facetas pouco conhecidas do escritor e desenhista. Mas há mais.

Além de estarem previstas visitas guiadas todos os dias, entre as 16.00 e as 17.00 ou as 18.00 e as 19.00, a Fundação Calouste Gulbenkian preparou também uma programação complementar considerável. Destaca-se, por exemplo, o “balanço” da exposição, a 6 de Janeiro, pelas 18.00, com uma conversa entre a curadora Ana Vasconcelos e João Paulo Paiva Bóleo, profundo conhecedor do universo da banda desenhada.

Mais tarde, no dia 8, a partir das 16.00, a performer Catarina Molder irá procurar evocar e desconstruir a figura da fictícia Bianca Castafiore, a Diva de As Aventuras de Tintin, que perdeu a noção do tempo e do mundo, recusando-se a sair do seu pedestal.

Já a 9, pelas 17.00, o Auditório 2 recebe uma conferência de Dominique Maricq, arquivista nos Studios Hergé e autor de vários livros sobre a obra de Georges Remi. Segue-se, no dia 10 de Janeiro, pelas 18.00, no Auditório 3, uma “Espécie de catacrese!”, com uma conversa com Patrícia Portela e José Pedro Serra sobre os contributos de Hergé para uma grande narrativa do século XX. Mas antes, ainda há um outro apontamento de destaque. Nos dias 8 e 9 de Janeiro, haverá uma surpresa. Sim, leu bem: nem a Time Out sabe o que se vai passar. Bem, sabemos que “a Galeria Principal será invadida pelo som que o desenho faz”. O que é que isso quer dizer? É esperar para ver (ou ouvir).

A maior parte destas actividades são de entrada gratuita mediante levantamento de bilhete, disponível na bilheteira da Fundação a partir do dia útil anterior ao evento.

In TimeOut


segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Sem Rei Nem Roque


O livro "Sem Rei Nem Roque", de João Palma e Rodrigo de Matos, foi publicado em 2021 pela Oficina do Livro.

O livro pretende desvendar as origens de algumas das expressões populares mais divertidas da língua portuguesa.

Uma das expressões é "Tintim por tintim" e o que nos interessa mais é o desenho de rodrigocartoon!

http://www.rodrigocartoon.com

https://www.facebook.com/rodrigocartoon

sábado, 11 de dezembro de 2021

Hergé e Tintin, inseparáveis

 “Há coisas que os meus colaboradores podem fazer sem mim e mesmo melhor do que eu. Mas dar vida a Tintin, a Haddock, a Tournesol, aos Dupondt e a todos os outros, creio que serei o único a poder fazê-lo: Tintin (e todos os outros) sou eu, exactamente, como Flaubert dizia ‘Madame Bovary c’est moi!’ São os meus olhos, os meus sentidos, os meus pulmões, as minhas tripas!… É uma obra pessoal, tal como a obra de um pintor ou de um romancista: não é uma indústria! Se outros pegassem no Tintin, talvez o fizessem melhor ou não. Uma coisa é certa: fá-lo-iam diferente e, assim, nunca seria o Tintin!…” Desta maneira se justificava Georges Remi (1907-1983), nome real de Hergé, o criador da famosa personagem, em entrevista a Numa Sadoul, publicada em “Tintin et Moi” (Casterman, 1975).

Parte do trabalho de Hergé e da ligação da sua obra a Portugal podem ser vistos no duplo catálogo recentemente editado pela Fundação Calouste Gulbenkian (a propósito da exposição que ali decorre até Janeiro) e pela editora belga Moulinsart – “Hergé” e “Hergé em Portugal”. O primeiro título passa pela biografia e criação do artista, num percurso que atravessa a fase da pintura influenciada por Miró ou Dubuffet e o trabalho de publicidade a que Hergé também se dedicou, visita a construção das histórias de Tintin (estruturação do argumento e dos desenhos) e de outros títulos, revela a preocupação documental que antecedia a fixação das aventuras, procura a actualidade e força das personagens, reproduz pranchas, cartazes, esboços e traz o pensar de Hergé mediante excertos ilustrativos de intervenções, justificações e apreciações, num ritmo que acompanha a organização da exposição, trabalho coordenado por Ana Vasconcelos, Joana Marçal Grilo, Maria Cristina Barbosa e Maria Helena Melim Borges.

O segundo título, “Hergé em Portugal”, coordenado por António Cabral e reunindo textos de autores diversos, faz a ponte para a recepção que o herói do jornal “Le Petit Vingtième” teve no nosso país, uma narrativa eivada de informações, de curiosidades e de arrojo. Apesar de Hergé ter aparecido em Portugal pela primeira vez em 1927, numa revista da Covilhã, “Scout Lusitano”, Tintin só cá chegará em 1936, através da influência do padre Abel Varzim e da publicação “O Papagaio”. Peculiaridades lusitanas foram várias – por cá se imprimiram, pela primeira vez, as histórias em policromia, já que os desenhos chegavam a preto e branco; houve vinhetas suprimidas, discursos alterados e nomes livremente traduzidos; foram adaptados títulos das obras (“Tintin au Congo”, de 1930/1931, foi traduzido por “Tim-Tim em Angola”, em 1939); houve discussões editoriais entre Abel Varzim e Adolfo Simões Muller; em Portugal saiu a primeira edição de “Tintin no País dos Sovietes” em país não francófono; os direitos de Hergé foram pagos, várias vezes, em géneros… Paralelamente, Tintin foi tendo o seu círculo de amigos, de tal forma que Amadeu Lopes Sabino, um dos co-autores deste catálogo, afirma ter chegado “ao universo de Hergé antes de nascer”, numa clara alusão à idade em que começou a entender as histórias de Tintin.

Acompanhado do seu inseparável “fox-terrierMilou, Tintin teve aventuras em todos os continentes, publicadas entre Janeiro de 1929 e Abril de 1976, com polémicas à mistura, mostrando as convulsões do mundo, rodeado de personagens que acabaram por se imortalizar com ele (incluindo um tal Oliveira de Figueira, português que surge em quatro títulos da colecção, bom vendedor e falador desmedido), sem histórias de amor, passando pela ciência, pela política, por tensões sociais e por uma imaginação vertiginosa.

João Reis Ribeiro in Setubalense

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O Independente - 1992


O jornal "Independente", de 26 de Junho de 1992, publicou no suplemento "Vida 3" uma entrevista de  Sara Adamopoulos a Léon Degrelle, um belga de extrema-direita que teve ligações a Hergé e que estava exilado em Espanha desde 1944 onde morreu em 1994.

Agradecimentos ao blog Porta da Loja que publicou recentemente uma entrada sobre essa edição.

https://portadaloja.blogspot.com/2021/10/degrelle-e-o-elogio-da-alemanhanazi.html


segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

"O editor português de Tintin enviou a Hergé alimentos durante a ocupação alemã de França"

É a terceira edição mundial colorida de Tintin no País dos Sovietes aquela que os leitores portugueses têm a partir de agora direito a ler, pois até ao momento só foi autorizada em dois países (Holanda e Dinamaca) além de França. A primeira edição em livro aconteceu em 1930, em 1981 foi publicada uma edição fac-simile, em 1999 passou a integrar a colecção dos álbuns de Tintin, mas só em 2017 é que teve uma versão a cores.

Em entrevista, o responsável da editora Casterman para a área da banda desenhada, Benoît Mouchart, explica as razões de uma complexa história para um livro tão especial, que faz parte de um sucesso que atingiu 230 milhões de álbuns vendidos, foi traduzido em 77 línguas - o português foi a primeira tradução num país não-francófono -, e que no nosso país já foi impresso dois milhões de vezes.

Benoît Mouchart foi o director artístico do Festival Internacional de Banda Desenhada de Angoulême, que deixou em 2013 para ingressar na Casterman, tendo no seu currículo uma impressionante colecção de títulos sobre esta arte, entre os quais Hergé Íntimo, publicado em 2011.

Entre as revelações sobre Hergé, que tem neste momento uma exposição na Fundação Gulbenkian, em Lisboa - onde será realizada a apresentação oficial de Tintin no País dos Sovietes -, está uma bem curiosa a propósito de ser portuguesa a primeira impressão das aventuras do seu principal herói fora do mundo francófono: «Hergé ficou muito feliz com essa situação, tanto que se correspondeu de forma extensa com o editor português. Aliás, este enviou-lhe uma grande quantidade de alimentos não perecíveis durante o período de restrições da ocupação alemã de França".

Esta foi a única aventura de Tintin que Hergé manteve a preto e branco. Porque teimou nessa situação?

O trabalho de colorir as aventuras de Tintim foi empreendido por Hergé a pedido da Casterman em 1942, mas o ocupante alemão limitava severamente o papel e não viu com bons olhos a publicação de álbuns tão inócuos como eram na altura Tintim na América ou A ilha Negra. Portanto, Hergé deixou este livro de lado. Depois da Libertação, durante a Guerra Fria, provavelmente não teria ficado muito feliz com o reaparecimento de um livro tão comprometido como este era. O tempo de Soljenitsyne e de um olhar crítico sobre o totalitarismo soviético ainda não havia chegado...

Tintin no País dos Sovietes foi publicado em formato livro em 1930 e só foi reeditado em 1969. Hergé não se revia nas posições políticas desta aventura?

Hergé não era de todo comunista e ao longo dos anos tornou-se adepto de uma certa neutralidade política. Ele considerou este livro um documento que, principalmente, mostra o seu início como jovem autor. Na verdade, descobrimos aqui uma forma gráfica muito redonda, influenciada pela Art Déco e pelos comics americanos de Geo McManus. É uma forma de desenhar que tem consistência própria dentro do livro, e da qual Hergé só vai desistir realmente durante a elaboração do Lótus Azul. Ele não tinha vergonha do que fizera, mas havia uma preferência clara por outras aventuras de Tintin, a começar pela de Tintin no Tibete.

Este olhar próprio de um tempo passado está muito presente em Tintin no País dos Sovietes. Houve adaptações ao texto na reedição de 1969 ou na de 2017?

O texto dos diálogos não foi retocado sob nenhuma forma, antes é um verdadeiro arquivo de como foi o processo desse livro, ficando liberto de qualquer alteração a não ser o acrescento da cor.

A passagem do álbum a cores era um passo natural ou resultou de um interesse editorial?

Esta foi uma ideia proposta pela Moulinsart [responsável pelo legado] e que a Casterman aceitou por ser uma oportunidade de mergulhar esta aventura primitiva num banho de juventude, e uma oportunidade de olhar de forma diferente para as imagens que a compõem. O trabalho do colorista Michel Barreau é excepcionalmente delicado, daí que se reveja o desenho de Hergé com um olhar especial!

É neste álbum que o repórter Tintin escreve a sua única reportagem. Por que nunca mais enviou para a redação do Petit Vingtième - ou outro jornal - os seus artigos?

Em banda desenhada muita coisa pode acontecer entre os quadradinhos. É a isso que chamamos a magia da elipse... Se Hergé nunca achou por bem mostrar-nos Tintin novamente a redigir reportagens, é porque a verdadeira aposta da sua arte de contar histórias pretendia traduzir movimento e velocidade. E o que se verifica é, a par desse mistério, permitir também ao leitor usar a sua própria imaginação.

Algumas das aventuras de Tintin têm sido consideradas politicamente pouco corretas, designadamente por terem uma visão colonialista ou de segregação racial. Hergé alguma vez comentou - ou aceitou - estas opiniões?

Deixemos falar Hergé, que respondeu desta forma numa entrevista para a RTBF em 1979: "Depois do álbum Tintin no País dos Sovietes, eu queria fazer Tintin na América, para mostrar as duas potências em confronto. Nesse momento, contudo, o editor do jornal Petit Vingtième quase me implorou ao dizer: "Você não pode fazer isso com a nossa bela colónia do Congo, sobre Leopoldo II, os missionários e a nós que lhes levámos a civilização, etc." Então, eu fiz Tintin no Congo sem muito entusiasmo. Se tivesse de reescrever Tintim no Congo hoje, seria muito diferente. Mas tudo evoluiu e mudou, eu também mudei, e o repórter Tintin ficou um espelho da realidade. Isto porque todo o jornalista é uma espécie de espelho que reflete os acontecimentos que vai olhar. Tintim refletia o que a maioria das pessoas pensava sobre esses dias na Rússia bolchevique. Quanto à ideia colonialista, praticamente todo o mundo foi colonialista. Isso não era um problema então, o branco tinha sido criado para levar a civilização aos outros. Tintin não era racista, mas era um colonialista como toda a gente naquela época."

A personagem muito portuguesa de Oliveira da Figueira foi um prémio para os leitores portugueses?

Não posso responder pelo Hergé, mas este excelente comerciante é uma figura muito simpática, mesmo que consiga fazer o nosso herói comprar muitas bugigangas que não necessita!

Há conhecimento da razão por que Hergé criou Oliveira da Figueira e como a caracterizou daquela forma?

Hergé era um humorista e um caricaturista. A bonomia e a simpatia de Oliveira da Figueira são, sem dúvida, traços que este homem do Norte enviou aos para os das margens do Mediterrâneo.

Hergé tinha um personagem favorito, além de Milou, para contracenar com Tintin?

Parece-me que ele sempre referiu a sua afeição pelo capitão Haddock, que parece ser o verdadeiro herói de Tintim e os Pícaros, mas também do inacabado Tintin e a Alph-Art.

Ao vermos estas páginas encontramos quadradinhos que irão ser repetidos noutras histórias como é o caso de quando está com o escafandro (p.69) na aventura O Tesouro de Rackham, o Terrível. Era uma homenagem consciente de Hergé ao seu primeiro livro com Tintin?

Hergé tinha uma memória visual muito grande e, sem qualificar de forma consciente as suas reminiscências, estas eram imagens muito gráficas que vinham em muito do cinema mudo burlesco. Elas voltaram a ser desenhadas porque seriam atraentes para o autor.

Na exposição Hergé, na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, está exposto o diário de Tchang Tchong-jen. O arquivo de Hergé contém outros "tesouros" como este?

Hergé guardou muitos esboços e desenhos originais, mas também o fez com toda a sua riquíssima correspondência. Muitos documentos importantes ​​já estão disponíveis no Museu Hergé, em Louvain-la-Neuve, e também na bela exposição que os portugueses têm a sorte de poder visitar em Lisboa.

Os grandes heróis de banda desenhada têm tido continuações por outros autores - é o caso de Astérix e de Blake e Mortimer. Com Tintin isso não acontecerá?

Hergé foi bem claro em várias entrevistas sobre não querer que Tintin lhe sobreviva sob a forma de novas histórias. Esta é a posição que o herdeiro tem mantido desde então. No entanto, juridicamente, nada o poderia impedir se assim o decidisse, afinal a responsabilidade do criador sobre a sua obra foi transferida para os seus herdeiros. São eles os detentores dos direitos autorais e não o editor e são quem tem o direito e a decisão de continuar ou não o trabalho de Hergé. No entanto, essa questão não está na ordem do dia.

Alguma vez será terminado o álbum Alph-Art que ficou incompleto?

Hergé não teria gostado. Posso garantir que não foi até agora contactado qualquer autor para realizar esse trabalho.

In Diário de Notícias

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Concurso Tintin – O som que o desenho faz


Procuramos jovens, entre os 13 e os 16 anos, que queiram participar numa performance que vai integrar as diversas atividades programadas para o encerramento da Exposição Hergé.

Os jovens selecionados vão ler, no espaço da Exposição, excertos das Aventuras de Tintin, num diálogo divertido, onde a leitura dos sons é tão importante como a das palavras.

Para concorrer, basta criar e enviar-nos um curto vídeo onde o participante lê, sozinho ou acompanhado, um excerto favorito de um dos 24 famosos álbuns. Antes de submeter uma candidatura, recomendamos a leitura das Perguntas Frequentes.

Nesta performance, em que ouviremos o som dessas palavras que se soltam do desenho, procuramos dar-lhes a possibilidade de se encontrarem em verdadeiros corpos. Enquanto forem vistos e lidos, Tintin, Haddock, Dupond e Dupont, Castafiore, Girassol, terão sempre o som das nossas múltiplas vozes. Escolham o vosso personagem preferido e venham dar-lhe voz!

Carlos Pimenta é o encenador que vai acompanhar os jovens selecionados nesta viagem.

https://gulbenkian.pt/concurso-tintin-o-som-que-o-desenho-faz/

sábado, 27 de novembro de 2021

"Tintin no País dos Sovietes" editado a cores em Portugal

 

Edição portuguesa é a terceira fora do mercado de língua francesa.

A versão colorida de "Tintin no País dos Sovietes", agora disponibilizada em português pelas Edições ASA, foi o pretexto para uma conversa com Benoît Mouchart, diretor editorial da Casterman, há décadas a casa dos álbuns de Tintin.

A este propósito, Mouchard relembra que "a obra de Hergé foi fundadora para a Casterman: antes de 1934, ou seja, antes do lançamento de "Os Charutos do Faraó", esta editora nunca tinha publicado banda desenhada". E sublinha: "Ainda hoje, Hergé é um emblema da nossa identidade, temos orgulho de continuar a partilhar com as novas gerações de leitores".

Primeira aventura de Tintin, "No País dos Sovietes" começou a ser publicada a 10 de Janeiro de 1929, no n.º 11 do "Le Petir Vingtième", suplemento infantil do jornal belga "Le Vingtième Siècle", tendo sido editada em álbum no ano seguinte.

Posteriormente foi considerada pelo autor um erro de juventude, nunca foi redesenhada nem colorida, ao contrário do que aconteceu com as outras aventuras de Tintin publicadas a preto e branco naquele jornal.

Assim, só seria reeditada em 1969, numa edição de tiragem limitada a 500 exemplares, distribuída entre amigos e conhecidos do autor, e, quatro anos depois, nos "Archives Hergé", que reuniam todas as versões a preto e branco das aventuras iniciais.

Dessa forma, o grande público só teve acesso à obra em 1999, setenta anos depois da sua estreia e dezasseis após a morte de Hergé, quando o álbum foi adicionado à colecção regular. Nesse mesmo ano, a Verbo publicou-o em Portugal, sendo que anteriormente, em 1982, tinha surgido na revista "Tintin" portuguesa. Neste momento convivem nas livrarias a versão a preto e branco e a versão colorida, ambas das Edições ASA.

Relativamente a esta versão colorida, com uma paleta de cores diferente da utilizada por Hergé, para a distinguir dos restantes álbuns, data de 2017, e surgiu "para manter a curiosidade em torno das suas criações", confessa Benoît Mouchart, uma vez que o autor antes de falecer "desejou que Tintin não lhe sobrevivesse" não havendo por isso novas aventuras.

Aquela ideia da Moulinsart, detentora dos direitos das obras de Hergé, "agradou à Casterman", tendo o álbum colorido sido "um dos campeões de venda de 2017" e "reacendido o interesse por toda a série". De tal forma, que já está "em curso o projecto de colorização da primeira versão de "Os Charutos do Faraó" que verá a luz do dia em 2022".

Quatro milhões de álbuns do Tintin vendidos por ano

Lembrando que no ano do lançamento do filme "Tintin - O segredo do Licorne", a série registou "um recorde de vendas no mundo inteiro", Benoît Mouchart estima "que anualmente sejam vendidos cerca de quatro milhões de álbuns de Tintin em todo o mundo, dos quais 600 mil em língua francesa".

F. Cleto e Pina In Jornal de Notícias 

domingo, 21 de novembro de 2021

Apresentação do livro “Le Sr Oliveira da Figueira & les aventures de Hergé et Tim-Tim au Portugal”


Graças ao Senhor Oliveira da Figueira, cuja biografia aqui escrita por Albert Algoud, Portugal encontra-se muito presente nas aventuras de Tim-Tim. O país também teve um papel fundamental na expansão internacional da obra de Hergé, porque o português foi a primeira língua estrangeira falada por Tim-Tim. Composto por muitas histórias e curiosidades, este livro explora os aspeitos as vezes muito engraçados da aventura de Tim-Tim em Portugal, acompanhados pelos desenhos-homenagens de Philippe Dumas. Os autores estarão presentes para dialogar com Michel Chandeigne, editor.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

"Le Sr. Oliveira da Figueira... & les aventures de Hergé et Tim-Tim au Portugal" é o título de um livro que será colocado à venda em França no próximo dia 10.

O seu autor, Albert Algoud, especialista na obra de Hergé, já publicou vários livros sobre ela, entre os quais o "Dicionário ilustrado dos insultos do Capitão Haddock", que a ASA edita entre nós este mês.

Oliveira da Figueira surgiu pela primeira vez em "Os charutos do faraó", na edição a preto e branco de 1934, apresentado então como um vendedor fala-barato que convence o herói a comprar um sem número de objetos inúteis. Regressaria ao convívio de Tintin, de forma esparsa, em "Tintin no país do ouro negro" (1939) e em "Carvão no porão", como Oliveira de Figueira. Em "As jóias da Castafiore" (1963) é um dos que envia ao Capitão Haddock os parabéns pelo casamento com a cantora lírica. No total, o mercador surge em cerca de seis dezenas de vinhetas, sempre solícito para ajudar Tintin.

Ficcionando a biografia de Oliveira da Figueira, Algoud atribui-lhe raízes judias, o que leva a abordar a questão da expulsão dos judeus em Portugal, desenhando uma linha genealógica que se inicia com os primos Jorge e Gonçalo de Oliveira, naturais da Figueira da Foz, a quem no século XVI D. Manuel concedeu o monopólio do comércio com a Índia, numa interessante combinação de história e ficção. Baseado nos trejeitos e expressões presentes na primeira aparição, adivinha traços de homossexualidade na personagem, e explora as várias ligações a Portugal existentes nas suas aparições, bem como a sua suposta morte na versão a preto e branco daquele primeiro álbum, que Hergé eliminaria na versão colorida. Refere curiosidades como o facto do bigode de Oliveira da Figueira ser uma homenagem de Hergé a... Salvador Dalí ou a nacionalidade espanhola, como Olivero de Malaga, que lhe foi atribuída por "O papagaio" em 1937, na primeira versão portuguesa de "Os charutos de faraó", rebaptizada "As aventuras de Tim-Tim no Oriente", uma vez que a personagem desagradava a Adolfo Simões Müller, também pela proximidade a um certo Oliveira... Salazar.

O segmento biográfico é acompanhado de uma análise bastante completa do historial da edição de Tintin em Portugal, o primeiro país não francófono a publicar o herói, e o primeiro em todo o mundo a fazê-lo a cores, incluindo um extenso glossário que vai do Abade Abel Varzim e de Adolfo Simões Müller até às sardinhas com que os direitos de Tintin foram pagos durante a II Guerra Mundial!

O livro, com 160 páginas, faz parte da colecção "Bibliothéque Lusitaine Poche" das Éditions Chandeigne, "especializadas no mundo lusófono há mais de 30 anos", como explicou ao JN o editor Michel Chandeigne: "Grande apreciador de Tintin desde a juventude; conhecendo as singularidades da edição de Tintin em Portugal e a existência de uma personagem portuguesa, pareceu-me que havia matéria para um livro interessante, por isso, naturalmente, pensei em Albert Algoud, um dos grandes especialistas franceses de Tintin".

Dada a recusa, por parte da Moulinsart, de autorização para utilizar "as espantosas imagens coloridas de "O papagaio"", explica Chandeigne, foi proposto a "um dos grandes desenhadores franceses, Philippe Dumas, que evocasse no seu estilo humorístico o universo de Hergé, sem o copiar", o que ele fez, reproduzindo algumas das capas de "O papagaio", a livraria portuense Timtim por Timtim, Castafiore numa casa de fados, Milu com uma bandeira portuguesa ou o protagonista a dar vivas ao... Futebol Clube do Porto.

"Le Sr. Oliveira da Figueira... & les aventures de Hergé et Tim-Tim ao Portugal" será apresentado no Instituto Francês de Lisboa no dia 23 de Novembro, às 19 horas, estando marcada uma sessão de autógrafos com Albert Algoud e Philippe Dumas no dia seguinte, às 19 horas, na livraria Palavra de Viajante.

F. Cleto e Pina in Jornal de Notícias

domingo, 14 de novembro de 2021

Do 7 aos 77

"As angústias colectivas são contrárias à tradição Tintin. Tintin é intimista. Mesmo no decurso da expedição lunar, a opinião pública mundial não teve qualquer papel e, no entanto, Deus sabe bem que essa era uma questão que interpelava toda a humanidade. E, em Carvão no Porão, o problema da escravatura resume-se a um quarto de página num livro de 62 páginas. As convulsões do mundo, a intervenção dos poderes, os grandes movimentos de massas, isso é Jacobs, não é Hergé!" Foi assim, com uma comparação com o seu colega e amigo Edgar Pierre Jacobs, criador de Blake e Mortimer, que Hergé definiu a sua obra e a marca distintiva das aventuras de Tintin e Milou.

Noutra ocasião, dirá que o seu trabalho não era motivo de glória e de honras espúrias, mas também não deveria ser razão de vergonha ou arrependimento. Com isso, talvez procurasse defender-se das críticas feitas a algumas histórias de Tintin: a do Congo, acima de todas, verberada pelo modo paternalista com que nela os africanos são tratados pelos colonos brancos; mas também a viagem do repórter pela Rússia dos sovietes ou, pior ainda, um dos álbuns mais controversos, A Estrela Misteriosa, em que uma equipa de cientistas europeus - entre os quais um alemão, um sueco, um espanhol e um português, professor em Coimbra - se confronta com uma expedição financiada por um milionário judeu de Nova Iorque, com Tintin, claro está, a alinhar pelo Velho Continente contra os yankees sem princípios nem escrúpulos. Publicada em 1942, com a Bélgica então ocupada pelos nazis, é difícil não ver nessa obra uma crítica aberta, muito na linha da propaganda do Reich, à tentação de hegemonia mundial por parte dos EUA, país ademais dominado por um vasto complô semita. Já antes, com Tintin na América, Hergé traçara um retrato cáustico da vida do lado de lá do Atlântico, com pinceladas sombrias sobre a corrupção e os crimes dos clãs mafiosos, com Al Capone à cabeça, sobre a segregação dos negros e a destruição dos povos índios.

Não têm faltado as vozes que referem à outrance as ligações perigosas do criador de Tintin e, na verdade, a lendária personagem das histórias em quadrinhos ou quadradinhos (ou "histórias aos quadrados", como lhes chamava a censura salazarista nos anos 1950) foi fortemente inspirada por um homem, o padre Norbert Wallez que, do ponto de vista político e ideológico, se mostrava bem enquadrado nas direitas extremas. Defensor de uma federação entre a Bélgica e a Renânia, Wallez era um admirador incondicional de Benito Mussolini, que o recebera em Roma em 1923 e que, não muito depois, lhe enviara um retrato autografado, em tudo idêntico ao que adornava o gabinete de trabalho de Oliveira Salazar. Antigo estudante de Lovaina, seguidor das doutrinas de Maurras e da Action Française, o padre Wallez fora nomeado director do Le Vingtième Siècle, um jornal conservador fundado em 1895 e em cujo suplemento infanto-juvenil, o Le Petit Vingtième, Hergé começará a publicar as aventuras de Tintin. Por razões não muito claras, mas porventura ligadas às suas inclinações políticas, Wallez será demitido da direcção do periódico, em 1933, mas, com a invasão da Bélgica pelos nazis, em 1940, retomará os seus escritos bárbaros e as suas intervenções flamejantes, o que lhe valeu uma dura pena no pós-guerra: em 1947, foi acusado de colaboração com os alemães e condenado a cinco anos de prisão e a uma pesada multa de 200 mil francos. Permanecerá detido em Charleroi até 1950, mas, por padecer de um cancro, foi libertado por razões de saúde, morrendo não muito depois, em Setembro de 1942. Hergé e a sua mulher, Germaine, antiga colaboradora do padre Wallez, não deixarão de o visitar no seu leito de morte.

Este sacerdote radical sempre se considerou coautor das aventuras de Tintin ou, como já alguém disse, "Hergé criou Tintin, mas foi Wallez quem teve a ideia". A personagem do jovem repórter é, sem margem para dúvidas, uma criação original de Hergé, que já antes concebera uma figura muito parecida ao mítico herói, o escuteiro Totor, devendo lembrar-se que, antes disso, Benjamin Rabier inventara, em 1897, a personagem Tintin-Lutin, com a qual o Tintin de Hergé tem bastantes semelhanças visuais. A cadelinha Milou, um fox-terrier que, até à aparição do capitão Haddock, desempenhou alegremente o papel de Sancho Pança do Tintin-Quixote, foi inspirada, ao menos no nome, na primeira namorada de Hergé, Marie-Louise van Cutsem, "Milou" de petit nom. A intervenção do padre Wallez não ocorreu, pois, na concepção dos personagens (Tintin, Milou), mas noutro plano, não menos decisivo: é ele que sugere, ou ordena, que a primeira aventura de Tintin seja uma viagem à Rússia soviética, para um impiedoso retrato do país dos bolcheviques, que o repórter se desloque depois ao Congo, de modo a promover junto das crianças e dos jovens o trabalho dos missionários católicos em África e, enfim, que vá de seguida à América, em digressão crítica da civilização do dólar, das fábricas e das megalópoles trepidantes. Se Hergé foi o pai de Tintin, Norbert Wallez foi o pai das aventuras de Tintin, sobretudo as da primeira fase.

Na busca de revelações e escândalos, alguns biógrafos insistem em excesso nessas relações do criador de Tintin com a direita radical, como sucede com Pierre Assouline (Hergé, 1998); outros, como Benoît Peeters (Hergé, Fils de Tintin, 2002), sem negarem tais ligações, adoptam uma atitude mais moderada e menos sensacionalista. Se é indesmentível que Hergé conheceu, e conheceu de perto, Léon Degrelle, o líder do Partido Rexista, que colaborou miseravelmente com o nazismo, o facto é que o criador de Tintin nunca navegou nessas águas ignóbeis, bem longe disso: numa famosa intervenção pública, o cardeal Van Roey, arcebispo de Malines e primaz da Bélgica, descrevera Degrelle como "um perigo para o país e para a Igreja" e Hergé seguiu a orientação eclesial, evitando os insistentes apelos do dirigente rexista para colaborar no jornal Le Pays Réel.

No essencial - e esse é o ponto decisivo -, Georges Rémi, de nome artístico Hergé, foi um produto do movimento social católico surgido nos escombros da Grande Guerra. O conflito de 1914-18 provocara um intenso recrudescer da espiritualidade em toda a Europa: em França, falou-se num "regresso aos altares", tal o número de fiéis que procuraram o amparo da fé para lidar com a catástrofe reinante e os mortos aos milhões; em Inglaterra, e não só, o espiritismo teve grande surto, pela mão de Conan Doyle e tantos outros, pois eram muitos os que queriam comunicar com os filhos ou familiares tombados em combate. Entre nós, e além do fenómeno da Virgem de Fátima, os anos 1920 e 1930 são de grande vigor para a Igreja, a qual, sob os auspícios do Papa, não hostilizava já os poderes instituídos, antes buscava um cordial ralliement com eles. O Centro Católico Português, a Acção Católica, o febril movimento dos congressos de crentes (falou-se até em "congressite") são alguns dos muitos momentos em que se desdobrou uma nova visão do catolicismo, mais empenhado na esfera social e política como forma de combate às doutrinas socialistas e marxistas e às suas ideias de luta de classes. Assim, não é por acaso que a JOC, a Juventude Operária Católica, foi fundada em 1923, na Bélgica, pelo padre Joseph Cardijn, como não é por acaso que foi o padre Abel Varzim que, quando estudava em Lovaina, conheceu as aventuras de Tintin e as trouxe para Portugal, o primeiro país não francófono a publicar as suas histórias. Foi nesse "caldo de cultura" que se afirmou e projectou Oliveira Salazar e, sem forçar paralelismos descabidos, foi também nele que Hergé se formou e começou a trabalhar.

O criador de Tintin, importa dizê-lo, nunca foi um ideólogo ou sequer um homem com grande densidade cultural e política: filho de um alfaiate, neto por via materna de um canalizador, oriundo de uma família onde, como o próprio reconhecerá, não havia muitos livros ou conversas profundas, o turning point da sua infância dá-se quando é retirado do ensino laico e inscrito no católico Colège Saint-Boniface e, em simultâneo, sai dos Boys Scouts, também laicos, para ingressar na Associação de Scouts Baden-Powell, clerical. Passadas no le plat pays de que falava Brel, a infância e a juventude de Hergé não foram particularmente felizes ou ricas de experiências e acontecimentos, nem marcadas por vastas leituras, por férias memoráveis, por idas ao teatro e ao cinema. Aliás, até uma fase adiantada da vida, Hergé nunca fez grandes viagens ("excepto nos livros", dizia) ou mostrou especial interesse pelo cinema, pelo teatro, pela pintura abstracta ou pela ópera, ainda que todas estas artes estejam presentes nos seus trabalhos.

Pelo menos até aos anos 1950, ou mais tarde ainda, será um conservador, sempre fiel à monarquia e a Leopoldo III, um desenhador modesto que procurava ganhar a vida e que estava obsessivamente concentrado nas suas criações e na sua obra. Tentou a publicidade, sem grande sucesso, e, em 1940, quando os alemães chegaram, ficou apavorado de medo: com a mulher, mete-se num carro pela França adentro, numa fuga sem sentido nem rumo. Depois de escrever a Adolfo Simões Müller, o seu editor português, pedindo-lhe que avisasse os pais e os sogros que se encontrava bem, acaba por regressar à Bélgica. Num dos momentos mais tristes da sua carreira, colaboraria no jornal Le Soir quando este é dominado por uma direcção totalmente alinhada com os nazis e aí publica alguns desenhos de indiscutível timbre antissemita. Mais do que isso, torna-se próximo de Raymond de Becker, o editor do Le Soir, e alinha com a sua apologia de uma "ordem nova", conceito que, entre nós, também seduziu muitos publicistas de direita, como Marcello Caetano e Pedro Theotónio Pereira (que fundaram em 1926 uma publicação com esse nome, a Ordem Nova, "revista antimoderna, antiliberal, antidemocrática, antibolchevista, hamburguesa"), ou como João Ameal, que em 1932 deu à estampa o livro A Revolução da Ordem.

Por causa disto, no pós-guerra Hergé terá a fotografia e o nome expostos na "Galeria dos Traidores", o rol dos que colaboraram com o ocupante nazi. Foi detido, passou uma noite na prisão, interrogado, sujeito a depuração, mas no final prevaleceu o bom senso e nunca o condenaram. É que, se o tivessem preso, muitos outros, aos milhares, teriam de o ser também. O editor dos seus álbuns, Casterman, fora nomeado burgomestre de Tournai durante a ocupação germânica e, sobretudo entre os flamengos, a colaboração tinha sido intensa e imensa. Além disso, o mais relevante: Hergé nunca foi um "fascista", no espírito e nas acções, até porque não tinha envergadura intelectual ou política para voos tão arriscados. Foi, isso sim, um vago militante católico, atormentado por depressões cíclicas, algumas das quais prolongadas, alguém que vivia obcecado com a sua obra, na qual trabalhava sete dias por semana, 365 dias por ano. Na década de 1930, tivera um encontro que mudaria a sua vida para sempre. Enquanto preparava O Lótus Azul, o padre Léon Gosset, capelão dos estudantes chineses de Lovaina, instara-o a não figurar os orientais com os estereótipos clássicos, que encontramos nas histórias de Blake e Mortimer ou de Buck Danny. Por seu intermédio, encontra-se em 1934 com Tchang Tchong Jen, um jovem estudante chinês que nele terá o efeito de uma epifania. Anos mais tarde, Hergé dirá que ele foi "um dos principais artífices da minha evolução" e, graças a Tchang, o criador de Tintin passará a ter um olhar mais complacente e humanista para com os demais povos do mundo, a interiorizar e a assumir os princípios éticos da sabedoria oriental, a interessar-se pelo taoísmo e pelas religiões da Ásia. Num certo sentido, Tchang resgatou-o da influência tutelar do padre Wallez, que dera azo às primeiras histórias, as da Rússia, do Congo e da América. Depois, no pós-guerra, um sucesso imparável: em 1950, funda os Studios Hergé e os seus álbuns conquistam gerações de leitores em todo o planeta, dos 7 aos 77 anos.

Hergé deu-nos Tintin, Milou, Haddock, Bianca Castafiore, os Dupond & Dupont, uma galeria infindável de personagens que fizeram a nossa infância e que a prolongam até morrermos. Hoje, há quem o fustigue e ataque, há quem pretenda censurá-lo, tirá-lo da vista das criancinhas, dos infantes que tentamos proteger das malvadezas de Tintin enquanto os deixamos à solta pelas redes sociais, tenebroso reino das maiores acefalias e das piores pornografias. Alguém entende isto?

António Araújo in DN

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Tintin no País dos Sovietes: edição a cores finalmente publicada em Portugal

ASA lançou no passado fim de semana a muito aguardada edição a cores de Tintin no País dos Sovietes, mítica primeira aventura de Tintin.

Criada em 1929, a preto e branco como todas as histórias posteriores até os inícios dos anos 1940, esta primeiríssima aventura de Tintin foi a única que Hergé deixou por colorir. Agora, fruto de um meticuloso trabalho sob a direção artística de Michel Bareau, esta edição a cores permite redescobrir a obra inaugural do autor, conferindo-lhe uma nova e moderna legibilidade, em que, entre outras, a dimensão cómica do argumento sai manifestamente reforçada.

Publicada em França em 2017, esta exclusiva edição a cores vem desde então sendo reclamada pelos muitos milhares de fãs do Tintin em Portugal, sendo que no entanto, dada a natureza especial desta obra, tinham até agora apenas sido autorizadas, para além da edição francesa, as edições em neerlandês (2017) e em dinamarquês (2018). As Edições ASA têm portanto o orgulho de finalmente brindar os leitores portugueses com esta muito aguardada “jóia bibliográfica”, que constitui a 3ª edição em língua estrangeira a ser publicada em todo o mundo e cuja publicação coincide com a exposição “Hergé”, na Fundação Gulbenkian, onde será apresentada a 6 de Dezembro.

Com 230 milhões de álbuns vendidos em todo o mundo, dos quais 2 milhões em Portugal, as aventuras do jovem repórter de poupa levantada e do seu inseparável Milou estão traduzidas em 77 línguas, tendo o português sido a primeira língua em que foi traduzido num país não-francófono.

Tintin no País dos Sovietes (versão colorida), Hergé, ASA, cartonada, 144 pp., cor, 17,50€

Os insultos do Capitão Haddock

Quem não se recorda dos insultos do Capitão Haddock nas aventuras de Tintin? Em 1988, Albert Algoud lançou uma compilação desses impropérios numa obra intitulada "Le petit Haddock illustré", reeditada em 1991 com o título "Le Haddock illustré - L'Intégrale des jurons du capitaine". É esta edição que agora é editada em português pela ASA com a tradução "Dicionário ilustrado dos insultos do Capitão Haddock".



 

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Conferência Hergé e o Portugal do Estado Novo



Tintin foi introduzido em Portugal por uma revista católica para jovens, dirigida pelo Padre Abel Varzim, a qual, nesse período, conheceu tensões, mudanças editoriais e adaptações. Neste debate discutimos a vida das publicações de Tintin em Portugal ao longo do Estado Novo.

Com António Cabral e António Araújo, moderado por António Costa Pinto

sex, 12 nov 2021 / 18:00 – 19:00

LOCAL

Edifício Sede – Auditório 3

Av. de Berna, 45A, Lisboa

domingo, 24 de outubro de 2021

As aventuras de Tintin

Será o que há 100 anos Tintin fazia no Congo belga – acordando os nativos adormecidos para as letras da civilização e para as novidades da modernidade – assim tão diferente do que hoje fazem as ONGs?

Quando comecei a ler, aí por 1952, o Mundo de Aventuras saía às Quintas-Feiras e trazia uma grande colecção de heróis. O Flash Gordon, o Fantasma e o Mandrake eram os meus preferidos, os que eu ia logo ler mal saía do quiosque. O Flash Gordon tinha uma namorada linda, a Dale, e havia o Dr. Zarkov, um cientista de barbas, que os acompanhava em aventuras espaciais, no Planeta Mongo, onde lutavam contra o Imperador Ming.

O Fantasma tinha sido criado por Lee Falk em 1936, nos anos dourados da BD na América, os anos das pulp magazines e da primeira Ficção Científica. O Fantasma vivia num ambiente africano e era amigo dos pigmeus que o protegiam. Era um justiceiro implacável, sem novidades tecnológicas, mas incansável na luta contra o Mal e os maus.

O Mandrake era diferente do Flash Gordon e do Fantasma. Era uma espécie de mago que, pela indumentária, lembrava o Arsène Lupin, “Gentleman Cambrioleur”: smoking Belle Époque, cartola, capa e um bigodinho fino em serrilha. Tinha um ajudante, um negro gigantesco, o Lotário, que envergava uma pele de leopardo e que, quando era preciso recorrer a formas superiores de luta, intervinha para apoiar o patrão, já que o patrão só lutava através de truques de magia. Mandrake tinha sido imaginado também por Lee Falk, que, em meados de 1934, propusera a série, com desenhos de Phil Davis, ao King Features Syndicate. Mas Mandrake só apareceu por cá, no Mundo de Aventuras, em Outubro de 1950.

Dois anos depois, em Janeiro de 1952, dava entrada nos quiosques portugueses o CavaleiroAndante, dirigido por Adolfo Simões Müller. Simões Müller fora um pioneiro dos quadradinhos em Portugal, com O Papagaio, que fundara em 1935, e depois com o Diabrete.

Tintin em Portugal

Tintin apareceu em Portugal em 1936 no Papagaio, pela mão do padre Abel Varzim, que conhecera o boneco de Hergé em Lovaina, onde se doutorara. Foi adaptado ao colorido local e até colorido localmente, quando os desenhos (e o mundo) ainda eram a preto e branco. Tintin au Congo, de 1930, iria chamar-se aqui Tim-tim em Angola e Tintin en Amérique, a história com que O Papagaio apresentava o repórter em Portugal, Tim-Tim na América do Norte. O primeiro Tintin, Tintin au pays des Soviets, um retrato da Rússia dos sovietes e das suas selvajarias num desenho ainda incerto e grosseiro, não entrou no Papagaio.

George Remi, Hergé (RG), colaborador do jornal Le Vingtième Siècle, pode ter-se inspirado em Léon Degrelle, então repórter do Vingtième, para criar o Tintin. Na segunda metade dos anos 20, Degrelle percorrera o México insurgente dos camponeses católicos, da Cristiada, revoltados contra a política anti-religiosa de Plutarco Elías Calles e escrevera Mes Aventures au Mexique. Vindo, como Hergé, dos Escuteiros e da Acção Católica, Degrelle vai ser o fundador do Rex, um movimento de direita revolucionária e radical que se torna o rosto belga do fascismo. E Degrelle que, em 1934, se dizia próximo de Maurras e Mussolini mas hostil ao nacional-socialismo alemão, acaba na Legião Wallonie dos Waffen-SS.  Um curriculum pouco recomendável para alguém que, em Tintin mon Copain, um livro póstumo, proibido na Bélgica e em França, se reclama o inspirador da personagem de Hergé.

Tintin, como toda a ficção, é susceptível de interpretações políticas e é, por vezes, explicitamente político: do anticomunismo de Tintin au pays des Soviets ao colonialismo paternalista do Tintin au Congo ou ao anti-imperialismo de Le lotus bleu. Não é, assim, de estranhar que Tintin e o seu criador, Hergé, sejam agora um dos muitos alvos da perseguição e da purga da nova polícia da moral e dos bons costumes presentes e passados, sempre atenta às supostas susceptibilidades das suas vítimas de eleição e sempre alheada de tudo o resto.

No contexto histórico do final dos anos 20, princípios dos anos 30, a Europa, ainda e sempre consciente da sua “missão civilizacional”, estava também radicalizada internamente, debatendo-se com “o perigo comunista”, um perigo real que contribuíra à partida para essa mesma radicalização. E o Petit Vingtième, o suplemento juvenil do católico Le Vingtième Siècle, do padre Norbert Wallez, era declaradamente anticomunista: daí que a história pioneira do repórter de Hergé tenha lugar no país dos sovietes.

Tintin e os censores

A incursão de Tintin no Congo Belga, em 1930, apresenta uma imagem de inequívoco colonialismo paternalista, imagem que, logo no imediato pós-guerra, Hergé não deixa de corrigir. E a caçada-massacre de animais selvagens também fere o espírito do nosso tempo, mais tolerante para com outros massacres. De qualquer forma, “os maus” da história não são ali os negros do Congo mas uns gangsters brancos, ligados a Al Capone, que pretendem controlar o comércio de diamantes da colónia.

A história de Tintin no Congo tem, agora, quase cem anos; mas como para os novos apóstolos da higienização histórica e ficcional nunca é tarde para um bom auto de fé, tal não impediu que os álbuns de Hergé fossem recentemente queimados no Canadá.

Todos nós, os que pertencemos à geração que acabou por fazer a transição entre a África colonial, de dominação europeia, e a África independente, estamos conscientes dos clichés que eram então dominantes entre colonizadores e colonizados. Os clichés que pintavam os colonizadores como imaculados civilizadores e os colonizados como seres tribalizados, fragmentados em etnias e clãs, ignorantes, primitivos, infantis, preguiçosos. Mas quem, senão um grande escritor, como Céline, em Voyage au bout de la nuit, ou um Henrique Galvão ou um Castro Soromenho, ou o ocasional missionário ou antropólogo escapava então a estes clichés? Hergé seguia a tradição e a norma que dava aos brancos a superioridade moral e o exclusivo domínio da técnica. Uma tradição agora inconscientemente continuada e exacerbada pelos novos censores, cuja sobranceria moral, a fúria “civilizadora”, o franco arremesso de rótulos, a autocontemplação da própria bondade e o paternalismo para com “as vítimas” a quem se arrogam “dar voz” ultrapassam largamente a cegueira dos antigos “opressores”. E será o que Tintin então fazia no Congo – pregando, leccionando, iluminando, disciplinando, enfim, acordando ou despertando os povos “adormecidos” para valores mais modernos e civilizados – assim tão diferente do que agora fazem grande parte das ONGs?

Não restam dúvidas de que a imagem do antigo feudo do rei Leopoldo, genialmente retratado em toda a sua crueza no Heart of Darkness de Conrad, sai melhorada nos quadradinhos de Tintin. Hergé não fora ao Congo mas visitara o museu de Tervuren. Tinha 23 anos e talvez fosse cedo para aquele exercício fundamental de se pôr na pele do outro e de pensar como experimentaria esse “outro” as nossas bondosas e por vezes insensíveis percepções.

Talvez por isso, num súbito e deslocado ataque de consciência racial e social e com a cega fúria inquisitória e compensatória dos recém-convertidos, o grupo Borders arrumou Tintin au Congo na secção de “leituras para Adultos”. Curiosamente, não foi o que se passou no bem mais pragmático, realista e complacente ex-Congo Belga, o território visado pela história: na antiga Léopoldville, hoje Kinshasa, há restaurantes e ateliers Tintin e os intelectuais locais não mostram especial animosidade em relação ao retrato histórico-fantasista de Hergé. Em Madagáscar há até um Tintin negro.

Assim, em nome da nossa humanidade comum – e curiosidade e ludicidade e desejo de aventura – Hergé e Tintin lá vão sobrevivendo à fúria inquisitória daqueles a quem todos teremos de resistir, sob pena de termos o nosso património comum, da Odisseia à Bíblia, de Dante a Shakespeare, de Dostoiévski a Eça de Queirós, censurado e mutilado pela descoberta de infindáveis “micro-agressões”, “apropriações culturais” e demonstrações de “sexismo” e de “racismo”.

Ao longo de duas dúzias de álbuns, Hergé vai-nos contando histórias, ou seja, vai-se apropriando culturalmente de tudo e de todos e micro-agredindo a torto e a direito, oferecendo matéria de sobra para o entretenimento de várias gerações de jovens dos sete aos setenta e sete anos (incluindo os que agora andam à cata de lenha para o queimarem). Assim, Milou, o cão do eterno e sempre casto adolescente Tintin, do repórter que, como todos os repórteres, não noticia, é colaboracionista como todos os animais vilmente domesticados; o capitão Haddock, fonte inesgotável de palavroso discurso de ódio, é grosseiro e bêbado como todos os capitães; os Dupont, ineficazes e repetitivos como todos os detectives; o professor Tournesol, louco e explosivo como todos os cientistas; o senhor Oliveira da Figueira, vendilhão como todos os portugueses; e os negros, os asiáticos, os esquimós, os índios, os aborígenes, parte da paisagem e mero cenário de aventura como todos os “nativos”.

Neste mundo ou mundos, além das “agressões e apropriações” de que se faz a ficção, há intrigas geopolíticas ou geoeconómicas, como em  Tintin au pays de l’or noir; há desconstrução de tiranias, como nas incursões na Sildávia; e denúncia de autocracias, como com sucessão dos generais Alcazar e Tapioca, representantes do poder pretoriano na Hispanidade.

De um modo geral, Tintin é independente, em termos de direita e de esquerda. É um jovem “europeu” em cruzada divertida por mundos exóticos – balcânicos, africanos, asiáticos e americanos. Ou só um jovem à procura de um mundo maior e confrontado com a diferença. Hergé vai, entretanto, criando personagens que encarnam o bem e o mal, como o sinistro Roberto Rastapopoulos, um capitalista sem alma nem escrúpulos, que começa por aparecer em Tintin en Amérique, que depois trafica ópio no Lotus bleu e que acaba mal no Vol 714 pour Sydney. Ao combatê-lo no Lotus azul, surge um Tintin justiceiro, defensor dos fracos e oprimidos, no caso, vítimas do imperialismo britânico.

Como toda a personagem capaz de ganhar vida e de se tornar universal, Tintin está profundamente enraizado na sua cultura e no seu chão. E o facto de ser claramente “europeu” – confiante na superioridade da ciência e da tecnologia, que, nos dois volumes da viagem à Lua, preparam o feito da NASA – não o impede de respeitar conforme pode e sabe a identidade e a individualidade de culturas que lhe são estranhas e que o fascinam.

Perdido e achado nas traduções

De acordo com o Index Translationum, Les Aventures de Tintin estão no oitavo lugar das obras de expressão francesa mais traduzidas – depois de Jules Verne, Alexandre Dumas, Georges Simenon, René Goscinny, Honoré de Balzac, Charles Perrault e Antoine de Saint-Exupéry.

Esta expansão, fez-se também através da rede dos jornais da Acção Católica na Europa. Em Portugal chegou com o padre Abel Varzim e Simões Muller, no Papagaio, e a primeira experiência das tiras a cores foi portuguesa. Curiosamente, na primeira versão lusitana, Oliveira da Figueira, o comerciante de Les cigares du pharaon, passa a ser espanhol. Não terá sido considerado um bom representante da nossa raça e, pioneiros na deteção da micro-agressão, os tradutores (mas não traidores) portugueses trataram de redireccionar para Espanha o insulto. Também – colónia por colónia e metrópole por metrópole –, em vez de ir ao Congo belga, Tintin começa aqui por ir a Angola, com o mapa da Bélgica substituído pelo de Portugal. O Papagaio publicou oito aventuras de Tintin.

Hoje as aventuras de Tintin estão traduzidas em mais de 80 línguas, dando conta da qualidade e da universalidade do herói e dos seus companheiros de aventura, dos desenhos, dos enredos e, sobretudo, do humor – garantia contra todas as inquisições.

Hergé na Gulbenkian

A Gulbenkian, em colaboração com o Museu  Hergé de Louvain-la-Neuve, tem em exposição, até ao dia 10 de Janeiro, uma selecção de documentos e obras do autor de Tintin, que se dedicou à banda desenhada, mas que também fez publicidade e desenho de moda e se aventurou nas artes plásticas. A mostra chama-se Hergé e vale a pena visitá-la para conhecer ou revisitar o multifacetado criador de Tintin.

Jaime Nogueira Pinto in Observador


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Gouveia e Melo


Chico Alcagoita tem sido muitas vezes acompanhado por Milou nas suas "venturas e desventuras" que são publicadas no blog Largo dos Correios.

Destacamos o episódio 225, de 18/09/2021, onde refere que o Vice-Almirante Gouveia e Melo também é amigo de Haddock.  https://largodoscorreios.wordpress.com/2021/09/18/venturas-e-desventuras-do-chico-alcagoita-duzentos-e-vinte-e-cinco/

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Artigo de opinião de António Araújo

No pasarán

A culpa foi toda de um padre. No dia 9 de Julho de 1931, com tremendo aparato mediático, uma chusma de gente acorreu à Gare du Nord, em Bruxelas, para esperar um jovem repórter acabado de chegar das Áfricas. Na varanda da gare, um adolescente louro, fardado de branco e de chapéu colonial, dirigiu-se à multidão expectante, de megafone em punho, agradecendo-lhe a presença e o apoio nessa sua nova aventura. Nas fotografias da época, vemos crianças de colo, jovens iguais ao repórter, mulheres de sorriso aberto, senhores de chapéus de palhinha. Talvez ele ainda não fosse o fenómeno de popularidade mundial entre os "jovens dos 7 aos 77 anos", como viria a tornar-se mais tarde, mas Tintim já tinha à época uma quantidade apreciável de fãs, que acorreram prontamente ao chamamento do jornal Le Vingtième Siècle. Num golpe de génio, o seu director, o padre Wallez, decidira promover o novo álbum do herói organizando uma grande festa e publicando como suplemento daquela revista um convite para celebrar o regresso de Tintim a casa. A campanha publicitária passou pela contratação do actor Henri De Doncker, um jovem sósia do repórter, e pela oferta de "uma valiosa peça artística congolesa" aos primeiros compradores do livro, além de um cortejo com animais exóticos alugados a um zoo. Não era, contudo, uma novidade absoluta, pois no ano anterior já se ensaiara um regresso hollywoodesco de Tintim à Bélgica, vindo do País dos Sovietes, com um sósia de carne e osso a desembarcar na place Rogier. Agora, no entanto, a coisa funcionou melhor, com mais adesão de público, e Tintin au Congo converteu-se num best-seller juvenil da década de 30, sendo reeditado várias vezes. Em 1934, a editora Casternan assumiu a publicação das obras de Hergé e, dez anos depois, deu-se à estampa a última edição do álbum a preto e branco.

No pós-guerra, em 1946, a obra foi reformulada, sendo expurgada das suas referências colonialistas mais óbvias, e, das 110 páginas originais, a preto e branco, fez-se uma nova edição a cores, com 62 páginas. Nos anos 60, o livro caiu num relativo esquecimento, ante a vaga descolonizadora que então corria o mundo, e, numa entrevista radiofónica de 1966, Hergé explicaria a sua génese, dizendo que Tintin au Congo nascera de uma sugestão do seu patrão da altura, o padre Norbert Wallez, director do jornal católico ultraconservador Le Vingtième Siècle (e um admirador de Maurras e de Mussolini, preso no pós-guerra por colaboracionismo com os nazis...), que se considerava coautor das aventuras de Tintin e que, não por acaso, recebia uma percentagem dos respectivos direitos. Fora dele a ideia de enviar o repórter à Rússia dos sovietes, para denúncia dos males do comunismo, como fora ele que, logo a seguir, instara Hergé a mandar Tintim ao Congo, para promover o esforço dos missionários católicos no território e para despertar novas vocações entre a juventude. Para o efeito, o desenhador muniu-se da literatura de viagens da época, foi à secção de artigos coloniais dos armazéns Bon Marché, passou horas no Museu de Tervueren a copiar os trajes dos Aniota, os "homens-leopardo" que se rebelavam contra o poder dos brancos. O resultado final, como o próprio reconhecerá, foi um álbum "paternalista", mas que só involuntariamente reflectia o espírito colonizador do seu tempo. Na verdade, Tintin no Congo é, inquestionavelmente, uma obra colonialista latu sensu, mas não constitui, de forma alguma, uma apologia militante da dominação belga do Congo, à sombra da qual se tinham cometido atrocidades horríveis num período anterior, o tempo de Leopoldo II e da "febre da borracha", como foi denunciado por muitos, com destaque para Conan Doyle ou por Mark Twain, com O Fantasma do Rei Leopoldo.

Então com 23 anos e em início de carreira, a tentar ganhar a vida como ilustrador de um jornal católico, Hergé passou completamente à margem dessas controvérsias. Diria mais tarde que Tintim no Congo foi um "pecado de juventude", uma fantasia infantojuvenil ligeira, e que, se a pudesse refazer de novo, criaria uma obra inteiramente diferente, desde logo com mais conhecimento da realidade africana. No entanto, e como seria notado pela revista africana Zaïre em 1969, em Tintim no Congo os negros são, na esmagadora maioria dos casos, os bons da fita e o jovem repórter luta, isso sim, contra o mal incarnado pelos brancos. De resto, em livros posteriores, como Coke en stock, de 1958, Hergé denunciara o tráfico negreiro que persistia no mundo e, na reedição de Le crabe aux pinces d'or, saído originalmente em 1940-1941, terá o cuidado de alterar a fisionomia de um dos vilões que atacam o capitão Haddock, que deixou de ser negro para assumir traços caucasianos.

Em Maio de 1970, quando Tintim no Congo foi novamente reeditado, apenas se ouviu uma voz crítica, a do anarquista belga Jan Bucquoy, que denunciou o livro como um "clássico da era colonial" e moldou um busto satírico de Tintim com feições negras. A provocação, no entanto, passaria quase despercebida. A bomba estourou apenas em 2007, quando Steven Spielberg quis fazer uma adaptação cinematográfica das aventuras do jovem repórter. Um advogado de Londres solicitou à comissão britânica para a igualdade racial que proibisse a venda de Tintin no Congo nas livrarias e, apesar da contestação de nomes de vulto, como o do desenhador congolês Barly Baruti, fundador de Afro-BD, a polémica estava lançada. Em Inglaterra, na Austrália, na Nova Zelândia, o álbum foi transferido nas livrarias para as secções de adultos, como se de obra pornográfica se tratasse; em Estocolmo foi intentada, sem sucesso, uma acção judicial para impedir a sua venda; o conselho representativo das associações negras de França considerou o livro "ofensivo", mas não conseguiu que o mesmo fosse imediatamente proibido de circular. Na América, a biblioteca municipal de Brooklyn decidiu retirá-lo das estantes, colocando-o numa secção de reservados, só acessível a investigadores ou a leitores informados, mediante marcação prévia. Na África do Sul, numa decisão equilibrada e sensata, impôs-se que o livro fosse vendido com uma cinta vermelha, advertindo que se tratava de uma obra potencialmente ofensiva para os leitores mais sensíveis. Um jovem congolês que estudava na Bélgica, Bienvenu Mbutu Mondondo, apresentou um queixa-crime contra o livro em Bruxelas, mas uma decisão judicial de 2010 considerou que ele não era uma obra intimidante ou geradora de violência.

Anos antes, em 1975, Hergé aceitara mudar uma das cenas da saga, a pedido do seu editor sueco, redesenhando o episódio bárbaro em que Tintim mata um rinoceronte a golpes de dinamite. O desenhador reconheceria, aliás, que o livro "retratava os africanos com os estereótipos burgueses e paternalistas da época", mas nem isso aplacou uma fúria censória que, note-se, alastrou por contágio mimético em vários pontos do globo, no espaço de poucos meses. Até ao filme de Spielberg, e durante décadas, ninguém se lembrara do "livro racista" de Hergé, que a maioria dos especialistas, de resto, consideram ser uma das suas obras menos conseguidas.

No mundo anglo-saxónico, especialmente nos Estados Unidos, Tintim no Congo é hoje um proscrito: à última hora, o editor norte-americano desistiu da sua publicação e a colecção das aventuras de Tintim é vendida e publicitada como se aquele título maldito nunca tivesse existido. Noutros países, e no que parece ser uma decisão sensata, o livro é comercializado envolto em celofane, com uma advertência sobre o seu conteúdo. Para esta solução muito contribuiu a prudência da justiça: na Bélgica, concluiu-se que a obra, podendo ofender alguns, não merecia ser proibida de circular numa sociedade livre, tal qual a literatura pornográfica e escandalosa ou as caricaturas de Maomé; na Suécia, o procurador-geral mandou arquivar uma queixa contra o livro de Hergé baseando-se num argumento formal, a prescrição do delito, mas dizendo, ainda assim, que a obra se encontrava protegida pelo princípio da liberdade de expressão - o que não impediu a biblioteca infantil da Kulturhuset, de Estocolmo, de a retirar das suas estantes, em Setembro de 2011, gesto que abriu um amplo debate no país, o "Tintim-gate".

Descrita ao pormenor num informativo livrinho das Éditions Moulinsart, as mesmas que publicam as aventuras de Hergé (Tintin au Congo de Papa, 2012), a história de Tintim no Congo é, apesar de tudo, uma história feliz, pois demonstra que, mesmo no seio da mais acesa polémica, é possível encontrar soluções moderadas e de compromisso, não enveredando por proibicionismos muito típicos no nosso tempo.

Há dias, soube-se que, no Ontário, no Canadá, as autoridades fizeram uma purga nas bibliotecas escolares, destruindo mais de 5000 mil livros, entre os quais de Tintim, Astérix e Lucky Luke, considerados "racistas" e "ofensivos para os povos autóctones". Foram ainda destruídas diversas enciclopédias e outros títulos, fazendo-se, à boa maneira da Inquisição ou do nazismo, fogueiras a céu aberto, a que os imbecis chamaram "cerimónias de purificação pelas chamas". As "cerimónias" tiveram lugar à porta de cada escola, para que os alunos vissem ao vivo e pudessem participar num gesto de barbárie que, doravante, mancha irreparavelmente a imagem do Canadá no mundo. A coisa, parece, não ficará por aqui, pois a comissão inquisitorial ainda só analisou metade das obras sob escrutínio, num total de 200 títulos suspeitos. Por outro lado, a pandemia atrasou algumas das "cerimónias" pirómanas, que irão recomeçar em breve (outras notícias dão conta de que os trabalhos foram suspensos sine die). E, como uma imbecilidade nunca vem só, o conselho escolar do Ontário decidiu usar as cinzas da chacina no plantio de árvores que simbolizassem um "país inclusivo onde todos podem viver em prosperidade e segurança". Num país onde se queimam livros, fazendo disso espectáculo, nada nem ninguém pode viver em segurança. A responsável por tudo isto, uma idiota de nome Suzy Klies, acabou vitimada pelas novas leis de Nuremberga e teve de se demitir há dias do conselho dos povos autóctones quando se descobriu afinal que... não tinha sangue autóctone a correr-lhe nas veias.

Todas as semanas surgem notícias cada vez mais aterradoras sobre os desmandos da cultura woke: censuras, proibições, policiamentos do discurso, destruições de estátuas, vandalismos no espaço público, académicos voluntariamente castrados, intelectuais cobardes, amedrontados, incapazes de resistirem à primeira provocação (como sucedeu, por exemplo, no lamentável episódio das traduções dos poemas de Amanda Gorman). Devemos combater o neofascismo cultural com o mesmo vigor com que enfrentamos os extremismos políticos, de direita ou de esquerda, pois eles são em tudo iguais, absolutamente idênticos no seu propósito de destruição da democracia liberal em que vivemos e da sociedade tolerante que tanto nos custou a erguer. É tempo de percebermos, de uma vez por todas, que André Ventura e Mamadou Bá são gémeos da mesma estirpe, têm ambos o mesmo intuito de provocar e de insultar, de semear ódios que impeçam o diálogo moderado, as soluções de bom senso e consenso. Por muito que se digam ou julguem diferentes, um e outro são iguaizinhos no pulsar tirânico − e, por isso, nossos mortais inimigos.

Para António José Cabral, com muita amizade

António Araújo (Historiador), Diário de Notícias, 18 Setembro 2021

EXTRA (2020)

Não há coincidências? Poças, só há. Ontem, no dia de aniversário de António Cabral, o maior tintinólogo que conheço (além de uma pessoa extraordinária, claro), no dia do aniversário de António Cabral, dizia, surgiu a notícia de que o original do Lótus Azul, de Hergé, foi descoberto num caixote ou caixa ou lá o que é e vai ser leiloado em grande, com previsões de 3 milhões. Não tendo, de momento, disponibilidade para oferecer um presente tão vultuoso, junto envio a imagem acima, que não é o original mas imita bem e até anda lá perto, tão perto como o meu abraço, de parabéns e muita amizade (quanto ao mais, é só imprimir, recortar e emoldurar)

António Araújo, Malomil, 23/07/2020

Meu caríssimo António Araújo. Muito obrigado! Cheguei a uma idade em que aceito, sem hesitar, o que se diga de bem a meu respeito, mesmo que seja exagerado, quiçá imerecido, como é o caso.

Gosto imenso do Lotus Bleu. Das várias edições que me fazem companhia gosto especialmente da primeira, a preto e branco com extra-textos de cores deslumbrantes, uma assinada pelo Hergé e pelo Tchang, quando se encontraram em Bruxelas em 1981 e a do nosso "O Papagaio", algo iconoclasta mas belíssima.

Abraço muito apertado deste seu amigo, agora muito sensibilizado

António C

António José Cabral, 23 de julho de 2020

https://malomil.blogspot.com/search?q=herg%C3%A9


quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Conversas À Quinta


Programa semanal da Rádio Observador moderado por José Manuel Fernandes e com os comentadores Jaime Nogueira Pinto e Jaime Gama. Pode ser ouvido em podcast em https://observador.pt/programas/conversas-2/

A emissão do dia 07/10/2021 teve por tema "Tintin, Hergé: as nossas infâncias são eternas".

«Tintin está em Lisboa numa exposição e nós viajámos até ao seu mundo com muitas recordações de como conhecemos o pequeno herói (e o seu Milou) e algum debate sobre as controvérsias da vida de Hergé.»

https://observador.pt/programas/conversas-2/tintin-herge-as-nossas-infancias-sao-eternas

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Tintin, um grande belga

Graças à ambição desmedida de Leopoldo II, que agiu a título individual, a pequena Bélgica acabou por se dotar, no final do século XIX, de um enorme império colonial, a atual República Democrática do Congo, também conhecida por ex-Zaire ou por antigo Congo Belga. E enquanto, até 1908, o território foi propriedade pessoal do monarca, sob o nome de Estado Livre do Congo, ganhou fama de exercer uma violência sobre as populações africanas que batia a de qualquer outra colónia detida por europeus. O lucro era o objetivo, e quase tudo valia para se maximizar esse lucro, como afirma o americano Robert Harms, autor do agora publicado em Portugal Terra de Lágrimas, uma história da colonização da África Equatorial, em grande medida o tal Estado Livre do Congo.

Entrevistei Harms na mesma semana em que em Lisboa aconteceu a inauguração de uma exposição dedicada a Tintin. Eternamente jovem, irreverente e corajoso, o jornalista criado por Hergé continua a convencer geração após geração: veja-se as vendas dos livros, o sucesso dos filmes e até mesmo a popularidade da memorabilia, comprada em Bruxelas ou mundo fora numa qualquer livraria especializada em BD. Ora, Tintin no Congo, segundo livro da série, já chegou a ser criticado por infantilizar os africanos, e Hergé foi acusado de ser racista, o que acabou por ser resolvido por um tribunal belga, que se pronunciou contra a proibição de reeditar o título e enquadrou o autor na sua época - 1931 foi o ano da primeira edição. Triunfou o bom senso, foi a conclusão então, de alívio, e felizmente Tintin pode continuar a ser apreciado em toda a sua genialidade. Que o diga a Gulbenkian, que tem já bilhetes esgotados para alguns dos próximos dias. Portugal, onde Tintin teve a primeira tradução, é um país rendido ao repórter de poupa loira.

Uma palavra para a pátria de Leopoldo II e de Tintin, perdão, de Hergé, essa Bélgica que por vezes parece tão frágil, ameaçada pelo secessionismo flamengo, mas que é um país pujante, seja pela economia, seja pela cultura, e que empresta à Europa a sua capital como capital também do continente. Com uma população semelhante à portuguesa, mas num terço do território, está hoje nas 25 maiores economias do mundo e dentro do grupo dos 15 países com maior índice de desenvolvimento humano, segundo as estatísticas das Nações Unidas.

Constituída por valões, de língua francesa, flamengos, que falam neerlandês, e ainda uma pequena comunidade de língua alemã, a Bélgica moderna nasceu na primeira metade do século XIX, mas a sua história é bem mais antiga, com os próprios romanos a identificarem os habitantes como diferentes dos gauleses, a sul. Por ironia, dois mil anos depois nem sempre essa diferença é percebida, a ponto de um grande nome da chamada chanson française ser Jacques Brel, belga nascido em Schaerbeek, na região de Bruxelas.

Hergé, de seu verdadeiro nome Georges Remi, conseguiu que Tintin fosse sempre reconhecido como belga. E ele próprio, de pai valão e mãe flamenga, encarna muito bem a belgicidade que seria uma pena acabasse vítima do nacionalismo dos ricos.

Um dia escrevi um artigo com o título "A rainha heroína dos belgas filha de uma portuguesa". Tratava da história de Isabel da Baviera, bisavó do atual rei Filipe, uma monarca que resistiu à invasão alemã na Primeira Guerra Mundial e salvou judeus na Segunda. O avô dela era D. Miguel, a mãe D. Maria José de Bragança. Hoje realço antes o marido de Isabel, o rei Alberto I, pelo que fez pelo seu país em 1914: recusou o ultimato alemão para deixar passar as tropas que invadiriam a França contornando as defesas gaulesas; depois de violada a neutralidade do seu país, encabeçou a resistência e permaneceu numa parcela de território nunca tomada pelo inimigo; figurou entre os vencedores quando a Primeira Guerra Mundial terminou, em 1918.

Alberto I era sobrinho de Leopoldo II e deu uma nova aura à coroa e à Bélgica. Morreu em 1934, ano da edição de Os Charutos do Faraó, o quarto álbum de Tintin, onde surge o nosso Oliveira da Figueira.

Leonídio Paulo Ferreira in DN

sábado, 2 de outubro de 2021

Hergé no Expresso e Público

  


Público, Suplemento Ypsilon, 1 de Outubro de 2021


Expresso, Revista E, 1 de Outubro de 2021

Exposição Hergé na Fundação Calouste Gulbenkian

 



















Catálogo da Exposição Hergé em Portugal

 No âmbito da exposição Hergé, a decorrer na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, foi editado a  versão portuguesa do Catálogo da exposição, contendo uma surpreendente separata intitulada "Hergé em Portugal".



Hergé (Catálogo de exposição), Moulinsart/Fundação Calouste Gulbenkian, 48 + separata "Hergé em Portugal", cor, capa dura, 15€