sábado, 27 de agosto de 2022

Revisitar um clássico: A Estrela Misteriosa

A verdade é que, quando fiz a trouxa para o mês e meio que iria passar fora de Lisboa, atendendo a várias actividades de formação, fui bastante exagerado na provisão de livros a ler. Para além de uma volumosa história de Cristóvão Colombo, o genovês, da autoria do historiador Luís Filipe F. R. Thomaz, com um delicioso subtítulo – Meu Tio por afinidade – ainda acrescentei um muito interessante estudo histórico-jurídico paterno sobre A Sucessão da Casa e Ducado de Aveiro, uma recente publicação da Editora 2020, Os judeus de Pio XII, de Johan Ickx, e um romance de Camilo Castelo Branco: mais de 1.500 páginas, no total!

Não obstante a abundante literatura trazida de casa, ao chegar ao Caramulo deparei-me com um clássico a que não consegui resistir: L’Étoile mystérieuse, de Hergé, em francês, numa primorosa edição Casterman! Sim, mais uma das muitas aventuras de Tintin, que deliciaram inúmeras gerações de jovens e menos jovens, dos 7 aos 77 anos.

A história resume-se em breves palavras: um meteorito incandescente, que ameaçava colidir com o nosso planeta, provocando a sua destruição, desintegra-se e um troço deste desconhecido minério cai no oceano polar ártico. Ao mesmo tempo que se organiza uma expedição científica internacional – em que não falta um português: “o Prof. Pedro João dos Santos, célebre físico da Universidade de Coimbra” – que se propõe resgatar esse estranho material, que pretende investigar, outra embarcação dirige-se para o local da queda, com o intuito de capturar esse mineral para fins perversos. Nesta luta entre o bem e o mal desenvolve-se a aventura que é, por esse motivo, especialmente aliciante e pedagógica, sobretudo para os mais novos, não fosse o protagonista uma espécie de jovem escuteiro empenhado em fazer boas acções!

Ante uma noite de verão extraordinariamente quente – na altura ainda não se falava de aquecimento global, nem de alterações climáticas! – Tintin apercebe-se de que a elevada temperatura, que até derrete o alcatrão, se deve à insólita proximidade de uma estrela misteriosa, que avança vertiginosamente em direcção à Terra. Apavorado com a ocorrência, dirige-se para o Observatório Astronómico, onde é confirmada a hipótese da destruição mundial. Felizmente, os cálculos astronómicos estavam errados e a fatal colisão não acontece. Contudo, na sua iminência, um tal Philippulus, o Profeta, percorre as ruas da cidade anunciando o fim do mundo e espalhando o terror. Tintin não cede à demagogia do falso profeta e, quando o ouve gritar, sob as janelas da sua casa, aproveita para lhe refrescar as ideias com a água de um jarro despejado, em cheio, na sua generosa careca.

O divertido episódio fez-me lembrar que, também agora, não faltam profetas da desgraça: primeiro eram os que anunciavam o arrefecimento do planeta, depois foram os do aquecimento global, mais tarde optou-se por uma expressão menos comprometedora e mais abrangente – as alterações climáticas – mas sempre no mesmo tom alarmista que, felizmente, a ciência não só não confirma como desmente. Com certeza que a preocupação ambiental faz parte da Doutrina Social da Igreja, mas o sensacionalismo de alguns meios de comunicação social, que tão depressa falam de uma iminente catástrofe, como depois a esquecem – quem fala hoje do buraco do ozono?! – é injustificado e contraproducente: recorde-se a conhecida história de Pedro e o lobo.

As personagens das aventuras do Tintin não são ídolos, mas seres humanos cujas fragilidades são simpáticas. Hyppolyte Calys, o director do Observatório Astronómico, ao descobrir um novo metal, apressa-se a dar-lhe o seu nome, numa divertida alusão à vaidade a que também não são imunes os mais consagrados cientistas. O próprio Capitão Haddock, não obstante a sua bravura de velho lobo do mar, é uma figura contraditória: apesar de presidente da Liga dos Marinheiros Antialcoólicos, é um assíduo consumidor de bebidas espirituosas! Contudo, está longe de ser um hipócrita de refinada duplicidade: é, como todos nós somos também, uma boa pessoa, com defeitos que nem sempre consegue ultrapassar e, por isso, mais do que o desprezo que provocam os fariseus, merece a compaixão de que carecem os fracos.

Quando, depois de inúmeras peripécias, o L’Aurore está prestes a chegar ao local em que caiu o meteorito, para onde também se dirige, a todo o vapor, o Peary, o concorrente barco inimigo, uma mensagem de rádio chega ao Capitão Haddock: um navio, nas imediações, enviou um urgente pedido de socorro. Consternado, o capitão convoca os sábios que integram a expedição científica para os pôr a par da situação. Os cientistas são unânimes no seu parecer: o interesse científico deve ceder ante uma emergência humanitária e, por isso, o barco deve-se desviar da sua rota, para ir ao encontro da embarcação em perigo. Felizmente, Tintin descobre que era um falso SOS, lançado pelo Peary para que, desviando L’Aurore do seu rumo, chegasse primeiro à meta.

Quando se levanta um generalizado coro de impiedosos justiceiros laicos, que querem apedrejar a Igreja pelos crimes de pedofilia dos seus sacerdotes, mas nada fazem contra a chaga dos abusos de menores em tantos outros âmbitos da sociedade, é inevitável pensar que, também agora, os que mais invocam a moral são, muitas vezes, os que menos a praticam. E talvez não seja temerário pensar que também querem assim desviar a barca de Pedro do seu fim, que é a salvação das almas pela proclamação do Evangelho, que é verdade e vida. Nestes tempos de furiosa perseguição anticristã, são também necessários jornalistas isentos que denunciem essa hipocrisia.

Quando Tintin parte, no hidroavião, em direcção ao meteorito, o Milou começa a ladrar desalmadamente. O capitão tenta sossegá-lo, garantindo-lhe o regresso próximo do seu dono. Note-se: do dono! Não é o papá, nem a mamã, nem o cão tem nome de gente, nem ninguém lhe pega ao colo: é cão, tem nome de cão, tem trela e tem dono! Bons tempos aqueles, em que os cães eram cães, tinham nomes de cães e não de pessoas, tinham dono e não papás, nem mamãs, tinham trela e estavam bem cuidados, porque basta haver bom-senso para tratar bem os animais domésticos, que também são dons de Deus.

Uma das características do meteorito, a boiar no oceano ártico, é a forma acelerada como nele se desenvolvem todos os seres vivos. Tintin, ao ver que uma pequena aranha se transforma num bicho imenso, exclama, apavorado: “Senhor, que monstro!”. Uma oração? Talvez, ou então, simplesmente, uma interjeição, que expressa uma convicção universal: a de que, ante uma urgência, o ser humano sente a necessidade de apelar ao Criador. É curioso como o nome de Jesus Cristo é tão frequentemente invocado, nem sempre respeitosamente, nas grandes produções norte-americanas, que não primam pelos valores religiosos e morais. Mesmo que dito inconscientemente, esta referência recorda o cunho essencialmente cristão da civilização ocidental que, apesar de descristianizada em muitos dos seus actuais costumes, mantém ainda uma explícita referência a Cristo, a quem deve o que de melhor tem.

Quando as vagas oceânicas ameaçam submergir o aerólito, onde Tintin espera o hidroavião que o há-de resgatar, o repórter, arriscando a vida, retrocede, para deixar a bandeira da expedição científica sobre o seu cume. Idealismo? Decerto, mas essa é, precisamente, a principal missão dos heróis: a de nos recordar que vale bem a pena dar a vida por um ideal, que vale a pena correr riscos pela verdade, que vale a pena o patriotismo, que vale a pena lutar por um mundo mais justo. Mas a melhor aventura é, sem dúvida, a dos bem-aventurados que tudo deixaram, e perderam, pela glória de Deus e o amor dos irmãos.

Padre Portocarrero in Observador, 20.08.2022

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Triângulo Jota - O Olhar Do Dragão

"O Olhar Do Dragão" é o nome de um livro de Álvaro Magalhães".

Foi também o primeiro episódio da série "Triângulo Jota" (RTP, 2005), baseada nos livros de Álvaro Magalhães. No episódio aparece um estandarte com um desenho que parece saído dos livros de Hergé.





terça-feira, 16 de agosto de 2022

Tintin e o Coronel Esponja


Irmão mais novo de Georges Rémi (Hergé), Paul Rémi foi sobretudo conhecido pela sua carreira militar, tendo-se destacado - e feito prisioneiro - durante a Segunda Guerra Mundial o que, entre outras coisas, teve por consequência que o seu irmão artista negociasse com Adolfo Simões Muller a publicação de Tintin em Portugal, país neutro no conflito, contra o pagamento em géneros sobretudo alimentícios, que seriam expedidos do nosso país para o campo de prisioneiros onde Paul estava aprisionado - e de onde se tentou evadir mais que uma vez!

Naturalmente não tão brilhante autor como Hergé, deixou-nos 3 livros - que igualmente ilustrou - recentemente reeditados - Les Chevaux du Major, Petite Histoire de l'Equitation, e En Selle!, versando sobre o tema que os títulos sugerem!
 
Ao que consta, Paul Rémi era um homem mulherengo, cavaleiro de primeira ordem, algo conflituoso de linguagem viva, o que em parte se reflecte na criação do Capitão Haddock; mas, se os irmãos não mantinham uma grande cordialidade entre eles, devido sobretudo às posições de cada um durante o já referido conflito bélico, Hergé não se inspirou no irmão apenas para o troculento capitão: nunca escondeu que, aquando da criação do personagem Tintin, "copiou" gestos e atitudes do irmão mais novo para o desenho e personalidade do jovem repórter. Bem mais tarde, em meados dos anos 50, voltou a retratar o mano na personagem do Coronel Sponz. Quem conheceu Paul Rémi dizia que eram flagrantes dele com o coronel stalinista (perdão, plexzigladista!) Nos desenhos desse vilão podemos reconhecer um Tintin algo corrompido pela idade e pela vida, mas mantendo o nariz ponteagudo e arrebitado, a poupa, agora morena e acachapada, e o rosto eternamente oval...

Para terminar, refiro que Paul Rémi figura, ao lado do próprio Hergé e da sua mulher Germaine, (além de Jacobs e Van Melkebeke, amigos e colaboradores pontuais do autor), na famosa Recepção Real (página 59) do livro O Ceptro de Ottokar, onde é uma notória "fusão" pictórica de Tintin e Sponz, quase sugerindo que o (nessa aventura) ainda jovem Sponz era um militar Syldavo, que futuramente passaria para o campo Borduriano...
 

 

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Serer

A revista Tintin abriu as suas páginas a outros autores, menos experientes,  mudando a sua política na divulgação da banda desenhada de autores portugueses, mas que tiveram a sua oportunidade de publicação. No número 40 do 14º ano, em 13 de fevereiro de 1982, foi publicado "Agarrem esse rabisco!" de Serer.

https://colecionadordebd.blogspot.com/2014/11/autores-portugueses-na-revista-tintin-2.html

Une courte histoire dessinée par Serer dans le journal "Tintin" Portugais numéro 40 du 13 février 1982. Il y a beaucoup de héros du quotidien donc, Blake et Mortimer...

https://www.centaurclub.com/forum/viewtopic.php?f=99&t=3874&p=54673&hilit=serer#p54673

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Castafiore


Espectáculo apresentado em 11 de dezembro de 2021 e 8 de janeiro de 2022 aquando da exposição da Gulbenkian:

Partindo do único personagem feminino da banda desenhada "As aventuras de Tintim" - a diva Bianca Castafiore, que canta ad eternum a famosa ária das jóias da ópera "Fausto" de Gounod, propõe-se evocar e desconstruir a figura da Diva e a sua própria caricatura – a diva que perdeu a noção do tempo e do mundo, recusando-se a sair do seu pedestal. 

Ironicamente, no nosso mundo, caiu mesmo do pedestal e perdeu a aura que a envolvia, pois o paradigma do cantor de ópera mudou completamente e a figura da Diva sofreu nas últimas décadas um processo de desconstrução, quem sabe voltará a estar em voga. Diva procura-se!

Ópera do Castelo

11 Dez 2021 e 8 Jan 2022 - Fundação Calouste Gulbenkian

CASTAFIORE Performance por Catarina Molder

Auditório 2, 16h,17h e 18h

Duração: 15 m

Catarina Molder: Soprano, concepção e co-criação

Tânia Carvalho: Direção cénica, desenho de luz e co-criação

André Hencleeday: Piano preparado e co-criação

Nuno da Rocha: Assessoria musical


quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Droga de Rock


O livro "Droga de Rock" de Jorge Lima Barreto (1986) contou com a colaboração de Pedro Morais na parte da BD. Numa das ilustrações aparece Klaus Nomi junto a um cartaz com Bianca Castafiore.

https://semdatamarcada.blogspot.com/2008/02/274-droga-de-rock.html