quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Tintim Na Lousã

É perfeitamente dispensável, quando se fala de Tintim, referir atitudes cheias de selecta paixão, como o fez Hergé por suas próprias palavras, a respeito de algumas qualidades do seu herói: “… o heroísmo, a coragem, a sinceridade, a malícia e o desembaraço”.

Tintim não usa porta-moedas, não preenche declarações de IRS, não tem horário de trabalho e, se sai de casa, não deixa atrás de si preocupações ou compromissos de pais, irmãos ou avós. Não é adepto de nenhum clube de futebol, não tem religião e, como se tudo isto fosse pouco, também não é casado nem sequer tem namorada.

Por tudo isso, Tintim entra no domínio da abstracção, do encantamento distanciado de quem se dá ao luxo de ignorar toda a realidade e arredores. Por arredores quero eu dizer: o amor, o compromisso, a dor, o sacrifício e todas as outras coisas que – diz-se – fazem da vida uma coisa que merece ser vivida. E no entanto… quem não tenha mergulhado numa aventura de Tintim com toda a alegria desprendida deste mundo que atire a Hergé a primeira pedra.

Na minha família mais chegada já vamos na terceira geração de tintinófilos e, atendendo à idade de oitenta anos a que chegou o herói, não é possível pedir mais à tintinófilia familiar. Com uma grande diferença: quando eu era miúdo esperava uma semana longamente ansiosa por mais uma magnífica prancha de saborosas aventuras. Os meus filhos já se regalavam com um álbum inteiro de cada vez, Natais, aniversários, etc. 

Quanto ao Senhor meu neto, recebeu de uma vez todos os álbuns que havia disponíveis na livraria, com encomenda feita dos números que faltavam. Depois queixamo-nos que a juventude é consumista, que exagera nas suas reivindicações e que é insolente: nós é que temos a culpa. Sirva-nos como indulgência o facto de ter mergulhado com entusiasmo na leitura real e dedicada dos álbuns da primeira à última página, o que não deixa de ser obra num petiz que apenas agora começa os seus anos de escola e já domina com gosto a arte da leitura. De quem é a virtude? da arte de Hergé, não tenhamos quaisquer dúvidas.

Tintim funciona agora como funcionou no passado em tudo aquilo que tem de mais deliciosamente eficaz. Não faz falta a este breve escrito definir com rigor o que foi e é o fenómeno Tintim. Tomo a liberdade de falar apenas de uma obra que fiz com carinho paternal, isto é, uma tela com 0,75 m x 0,85 que ilustra a meu modo a noção da “linha clara”, a fórmula plástica que terá sido reinventada na Bélgica para as histórias de quadradinhos. 

Representa vinheta e meia da prancha número 25 do álbum “O caso Girassol”, ofereci-o ao meu filho mais velho, para pôr no seu quarto, em 1981, e está bem guardado na cave das recordações afectivas de toda a família.

Digo reinventada porque, nada havendo de novo sob o sol, já muitas artes antigas visitaram com lucidez esse mundo pitoresco que Hergé também nos oferece, como documento vivo e palpitante de coisas, pessoas e paisagens que faz do nosso mundo aquilo que ele é no quem tem de melhor e, às vezes, de menos bom. Limito-me a referir, muito de passagem a arte fabulosa das estampas japonesas e dos desenhos da Pérsia, da Índia, da China e de tantos outros mundos conhecidos e desconhecidos.


“Last but not the least”, não esqueçamos outros atributos inerentes à figura do ladino repórter que não tem que se maçar a escrever notícias. Sendo uma espécie de cavaleiro andante de causas bem intencionadas, está muito longe dos super-heróis que as histórias de quadradinhos produziram às toneladas. É baixito, tem uma fraquíssima figura, as miúdas não lhe ligam bóia e – embora seja praticamente invulnerável a toda a espécie de acidentes sérios – não se livra, de vez em quando, de levar umas boas tareias!… 

Valha-nos o mito para acreditarmos que há em nós o fermento da divindade e que, se for intenso o talento de sonhar, também podemos um dia ir por uma ribanceira abaixo e levantarmo-nos logo de seguida para lutar por uma causa desinteressada, seja ela a mais acidental.

Quem não salva a alma com muito terá de salvá-la com pouco e a alegria infantil é um universo cheio de virtudes que todos deveríamos saber habitar, para proveito e consolo de toda a nossa humanidade.

Costa Brites

texto e ilustração foram publicados na Revista de informação do SBC, no número de Jan/Fev de 2009. (acrílico sobre tela de 0,75 x 0,85, copiado de HERGÉ, L’Affaire Tournesol, prancha 25, por Costa Brites, 1981)

https://conteudos.sibace.pt/revista/revista_009.pdf


sábado, 10 de dezembro de 2022

Dossier Centenário de Hergé - BDjornal


BDjornal #19 (junho/julho 2007)

O BDjornal surge em novo formato (275 x 205 mm) e com mais páginas (76) e em impressão digital – capa em cartolina de 200 grs. plastificada brilhante e com papel do miolo de 115 grs. - agora com tiragem limitada e distribuição centrada nas lojas da especialidade, apostando decididamente em reforçar o número dos assinantes. O preço de capa é de € 6,00 e a assinatura por 1 ano (6 números) é de € 30,00.

(...)

À habitual crónica de José Carlos Fernandes, QUATRO APARIÇÕES SOBRENATURAIS, desta vez ilustrada por ele próprio, juntamos nesta edição um texto de David Soares, A ILUSÓRIA INVISIBILIDADE*, sobre a importância do argumentista na banda desenhada e que deverá ser matéria de reflexão obrigatória para autores ou candidatos a autores.

Não querendo deixar passar em branco o facto de este ano ser o do Centenário de Hergé, num pequeno dossier reunimos matéria um pouco diferente daquilo que tem sido publicado ultimamente nos media a propósito das celebrações centenárias do criador de Tintin.

Destaca-se à partida a entrevista, por Pedro Cleto, com Ana Bravo, a autora do livro/tese A INVISIBILIDADE DO GÉNERO FEMININO EM TINTIN – A CONSPIRAÇÃO DO SILIÊNCIO, que promete vir a dar muito que escrever nestas páginas (ver o que sobre este livro dizem José Carlos Fernandes e Pedro Vieira de Moura). Juntámos ainda algumas notas de Geraldes Lino sobre Hergé e as apreciações de Pedro Vieira de Moura a duas edições sobre Tintin e o seu criador.

Prosseguindo o seu DICIONÁRIO UNIVERSAL DE BANDA DESENHADA – PEQUENO LÉXICO DISLÉXICO, Leonardo De Sá apresenta neste número a continuação das letras E e F, que ainda continuarão no próximo BDj. De Leonardo De Sá apresenta-se ainda um texto sobre o CENTENÁRIO DE ANTÓNIO CARDOSO LOPES (TioTónio). Por outro lado Sara Figueiredo Costa escreve sobre DOIS LIVROS DE ANDRÉ LEMOS e João Miguel Lameiras apresenta um texto sobre um curioso livro da série DAMPYR, da casa Bonelli, passado em Portugal, com o título Lo Sposo della Vampira.

E para além das críticas de Pedro Cleto e das notícias variadas de Clara Botelho, três BDs curtas merecem destaque: O TIGRE E O RATO, de Ruben Lopez, O REGRESSO DO AMOK VERDE, de Álvaro e a prancha O MENINO REMI, de Pedré... ou seja, de Pedro Alves, no início do Dossier Hergé.

Das bandas desenhadas em continuação, saliente-se que chega ao fim o 2º Capítulo de BRK e chamamos a atenção para o facto de SEXO, MENTIRAS E FOTOCÓPIAS, a BD de Álvaro, que tinha vindo a ser publicada de modo a poder ser destacada e coleccionada, ter perdido essa característica. Com a alteração do formato, não fazia sentido continuar a publicá-la da mesma forma.

SUMÁRIO

4. A BANDA DESENHADA NA PLANÍCIE ALENTEJANA, J.Machado-Dias
6. ENTREVISTA COM DAVID B., Nuno Franco
8. ENCONTROS DE STO. TIRSO COM POUCA BD, Clara Botelho + UM FESTIVAL ASSUMIDAMENTE MICRO, Mário Freitas
9. QUATRO APARIÇÕES SOBRENATURAIS, José Carlos Fernandes
10. A ILUSÓRIA INVISIBILIDADE, David Soares
13. DICIONÁRIO UNIVERSAL DE BANDA DESENHADA, Leonardo De Sá
15. VALORES SELADOS – RONALD SEARL – 2, Nuno Franco
16. OS 20 MELHORES FRANCO-BELGAS DE 2007 (1º SEMESTRE), Clara Botelho
17. BD – O TIGRE e O RATO, Ruben Lopez
23. BD – BRK, Filipe Pina (arg.) e Filipe Andrade (des.)

30. BD – O MENINO REMI, Pedro Alves (Pedre, Toonman)

31. HERGÉ 1907/2007 – ECOS DO CENTENÁRIO, Clara Botelho

32. TINTIN É UMA OBRA PERFEITA, entrevista de Pedro Cleto com Ana Bravo

34. NOTAS SOBRE HERGÉ, Geraldes Lino

35. TINTIN NO TERTÚLIA BDZINE, J. Machado-Dias

36. HERGÉ, Pedro Vieira de Moura

37. TINTIN AND THE SECRET OF LITERATURE, Pedro Vieira de Moura

43. BD – O REGRESSO DO AMOK VERDE, Álvaro
47. BD – OS MONÓLOGOS MONÓTONOS DE UM VAGABUNDO, Hugo Teixeira
53. NOTAS SOBRE DOIS LIVROS DE ANDRÉ LEMOS, Sara Figueiredo Costa
54. DAMPYR EM PORTUGAL, João Miguel Lameiras
56. CRÍTICAS, Pedro Cleto
60. COLECCIONISMO & BD, Pedro Cleto
61. FANZINE – EFEMÉRIDE #2, Geraldes Lino
62. LANÇAMENTOS INTERNACIONAIS, Clara Botelho
64. MANGÁ EM CRISE NO JAPÃO? Clara Botelho
66. ECOS DO FESTIVAL DE CANNES, Clara Botelho
70. A PROPÓSITO DO CENTENÁRIO DE CARDOSO LOPES (TIOTÓNIO), Leonardo De Sá

COLABORAÇÕES – Clara Botelho, Dâmaso Afonso, David Soares, Geraldes Lino, João Miguel Lameiras, José Carlos Fernandes, Mário Freitas, Nuno Franco, Paulo Monteiro, Pedro Cleto, Pedro Vieira de Moura e Sara Figueiredo Costa.

AUTORES DE BANDAS DESENHADAS E ILUSTRAÇÕES – Álvaro, José Carlos Fernandes, Filipe Andrade (des.), Filipe Pina (arg.), Hugo Teixeira, Pedro Alves e Ruben Lopez.

(*) O texto de David Soares surgiu cortado (faltam 5 linhas na página 11, 3ª coluna, 4º parágrafo) por um acidente de montagem.

in KUENTRO - 27/07/2007

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A Aventura da Banda Desenhada


"As Minhas Aventuras Na República Portuguesa", com texto de Miguel Esteves Cardoso e desenhos de Jorge Colombo, é uma banda desenhada publicada em 28/04/1989 no suplemento "Vida 3" do jornal "O Independente". MEC aparece transformado em Tintim quando refere que comprou livros do nosso herói e não os conseguiu ler. 

sábado, 26 de novembro de 2022

A Porta da China

Pedro Rolo Duarte é o jornalista responsável pelo suplemento DNa que o Diário de Notícias inclui na sua edição de Sábado.

E sem qualquer pré-aviso, não é que, subitamente, no dia 24 de Julho de 1999, P.R.D. faz publicar naquele suplemento que dirige a primeira parte (32 páginas), de uma banda desenhada intitulada A PORTA DA CHINA. E para aguçar o apetite do leitor, bedéfilo ou não, nada mais nada menos que uma capa a cores com o título Macau, acompanhada da legenda: A PORTA DA CHINA, PRIMEIRA PARTE DE UMA HISTÓRIA EM BANDA DESENHADA INÉDITA, EXCLUSIVA, NO ANO DERRADEIRO DA PRESENÇA OFICIAL DOS PORTUGUESES NO TERRITÓRIO.

Note-se que a edição aparece no grande formato 39x27,5 cm, o que valoriza imenso o grafismo, tipo linha clara, em que foi realizada esta excelente banda desenhada.

O seu autor é Paulo Carmo, pintor, 36 anos de idade, e desconhecido até agora no mundo da BD. Na realidade, esta sua estreia faz-se com uma banda desenhada que tinha na gaveta desde 1992. A história que ele conta em dois episódios - Macau, parte I e A Porta da China, parte II - passa-se, obviamente, naquele território.

O herói da história é o jornalista Reinaldo Neves que, de súbito, se deixa envolver numa trama policial onde entra a máfia que domina o sub-mundo do jogo, e onde se movem algumas interessantes personagens que vale a pena conhecer: Laura Lay Lee, uma charmosa morena; Suzana, uma outra rapariga, desta vez loura (com um rosto e um cabelo que lembra o estilo de Milo Manara), esta desaparecida e que é preciso encontrar; James Ray, um americano, conhecimento recente do nosso amigo jornalista, que o ajuda a desembaraçar-se de furiosos perseguidores; e, como não podia deixar de ser, também participa um adivinho, que sabe muita coisa, mas que se chama Nou Sei.





Escusado será dizer que qualquer bedéfilo que se preze, se não comprou tem de comprar os exemplares de 24 e 31 de Julho do Diário de Notícias (passe a publicidade), visto que os dois episódios que compõem a banda desenhada são destacáveis e encadernáveis. UM LUXO INVULGAR! Vê-se que o responsável pelo DNa fez aquilo que muitas vezes desejou que lhe fizessem: uma bd que se poderá guardar como peça rara.


Paulo Carmo 1992 publicado em 1999 no DNa. Com cheiro a Lotus azul e visita do Sr. Georges Remi. (imagens e descrição de Marcelo Andrade)

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

José Ruy

Faleceu José Ruy (1930-2022).

«Já com 4 páginas a mais na revista [Tintin], embora com impressão só a preto e branco, o Dinis Machado ficou com mais espaço para poder anunciar as histórias que iam substituindo as que acabavam entretanto. Deu-me carta-branca para essas apresentações.

Acontece que nas variadas peripécias que aconteciam na redação, por vezes (muitas vezes) caricatas e de grande comicidade, em dez segundos eu riscava num papel a situação, caricaturando a cena, sempre com uma legenda adequada. O Dinis Machado achou que seria interessante passarmos a fazer o mesmo nessas apresentações das histórias.

(...)

Nesta história dos «Charutos do Faraó», substituímos os balões com a frase atribuída a cada um, por hieróglifos. O Henrique Trigueiros tinha uma espiga, o Dinis Machado tinha o machadinho, eu tinha o Coquer, o Vasco Granja que exibia diariamente uma nova gravata ultrapassando-se nos mais inimagináveis padrões, deixava-a pender das ligaduras de múmia e o Mário Correia espalhava todo o conteúdo da sua pasta de couro, concorrente à «Caixa de Pandora». Gostava de tirar partido dos contrastes existentes entre nós, principalmente entre a diminuta altura do Mário Correia e do «pé direito» do Vasco Granja. O António Ramos sempre a ligar, ou a tentar fazê-lo, para a Lombard, a Maria Quirino preocupada com os contratos e à procura do sítio em que os tinha guardado da última vez, o Luís Nazaré a saborear o seu cafezinho, o que ia repetindo ao longo do dia, e o Mário Correia com a sua pasta a despejar mais coisas do que a sua capacidade estimada.»

Apresentação Tintin: Os Charutos do Faraó - 1972
BDBD

Lembramos aqui também um artigo que José Ruy publicou com as peripécias para a ida, em 1958, à Exposição Universal e Internacional em Bruxelas. Numa das fotografias podemos ver o stand dedicado a Tintin.

Bloguedebd



terça-feira, 8 de novembro de 2022

Tintim contra Bush


Odeio o Bush! arghhh! Granda camelo FDP! (perdão aos dromedários e afins), desenho de 2003 como se pode ver. (Gonçalo Pena)

http://goncalopena2.blogspot.com/2008/04/tintim-contra-bush.html


domingo, 30 de outubro de 2022

Desenho de Zé Manel

 


https://www.facebook.com/groups/413955410681748/search/?q=dedicat%C3%B3ria

Marcelo Andrade 25/09/2022 (Tertúlia Bdzine de 1999)

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Com Um Escaldão

O Alberto Quintas, que é um designer do caraças e também um rapaz muito tímido, está sempre a ceder-me alguns dos seus bonecos para eu fazer vistaço na minha página e ganhar muitos likes à conta dele no Facebook. Seria uma injustiça se eu não citasse as fontes.

Esta manhã o Quintas decidiu criar uma nova capa para o "Tintim em Lisboa Com Um Escaldão" que de certa forma contrariasse a capa diluviana do "Tintim em Lisboa" que circulou há uma semana pelo Facebook (cuja capa não era do Quintas). 

Já fui censurado aqui uma vez por ter postado uma foto de dois turistas a tomarem banhos de sol em pelota no Cais das Colunas em Lisboa. Ao publicar esta capa do Tintim em topless arrisco-me a ser novamente admoestado pela administração. Mas também posso dizer que a culpa é do Quintas.

MC Somsen, 20 de Outubro de 2014  · 

2011

https://www.flickr.com/photos/divingbetweentherocks/5643137095/

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Variantes - Uma homenagem à BD portuguesa

«Desde aquela que é considerada a primeira BD Portuguesa (Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro Sobre a Picaresca Viagem do Imperador do Rasilb Pela Europa) em 1872, até ao fim do século XX, com Tu És a Mulher da Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos, dos jovens João Fazenda e Pedro Brito em 2000, este livro traça um percurso pelas bandas desenhadas produzidas em Portugal, e homenageia criadores e personagens, numa tentativa de realçar momentos e autores que se foram destacando pela qualidade e significado, numa arte que teima em persistir, mesmo não existindo no contexto nacional».

É assim - em tom de provocação - que Júlio Eme, editor deste projecto inédito começa por apresentar o livro colectânea que se propõe fazer a devida homenagem à BD portuguesa, concretizada numa obra extensa, atenta, representativa da diversidade da 9º arte nacional até ao ano de 2000. Variantes – Homenagem a BD Portuguesa começa desde logo com a descoberta de Bordallo Pinheiro como precursor de uma aventura com muitos nomes a destacar a partir daí. Mesmo enfrentando a difícil penetração num mercado que teima em não se abrir, apesar do reconhecimento internacional e prémios.

http://biblobd.blogspot.com/2022/09/variantes-uma-homenagem-bd-portuguesa.html

 "O Boneco Rebelde" de Sérgio Luiz era uma versão portuguesa de Tim-Tim que aparecera três anos antes em "O Papagaio" e entra nas três folhas iniciais da primeira aventura do Boneco Rebelde. No livro "Variantes - Uma Homenagem à BD portuguesa" aparece uma homenagem de Paula Cabral ao Boneco Rebelde com a recriação desse encontro com o herói belga.



sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Tintin Anual

Foram publicadas cinco revistas anuais, entre Dezembro de 1974 e Dezembro de 1978. A primeira "Tintin Anual" apresenta uma capa interessante onde se pode ver Tintin, Milou, Haddock, Prof. Girassol e Dupond & Dupont junto aos destaques da edição.


Mais informação no blog dedicado à Revista Tintim:

Os Tintins Anuais!

Capas de revistas "Tintin" com as aventuras de Tintin e outras em que aparece na capa.

https://tintinofilo.weebly.com/portugal1.html







sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Algarve 1973

 

No site de leilões Delcampe está à venda uma fotografia a preto e branco com uma criança a ler um exemplar da revista Tintin.

Legenda:  Ilha do Farol, Olhão, Agosto de 1973

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Maria João Marques enquanto tintinóloga


Ora o Tintin é um assunto sério para mim. Se calhar na minha biografia/apresentação aqui da Capital Mag devia constar o epíteto de ‘tintinóloga’ – e com toda a justiça e falta de modéstia, porque sou. A minha devoção por este tema é tal que quando casei as mesas tinham nomes das personagens dos livros do Tintin.

Em minha casa pululam artefactos with all things Tintin. Desde um bule (a que infelizmente já parti a tampa e agora serve de jarra de flores) com umas impressões do Tintin e do Capitão Haddock no fundo do mar e no submarino-tubarão de "O Tesouro de Rackham, o Terrível". (Mas ainda permanecem duas chávenas de chá, as chávenas de café e duas leiteiras. Ufa.) Tenho mais umas chávenas de chá de outra fornada mais recente, que a loja da Avenida de Roma mandou vir de propósito para mim, estas com desenhos dos "Charutos do Faraó" em tons sépia. Os miúdos, quer gostem ou não, têm vários quadros [no quarto] do Tintin. E nem sequer são quadros normais como os posters das capas dos livros – isso toda a gente tem. São uma série de quatro gravuras com partes dos desenhos do "Ceptro de Ottokar" e, a pièce de résistance, uma pintura em pastel misturado com uma gravura do Tintin na Lua que comprei ao autor na loja de brinquedos ao pé do Romerberg em Frankfurt. E mais umas (numerosas) coisas.

Além, claro, dos livros com a banda desenhada que tenho em casa, por vezes repetidos. E de livros sobre os livros do Tintin. Afinal Hergé, o autor, é um artista de mão cheia. A ligne claire, a sua forma de desenhar, merece ser apreciada por si mesma. E é um autor e um contador de história de primeira água. O ritmo da narrativa agarra-nos, as histórias são inteligentes, Hergé chegou mesmo ao ponto de desenhar um livro inteiro em que não se passa nada ("As Jóias de Castafiore") – e que delícia que é, tal a mestria do desenhador.

É certo que os primeiros três livros são de uma falta de densidade avassaladora (tanto que por muitos anos "Tintin no País dos Sovietes" não voltou a ser editado). Mas os livros finais vão ganhando nuance, profundidade, ativismo, desencanto.

Nada o ilustra tanto como "Tintin e Os Pícaros", o último livro da série. Aquele em que Tintin, Haddock e Girassol viajam para um país ditatorial da América Latina (que na altura eram praticamente todos) para salvarem Bianca Castafiore, prisioneira do ditador General Tapioca. Para lograrem o objetivo mudam o regime: o novo ditador será o General Alcazar. Mas a mudança política deixa a miséria do país exatamente na mesma. O último quadradinho do livro mostra o avião dos amigos a levantar, visto de uma lixeira onde as famílias mais pobres viviam (uma realidade sul-americana de então; cresci a ouvir falar das pessoas que viviam nas lixeiras de Lima), com os arranha-céus da cidade rica ao longe no horizonte. O quadradinho é em tudo igual ao da chegada de avião, mudam apenas as fardas dos guardas que policiam os favelados das lixeiras.

Mas também existiu ativismo. "Carvão no Porão" denuncia a escravatura de africanos. "O Lótus Azul", passado na China aquando da invasão japonesa de 1937, é um livro político. Os japoneses são mostrados como brutais e até a saída do Japão da S.D.N. lá consta. Hergé foi acusado de ter escrito um livro com mensagem política pouco adequada para dar a ler às criancinhas. E há outros casos.

A Alemanha nazi e, mais tarde, a União Soviética são representadas pela Bordúria, a primeira n’"O Ceptro de Ottokar", a segunda no "Caso Girassol". Neste livro, em plena guerra fria, com os bordurienses-soviéticos a tentarem apoderarem-se de uma arma poderosa descoberta pelo pacífico e distraído Girassol.

Além da presença da política e da História nos livros de Tintin, as personagens que Hergé criou, aparentemente simples, estão longe de lineares. Tintin, um repórter que nunca se vê a fazer reportagens, não hesita em usar o alcoolismo de Haddock quando pretende manipulá-lo para o convencer. Haddock, claro, é um alcoólico nunca totalmente recuperado, que se sente indisposto quando bebe um copo de água (em "O Caranguejo das Tenazes de Ouro"), e que nos diverte com a invenção de uma lista infindável de insultos virulentos.

O que falta nos livros de Tintin são as mulheres. Existem poucas, sempre longe de atraentes, autoritárias, levemente assustadoras. Certamente algumas observações psicanalíticas poderiam advir deste facto. Mas eu, que não sou apoiante de obliterar as obras passadas que não mostrem (nem poderiam mostrar) a moral e os valores do início do século XXI, pendo mais para a inserção de Hergé dentro da sua época, até para evidenciar como estes apagamentos das mulheres são incorretos e injustos e empobrecedores. Hergé mostra o  mundo quando se considerava que todo o espaço visível e público era naturalmente só ocupado por homens. E, na verdade, é bom para usar como caricatura da atualidade. A ausência de mulheres nas chefias e administrações das empresas (por todo o mundo), a falta de representação das mulheres no poder político, a naturalidade com que se excluem as mulheres de eventos mediáticos (a quantidade de painéis inteiramente masculinos, da política às conferências aos programas de televisão)  faz-nos corar de vergonha alheia. Não estamos assim tão distantes de Hergé.

No entanto a vida de Hergé com as mulheres aparece nos livros. O divórcio e o segundo casamento, que provocaram uma crise no católico George Remi (o nome verdadeiro) originaram "Tintin no Tibete", uma das melhores histórias de amizade da literatura, com desenhos ou não. O branco das neves do Tibete são uma procura de pureza por Hergé; e a busca incessante de Tchang (o amigo chinês cujo avião se havia despenhado) por Tintin, uma prova da lealdade que Hergé quebrara com a primeira mulher. Atualmente ainda há quem pretenda que deve chegar, que devemos aparecer apenas desta forma indireta, afinal as mulheres que se expõem publicamente não se podem queixar se lhes atirarem lama, em boa verdade os homens têm o direito ancestral de insultar mulheres sem consequências e a ficarem muito ofendidos se as mulheres tão somente descrevem a realidade a uma luz que lhes é desfavorável.

No ponto das mulheres, Hergé e Tintin são um ótimo ‘not to’ para mostrar. Mas mostre-se, e leia-se. Pelos desenhos e a arte da ligne claire, pela representação dos países onde Tintin teve as suas experiências, pelo que se aprende da História, pelo humor, até por serem um testemunho histórico da forma como se viam determinados grupos na sociedade. E porque são livros que falam de amizade e lealdade e da procura do Bem.

Maria João Marques / Capital Mag, 11/01/2019

É cronista do Público e escreve ocasionalmente ensaios sobre livros e leituras na Ler. Já foi blogger e cronista do Observador e Diário Económico.


EXTRA

«Talvez ainda não se tenha percebido por aqui, mas eu sou uma tintinóloga – não no sentido de expert em Tintin, sabe-se só o que se consegue, mas de consumidora de tudo relacionado com o Tintin, além dos livros da gloriosa série, dos livros sobre a gloriosa série e dos livros sobre o criador da gloriosa série. O meu bule preferido (e já sabem que o chá é um assunto vital) e usado quase todos os dias é em porcelana de Limoges com desenhos do Tesouro de Rackam (as chávenas e a leiteira têm figuras diferentes, mas o bule mostra o Capitão Haddock montado no submarino inventado pelo Girassol depois de inevitavelmente cair do bote para a água na volta da inspecção da ilha do tesouro e ser resgatado em posição duvidosa pelo mencionado submarino). O meu hall tem umas preciosas gravuras do Tintin, emolduradas em azul e verde (que na mudança de casa vão para o quarto do meu filho) do Ceptro de Ottokar e do Lótus Azul. Também há cá em casa um quadro que mostra Tintin no seu fato espacial cor-de-laranja na lua, juntamente com o Milou, numa muito bonita junção de uma impressão de um poster e pintura a pastel, comprada em Frankfurt naquela loja de brinquedos no Romerberg, ao empregado da loja que pintava aqueles quadros e era, inevitavelmente, outro tintinólogo (e que nunca mais encontrei lá na loja, apesar de ter insistido). Por fim, e só para verem o tamanho da tara, as mesas do meu casamento tiveram nomes dos personagens do Tintim. A minha mesa respondia ao nome, claro, de Capitão Haddock, uma das personagens mais geniais de sempre.»

Blog Farmácia Central, 01/11/2008

«O único livro em francês que me dei ao trabalho de ler foi o das entrevistas do Numa Sadoul ao Hergé. E, claro, de tempos a tempos tenho de regressar aos livros para saborear as piadas com o talho Sanzot, as confusões acústicas de Girassol, os disfarces dos Dupondt, as diabruras de Abdallah, a maldade (crescente) de Rastapopoulos, a invasão japonesa da China, os vilões, os terroristas do Irgun (que, em edição posterior, foram renomeados), a passagem da Bordúria de um estado parecido com a Alemanha nazi a outro semelhante à URSS estalinista. E as quedas e desgraças sortidas e palavrões de Haddock, a sua tentativa de se tornar um gentleman farmer depois da descoberta do tesouro de Rackham e da recuperação de Moulinsart, as fugas da Castafiore, as fúrias com o mundo inteiro. Haddock – esse bêbado recuperado pela amizade de Tintin, que não hesitava em manipulá-lo, quando necessário, com uma módica dose de álcool. E, para mim, os livros de Tintin são sobretudo isso, livros sobre a amizade – o melhor livro sobre amizade que já li foi o Tibete, o livro psicanalítico que Hergé escreveu para expiar a culpa que sentia pelo seu divórcio – tanto melhores por não serem amizades perfeitas, mas amizades com zangas, incompreensões, fúrias, manipulações, necessidades de distância, segredos, teimosias.»

O Insurgente, 10/01/2014

A - referências encontradas em artigos de opinião:

«Escolho o livro Tintin e os Pícaros. Lá, Tintin planeia e implementa um golpe de estado que leva o General Alcazar a presidente. A condição que coloca a Alcazar é de, quando no governo, não fuzilar os anteriores governantes nem os seus apoiantes, o que gera discussões acesas com o truculento aspirante. Depois do golpe, o próprio General Tapioca, o presidente deposto, protesta por não ser fuzilado, sente-se desonrado e termina partilhando um desabafo com Alcazar contra os idealistas como Tintin.»

Sobre o General Alcazar, perdão, António Costa - Observador, 11/11/2015

«Nenhum bom pai ou mãe de família resiste a uma eloquente história de amizade. Sabem quem retratou bem amizades? Hergé, com a amizade entre Tintin e o Capitão Haddock ou o jovem chinês Tchang. Para os amigos do mundo animal podemos também incluir Milou, que prescinde uma vez ou outra de roer uns saborosos ossos para ajudar Tintin.»

Lindas histórias de amizade e amor familiar – Observador, 14/06/2017

B - e no facebook:

«Hoje, apesar do pouco frio, pareci[a] o milionário Carreidas, que até nos trópicos tinha de andar agasalhado e se constipava. Foi com certeza punição divina (de uma Hera invejosa, ou por aí) do vestido de alças e das sandálias do fim de semana e da vaporosa túnica de ontem.»

Facebook, 21/04/2015

«E mais um quadradinho do Voo 714. Um que eu adoro: quando Rastapopoulos e Carreidas discutem qual dos dois é detentor de maior ruindade. (E eu prefiro pessoas assim aos sonsos que gostam de apregoar as suas bondades.)»

Facebook, 21/04/2015

«A esquerda por estes dias parece os Dupondt perdidos no deserto, andando em círculos intermináveis e julgando que afinal encontraram um trilho muito requisitado. Só que a esquerda sabe que está a andar às voltas - o objetivo é mesmo não ir a lado nenhum - e está convencida que os outros (que são imbecis) estão também dispostos a ficarem ano após ano às voltas sem irem a lado nenhum, que não notam a mais que evidente vontade de continuarem exatamente com o mesmo percurso (porque têm pavor do possível destino e da viagem), e nem percebem que as supostas tentativas para acertar com o caminho foram nada mais que mentiras encenadas para enganar os tolos. Nunca é tarde de mais para desejar boa viagem e deixar esta gente a andar às voltas enquanto finge que quer ir a algum lado. Sozinha. (E que se atole na areia, é o que desejo.)»

Facebook, 21/02/2015

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Rádio Klow não fala verdade



Texto: Hélder A.

Desenhos: pampam (Pedro Morais)

Cadernos Politika! nº 3, Maio 1989 (Edições Avante / JCP)


Duas das imagens já tinham aparecido em http://tintinemportugal.blogspot.com/2020/03/pastiches-de-pedro-morais.html

sábado, 27 de agosto de 2022

Revisitar um clássico: A Estrela Misteriosa

A verdade é que, quando fiz a trouxa para o mês e meio que iria passar fora de Lisboa, atendendo a várias actividades de formação, fui bastante exagerado na provisão de livros a ler. Para além de uma volumosa história de Cristóvão Colombo, o genovês, da autoria do historiador Luís Filipe F. R. Thomaz, com um delicioso subtítulo – Meu Tio por afinidade – ainda acrescentei um muito interessante estudo histórico-jurídico paterno sobre A Sucessão da Casa e Ducado de Aveiro, uma recente publicação da Editora 2020, Os judeus de Pio XII, de Johan Ickx, e um romance de Camilo Castelo Branco: mais de 1.500 páginas, no total!

Não obstante a abundante literatura trazida de casa, ao chegar ao Caramulo deparei-me com um clássico a que não consegui resistir: L’Étoile mystérieuse, de Hergé, em francês, numa primorosa edição Casterman! Sim, mais uma das muitas aventuras de Tintin, que deliciaram inúmeras gerações de jovens e menos jovens, dos 7 aos 77 anos.

A história resume-se em breves palavras: um meteorito incandescente, que ameaçava colidir com o nosso planeta, provocando a sua destruição, desintegra-se e um troço deste desconhecido minério cai no oceano polar ártico. Ao mesmo tempo que se organiza uma expedição científica internacional – em que não falta um português: “o Prof. Pedro João dos Santos, célebre físico da Universidade de Coimbra” – que se propõe resgatar esse estranho material, que pretende investigar, outra embarcação dirige-se para o local da queda, com o intuito de capturar esse mineral para fins perversos. Nesta luta entre o bem e o mal desenvolve-se a aventura que é, por esse motivo, especialmente aliciante e pedagógica, sobretudo para os mais novos, não fosse o protagonista uma espécie de jovem escuteiro empenhado em fazer boas acções!

Ante uma noite de verão extraordinariamente quente – na altura ainda não se falava de aquecimento global, nem de alterações climáticas! – Tintin apercebe-se de que a elevada temperatura, que até derrete o alcatrão, se deve à insólita proximidade de uma estrela misteriosa, que avança vertiginosamente em direcção à Terra. Apavorado com a ocorrência, dirige-se para o Observatório Astronómico, onde é confirmada a hipótese da destruição mundial. Felizmente, os cálculos astronómicos estavam errados e a fatal colisão não acontece. Contudo, na sua iminência, um tal Philippulus, o Profeta, percorre as ruas da cidade anunciando o fim do mundo e espalhando o terror. Tintin não cede à demagogia do falso profeta e, quando o ouve gritar, sob as janelas da sua casa, aproveita para lhe refrescar as ideias com a água de um jarro despejado, em cheio, na sua generosa careca.

O divertido episódio fez-me lembrar que, também agora, não faltam profetas da desgraça: primeiro eram os que anunciavam o arrefecimento do planeta, depois foram os do aquecimento global, mais tarde optou-se por uma expressão menos comprometedora e mais abrangente – as alterações climáticas – mas sempre no mesmo tom alarmista que, felizmente, a ciência não só não confirma como desmente. Com certeza que a preocupação ambiental faz parte da Doutrina Social da Igreja, mas o sensacionalismo de alguns meios de comunicação social, que tão depressa falam de uma iminente catástrofe, como depois a esquecem – quem fala hoje do buraco do ozono?! – é injustificado e contraproducente: recorde-se a conhecida história de Pedro e o lobo.

As personagens das aventuras do Tintin não são ídolos, mas seres humanos cujas fragilidades são simpáticas. Hyppolyte Calys, o director do Observatório Astronómico, ao descobrir um novo metal, apressa-se a dar-lhe o seu nome, numa divertida alusão à vaidade a que também não são imunes os mais consagrados cientistas. O próprio Capitão Haddock, não obstante a sua bravura de velho lobo do mar, é uma figura contraditória: apesar de presidente da Liga dos Marinheiros Antialcoólicos, é um assíduo consumidor de bebidas espirituosas! Contudo, está longe de ser um hipócrita de refinada duplicidade: é, como todos nós somos também, uma boa pessoa, com defeitos que nem sempre consegue ultrapassar e, por isso, mais do que o desprezo que provocam os fariseus, merece a compaixão de que carecem os fracos.

Quando, depois de inúmeras peripécias, o L’Aurore está prestes a chegar ao local em que caiu o meteorito, para onde também se dirige, a todo o vapor, o Peary, o concorrente barco inimigo, uma mensagem de rádio chega ao Capitão Haddock: um navio, nas imediações, enviou um urgente pedido de socorro. Consternado, o capitão convoca os sábios que integram a expedição científica para os pôr a par da situação. Os cientistas são unânimes no seu parecer: o interesse científico deve ceder ante uma emergência humanitária e, por isso, o barco deve-se desviar da sua rota, para ir ao encontro da embarcação em perigo. Felizmente, Tintin descobre que era um falso SOS, lançado pelo Peary para que, desviando L’Aurore do seu rumo, chegasse primeiro à meta.

Quando se levanta um generalizado coro de impiedosos justiceiros laicos, que querem apedrejar a Igreja pelos crimes de pedofilia dos seus sacerdotes, mas nada fazem contra a chaga dos abusos de menores em tantos outros âmbitos da sociedade, é inevitável pensar que, também agora, os que mais invocam a moral são, muitas vezes, os que menos a praticam. E talvez não seja temerário pensar que também querem assim desviar a barca de Pedro do seu fim, que é a salvação das almas pela proclamação do Evangelho, que é verdade e vida. Nestes tempos de furiosa perseguição anticristã, são também necessários jornalistas isentos que denunciem essa hipocrisia.

Quando Tintin parte, no hidroavião, em direcção ao meteorito, o Milou começa a ladrar desalmadamente. O capitão tenta sossegá-lo, garantindo-lhe o regresso próximo do seu dono. Note-se: do dono! Não é o papá, nem a mamã, nem o cão tem nome de gente, nem ninguém lhe pega ao colo: é cão, tem nome de cão, tem trela e tem dono! Bons tempos aqueles, em que os cães eram cães, tinham nomes de cães e não de pessoas, tinham dono e não papás, nem mamãs, tinham trela e estavam bem cuidados, porque basta haver bom-senso para tratar bem os animais domésticos, que também são dons de Deus.

Uma das características do meteorito, a boiar no oceano ártico, é a forma acelerada como nele se desenvolvem todos os seres vivos. Tintin, ao ver que uma pequena aranha se transforma num bicho imenso, exclama, apavorado: “Senhor, que monstro!”. Uma oração? Talvez, ou então, simplesmente, uma interjeição, que expressa uma convicção universal: a de que, ante uma urgência, o ser humano sente a necessidade de apelar ao Criador. É curioso como o nome de Jesus Cristo é tão frequentemente invocado, nem sempre respeitosamente, nas grandes produções norte-americanas, que não primam pelos valores religiosos e morais. Mesmo que dito inconscientemente, esta referência recorda o cunho essencialmente cristão da civilização ocidental que, apesar de descristianizada em muitos dos seus actuais costumes, mantém ainda uma explícita referência a Cristo, a quem deve o que de melhor tem.

Quando as vagas oceânicas ameaçam submergir o aerólito, onde Tintin espera o hidroavião que o há-de resgatar, o repórter, arriscando a vida, retrocede, para deixar a bandeira da expedição científica sobre o seu cume. Idealismo? Decerto, mas essa é, precisamente, a principal missão dos heróis: a de nos recordar que vale bem a pena dar a vida por um ideal, que vale a pena correr riscos pela verdade, que vale a pena o patriotismo, que vale a pena lutar por um mundo mais justo. Mas a melhor aventura é, sem dúvida, a dos bem-aventurados que tudo deixaram, e perderam, pela glória de Deus e o amor dos irmãos.

Padre Portocarrero in Observador, 20.08.2022

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Triângulo Jota - O Olhar Do Dragão

"O Olhar Do Dragão" é o nome de um livro de Álvaro Magalhães".

Foi também o primeiro episódio da série "Triângulo Jota" (RTP, 2005), baseada nos livros de Álvaro Magalhães. No episódio aparece um estandarte com um desenho que parece saído dos livros de Hergé.





terça-feira, 16 de agosto de 2022

Tintin e o Coronel Esponja


Irmão mais novo de Georges Rémi (Hergé), Paul Rémi foi sobretudo conhecido pela sua carreira militar, tendo-se destacado - e feito prisioneiro - durante a Segunda Guerra Mundial o que, entre outras coisas, teve por consequência que o seu irmão artista negociasse com Adolfo Simões Muller a publicação de Tintin em Portugal, país neutro no conflito, contra o pagamento em géneros sobretudo alimentícios, que seriam expedidos do nosso país para o campo de prisioneiros onde Paul estava aprisionado - e de onde se tentou evadir mais que uma vez!

Naturalmente não tão brilhante autor como Hergé, deixou-nos 3 livros - que igualmente ilustrou - recentemente reeditados - Les Chevaux du Major, Petite Histoire de l'Equitation, e En Selle!, versando sobre o tema que os títulos sugerem!
 
Ao que consta, Paul Rémi era um homem mulherengo, cavaleiro de primeira ordem, algo conflituoso de linguagem viva, o que em parte se reflecte na criação do Capitão Haddock; mas, se os irmãos não mantinham uma grande cordialidade entre eles, devido sobretudo às posições de cada um durante o já referido conflito bélico, Hergé não se inspirou no irmão apenas para o troculento capitão: nunca escondeu que, aquando da criação do personagem Tintin, "copiou" gestos e atitudes do irmão mais novo para o desenho e personalidade do jovem repórter. Bem mais tarde, em meados dos anos 50, voltou a retratar o mano na personagem do Coronel Sponz. Quem conheceu Paul Rémi dizia que eram flagrantes dele com o coronel stalinista (perdão, plexzigladista!) Nos desenhos desse vilão podemos reconhecer um Tintin algo corrompido pela idade e pela vida, mas mantendo o nariz ponteagudo e arrebitado, a poupa, agora morena e acachapada, e o rosto eternamente oval...

Para terminar, refiro que Paul Rémi figura, ao lado do próprio Hergé e da sua mulher Germaine, (além de Jacobs e Van Melkebeke, amigos e colaboradores pontuais do autor), na famosa Recepção Real (página 59) do livro O Ceptro de Ottokar, onde é uma notória "fusão" pictórica de Tintin e Sponz, quase sugerindo que o (nessa aventura) ainda jovem Sponz era um militar Syldavo, que futuramente passaria para o campo Borduriano...
 

 

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Serer

A revista Tintin abriu as suas páginas a outros autores, menos experientes,  mudando a sua política na divulgação da banda desenhada de autores portugueses, mas que tiveram a sua oportunidade de publicação. No número 40 do 14º ano, em 13 de fevereiro de 1982, foi publicado "Agarrem esse rabisco!" de Serer.

https://colecionadordebd.blogspot.com/2014/11/autores-portugueses-na-revista-tintin-2.html

Une courte histoire dessinée par Serer dans le journal "Tintin" Portugais numéro 40 du 13 février 1982. Il y a beaucoup de héros du quotidien donc, Blake et Mortimer...

https://www.centaurclub.com/forum/viewtopic.php?f=99&t=3874&p=54673&hilit=serer#p54673

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Castafiore


Espectáculo apresentado em 11 de dezembro de 2021 e 8 de janeiro de 2022 aquando da exposição da Gulbenkian:

Partindo do único personagem feminino da banda desenhada "As aventuras de Tintim" - a diva Bianca Castafiore, que canta ad eternum a famosa ária das jóias da ópera "Fausto" de Gounod, propõe-se evocar e desconstruir a figura da Diva e a sua própria caricatura – a diva que perdeu a noção do tempo e do mundo, recusando-se a sair do seu pedestal. 

Ironicamente, no nosso mundo, caiu mesmo do pedestal e perdeu a aura que a envolvia, pois o paradigma do cantor de ópera mudou completamente e a figura da Diva sofreu nas últimas décadas um processo de desconstrução, quem sabe voltará a estar em voga. Diva procura-se!

Ópera do Castelo

11 Dez 2021 e 8 Jan 2022 - Fundação Calouste Gulbenkian

CASTAFIORE Performance por Catarina Molder

Auditório 2, 16h,17h e 18h

Duração: 15 m

Catarina Molder: Soprano, concepção e co-criação

Tânia Carvalho: Direção cénica, desenho de luz e co-criação

André Hencleeday: Piano preparado e co-criação

Nuno da Rocha: Assessoria musical


quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Droga de Rock


O livro "Droga de Rock" de Jorge Lima Barreto (1986) contou com a colaboração de Pedro Morais na parte da BD. Numa das ilustrações aparece Klaus Nomi junto a um cartaz com Bianca Castafiore.

https://semdatamarcada.blogspot.com/2008/02/274-droga-de-rock.html

terça-feira, 26 de julho de 2022

Tintim no Século XXI

A imagem apresenta três [das várias] homenagens incluídas no fanzine Efeméride nº 4 (2009) e apresentadas depois na exposição "Novas Aventuras de Tintim no Século XXI Criadas por Autores Portugueses" que esteve patente de 25 de Janeiro a 25 de Março de 2014 no Espaço Tintin - Av. de Roma, 39A - Lisboa.

11. Augusto Trigo colabora no fanzine Efeméride no nº4, Janeiro de 2009, dedicado ao tema "Tintim no Século XXI", a criar integralmente um bem imaginado episódio, O Exemplar Único, metendo-se a ele e ao seu amigo faneditor GL, outra vez como personagens.

12. Hercê, Uma Aventura Ilegal

13.  Antero Valério - no episódio de bd curta, de prancha única, intitulado "A Mala Azul", que faz parte da obra de BD colectiva "Tintim no Século XXI", publicada no fanzine Efeméride, editado em Janeiro de 2009

ESTA imagem foi publicada em 10/01/2019 no site da TSF no artigo "Parabéns, Tintin: 90 anos de aventuras, mas também polémicas" assinado por Carolina Rico. Noventa anos depois da sua primeira aparição, leitores de todas as idades continuam a ler as aventuras de Tintin.

Fotos Orlando Almeida/Global Imagens

https://www.tsf.pt/cultura/parabens-tintin-90-anos-de-aventuras-mas-tambem-polemicas-10414539.html

Efeméride, fanzine editado por Geraldes Lino, dedicou o seu nº 4 ao Tintin, com o título Tintin no século XXI

Nº 4 - Tintin no Século XXI - Data da edição: Janeiro de 2009

https://tintinofilo.weebly.com/pastiches.html

Editor - Geraldes Lino

http://divulgandobd.blogspot.com

http://fanzinesdebandadesenhada.blogspot.com

http://geraldeslino.interdinamica.pt

*

EXPOSIÇÃO

NOTÍCIA NO BLOG "BD NO SOTÃO" DE ANDRÉ AZEVEDO

"Novas Aventuras de Tintim no Século XXI Criadas por Autores Portugueses" é o título da exposição de BD que está patente no Espaço Tintin (Av. de Roma, 39A – Lisboa) até 25 de Março de 2014.

A exposição é organizada pelo incansável Geraldes Lino e tem como base o seu fanzine Efeméride onde autores nacionais reinventam algumas das personagens clássicas da BD no séc. XXI como é o caso da célebre personagem criada por Hergé.

http://agaragem2014.blogspot.pt/2014/02/tintim-no-seculo-xxi-por-autores.html

Comentários a esse blog:

Caro Amigo André Azevedo

Muito grato pelas suas palavras elogiosas a meu respeito. Também lhe endereço uma palavra de admiração pelo facto de estar tão atento a tudo quanto mexe na BD, que até se apercebe de pequenos eventos como é a exposição que organizei com as pranchas da obra colectiva "Tintin no Século XXI", publicada no meu fanzine Efeméride.

Grande abraço,

GL

Geraldes Lino, 27 de fevereiro de 2014 às 01:01

Meu caro amigo,

Eu é que agradeço a atenção que sempre deu e continua a dar aqui ao BD no Sótão. Para mim significa muito e é algo de que me orgulho!

Quanto à exposição é pena que não possa vir até ao Porto...

…ou será que pode?

André Azevedo,28 de fevereiro de 2014 às 10:34

Porque não? É tudo uma questão de se conjugarem três factores: 1) Haver espaço para a exposição; 2) Marcar uma data não coincidente com outros eventos bedéfilos; 3) Não colidir com compromissos meus.

Geraldes Lino,1 de março de 2014 às 01:21

segunda-feira, 4 de julho de 2022

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Tintin nas galés


Parece que Tintin, meu amigo de infância, vai ser julgado num tribunal belga por um alegado crime de "racismo" praticado em 1931 com a publicação das suas aventuras no Congo, narradas e desenhadas por um tal George Prosper Remi, a.k.a Hergè.

Acusa-o, apoiado pelas ruidosas tropas do politicamente correcto, um tal Bienvenu Mbutu Mondondo, nascido 40 anos depois de "Tintin no Congo" ser publicado, que acha a obra "atentatória da sua imagem" porque, nela, "os congoleses" (e não as personagens do livro) são apresentados como "preguiçosos" e "estúpidos". 

Ora ele é congolês, portanto... Exige, por isso, que a venda do livro seja condicionada (a sua primeira exigência foi a proibição pura e simples, mas entretanto terá ouvido falar de "liberdade de expressão e concluído que talvez estivesse a ter mais olhos que barriga). A seguir virá algum grego "ofendido" pela imagem de Rastapopoulos, algum oficial da Marinha pela imagem de bêbedo do Capitão Haddock , alguma cantora lírica pela imagem da Castafiore, algum vendedor de seguros pela imagem de Séraphin Lampion, algum polícia pela imagem de Dupond e Dupont, algum "gangster" pela imagem dos "gangsters" em "Tintin na América"...

Seguir-se-á Astérix (há-de aparecer algum romano a sentir-se "ofendido") e, por um motivo ou por outro, toda a literatura e arte. Finalmente, como previu Heine, depois dos livros, chegará de novo o momento de se queimarem homens.

MANUEL ANTÓNIO PINA/JN, 19/04/2011

Publicado no anterior blog em 20/04/2011

https://www.bd2u.net/artigos/albuns/281-o-julgamento-de-tintin-no-congo.html

E X T R A

Tintin e os outros […] chegaram à minha vida na infância como o Cavaleiro Andante e, como na canção de Maria Bethânia, instalaram-se para sempre feitos posseiros dentro do meu coração. Com eles fui à Lua e viajei  por todos os mares do mundo, subi aos Himalaias e desci aos negros porões da alma humana […] defendi os fracos e enfrentei opressores e ricaços sem escrúpulos […] convivi com guerrilheiros, com tiranos, com comerciantes, com sábios, com iluminados… 

Se algo de essencial aprendi […] das minhas aventuras com Tintin foi o desprezo da infâmia e a “linha clara” da coragem e da justiça.»

Manuel António Pina, JN, 24/05/2007 [Crónica, Saudade da Literatura]

Anunciou a televisão estatal (na verdade, "a" televisão) norte-coreana que o líder supremo do Partido, do Estado e do Exército, "Kim Jong-un, tem um plano grandioso para fazer uma mudança considerável no campo de literatura e artes".

A primeira etapa de tal "plano grandioso" (na Coreia do Norte, os planos e ideias do supremo líder são sempre "grandiosos") foi um grandioso "show" realizado sexta-feira na capital do país, Pyongyang, em que, entusiasticamente aplaudidos de pé, actores dançaram para as cúpulas do regime, incluindo o próprio Kim Jong-un, vestidos de personagens da Disney: Mickey, Minnie, Winnie-the-Pooh, Branca de Neve, Dumbo, etc.. Alguém devia ter informado Kim Jong-un que Mickey é agente da CIA...

Alguns media ocidentais vibraram com tal sinal de "abertura", embora os EUA, pela voz do Tio Patinhas, tenham lamentado que os norte-coreanos não tivessem pago os direitos de autor.

"Abertura" seria um "show" em Pyongyang com as personagens, já não digo de Crumb, Shelton ou até de Al Capp, mas, ao menos, os de "L'affaire Tournesol", de Hergé, em que Tintin conhece um país, a Bordúria, que, mais estrela menos bigode na bandeira, é decerto familiar do povo norte-coreano: um partido único, um líder supremo com estátuas por todo o lado, uma tenebrosa polícia política, um Estado militarizado e uma sociedade infantilizada cantando hinos de louvor aos seus carcereiros.

Manuel António Pina, Bordúria "abre-se" JN, 12/07/2012


184. Até Tintin, ao fim de tantos anos, me parece cansado e céptico (em contrapartida os negócios escuros de Rastapopoulos vão vão de vento em popa…)

Manuel António Pina, «Heróis», Visão, 04/12/2003


98. Enquanto os outros liam a vida de S. João Bosco e os manuais de Filosofia do prof. Bonifácio («O mundo é a casa dos rapazes e a casa é o mundo das raparigas», ele é que sabia…), andava eu pela Lua com Tintin e com os Dupond…

Manuel António Pina, «Onde o cronista se deita no divã», Jornal de Notícias, 13/11/1991


domingo, 12 de junho de 2022

Louvação de Oliveira de Figueira


«Em pleno quinto centenário dos Descobrimentos, talvez seja a altura de trazer ao lume (brando, brando...) da crónica o inesquecível señor (com ñ) Oliveira de Figueira. 

Os leitores de Tintin conhecem-no bem de Os charutos do faraó e de outros episódios da epopeia de Hergé. Juntamente com Pedro João Santos, físico famoso e professor da Universidade de Coimbra que, em A estrela misteriosa, acompanha o repórter do Le petit vingtième na expedição ao meteorito que, afinal, não destruiu a boa e velha Terra.

Oliveira de Figueira representa-nos generosamente a todos no díspar painel de personagens que o lápis e o coração do belga legaram aos outros homens. E podemos gabar-nos de que ambos pertençam à galeria dos bons. O mesmo, por exemplo, não podem fazer os gregos (o mais tenebroso inimigo de Tintin é um grego, o ricalhaço Rastopopoulos), nem os ingleses, nem os americanos, nem os franceses, nem os indianos, nem os japoneses, nem mesmo os incas, que têm gente de um lado e do outro... 

Como Tintin, o cronista tem encontrado Oliveira de Figueira um pouco por toda a parte onde os acasos do jornalismo e da vida o têm levado. (O que prova que Hergé sabia mais de nós e da nossa errante natureza do que poderia fazer supor o facto de, para ele ou, ao menos, para a sua obra, não haver portugueses maus). Hoje, com o que sei de Oliveira de Figueira e da sua vocação de cidadão do mundo, surpreende-me que o bíblico Adão não tenha dado de caras com ele no seu primeiro passeio solitário pelo Éden... Em Tóquio encontrei-o à frente de um restaurante chamado Nazaré; no Alasca atrás de um aspirador, a trabalhar na limpeza do aeroporto de Anchorage; em Seul na cozinha de um escuso bar cheio de fumo e de filipinos; em Reykyavik numa loja de roupas... indianas; em Berlim num infantário; em Oslo ao volante de um táxi; em Kyoto ensinando Português numa universidade. Em Salvador da Baía e no Rio, como por todo o Brasil, Oliveira de Figueira aparece ao virar de cada esquina; em Paris, e por toda a Europa, como por toda a África, é o que se sabe: é mais fácil encontra-lo do que a um algarvio no Algarve! O homem das Arábias que, no último instante, em pleno deserto, surge, bonacheirão e cordial, em salvação de Tintin e o esconde da ira dos maus no seu impenetrável labirinto de bugigangas, tem também salvo o cronista do pecado da saudade em tudo quanto é sítio. Ao jornalista, por outro lado, Oliveira de Figueira salva-o todos os dias da rotina das notícias das agências internacionais. Há um choque de comboios em Paris? Oliveira de Figueira está, pelo menos, entre os feridos. 

Um atentado na África do Sul? Oliveira de Figueira ia a passar. Um assalto a um paquete no Mar Egeu? Oliveira de Figueira ia no cruzeiro com a família e viu tudo e, com um pouco de sorte, até tirou fotografias! 

Mesmo quando já partiu, e mesmo que já tenha partido há muitos séculos, Oliveira de Figueira deixou um rasto de simpatia e de História que protege o viajante que o segue como o escudo invisível do dentífrico.

Uma vez, em Nagasaki, entrei numa loja para comprar uma garrafa de saké e um serviço de louça em que o ministrar mais tarde, em casa, com a exigível propriedade, às visitas mais requintadas. O lojista não tinha que ser especialmente perspicaz para descobrir que eu não era japonês; só teve que ser um pouco curioso para me perguntar, num inglês ainda pior do que o meu, donde era eu from. Quando soube que eu era from Portugal, os seus olhos e as suas palavras ficaram subitamente em festa: falou-me, então, da chegada dos portugueses àquelas costas muitos séculos atrás, em estranhos barcos à vela, da forma como por lá se foram ficando e de como venderam às gentes da terra, o famoso bazar de Oliveira de Figueira!, coisas dispersas e ideias tão singulares como fabricar pão, espingardas, vitrais coloridos ou fazer chá. E, num arroubo de reconhecimento e cordialidade (nunca um português lhe tinha entrado pela loja, e até a família fora chamar lá dentro para me ver!) ofereceu-me tudo o que eu lhe queria comprar e embrulhou-mo num chamejante papel de seda amarelo.

Mas o episódio não acaba aqui. Quando, no hotel, contei o sucedido aos outros portugueses que comigo viajavam, a expedita alma comerciante de Oliveira de Figueira acordou alvoroçadamente neles, vinda do fundo dos tempos. Todos queriam ir também à loja (eu é que lhes não disse onde era!) onde os portugueses eram very welcome para terem saké e jarrinhas de porcelana de borla...  

Infelizmente, a imprevisível Comissão dos Descobrimentos, que para aí gere milhões com a falta de bom senso que se sabe, deve ser mais leitora de La Salade do que de Hergé. Por isso Oliveira de Figueira não terá a homenagem que merece. Nenhum banco se lembrará de cunhar em moeda os seus dalinianos bigodes, nenhum conferencista lhe dedicará uma palestra, nenhum estudante pedirá uma bolsa à Gulbenkian para lhe seguir o rasto através dos continentes, nenhuma Câmara lhe porá o nome numa rua, nem a estátua numa praça. A homenagem da crónica, em letra impressa, não ressalvará o resto; que, ao menos, sirva de efémera memória da sua passagem generosa e corajosa pelos perplexos mundos da nossa infância e do nosso coração».

Manuel António Pina, Jornal de Notícias, 23/07/1988.

In Manuel António Pina, "Crónica, Saudade da Literatura. Antologia, 1984-2012", selecção de Sousa Dias, Assírio Alvim, Porto, 2013, ISBN 978-972-37-1684-9.

https://montalvoeascinciasdonossotempo.blogspot.com/2015/11/saudade-da-literatura-cronica-antologia_68.html

http://www.aterceiranoite.org/2013/10/10/um-eterno-oliveira-de-figueira

ENTREVISTA A Manuel António Pina: (Ciberkiosk nº 9) Março de 2000

Ciberkiosk - Cesariny dava a sensação de se mover com muito desembaraço e humor por entre as formas e consistências da portugalidade e da cultura portuguesa. Simultaneamente longe e perto. A julgar pelo Anacronista, o seu humor nestas matérias parece desenvolver ou ficcionar uma afinidade com o que nessa cultura (em sentido antropológico) seria simpática e irremediavelmente chocho. O ser português é a Saudade e o Senhor Figueira de Oliveira?

MAP: «A saudade não sei o que seja, mas o Señor (com ñ) Oliveira de Figueira é certamente uma expressão autêntica e expedita do ser português, ou do que dele vai penosamente sobrevivendo à voracidade globalizadora. A simpatia que as minhas crónicas de jornal nutrem pelo Señor Oliveira de Figueira, e por outros espécimes congéneres que continuam a habitar as cada vez mais escassas franjas da economia de mercado e da cultura de massas, está, no entanto, ferida do pecado da distância e da soberba. Temo, de facto, que as minhas crónicas se lhes dediquem apenas com a mesma amável e enternecida curiosidade do patologista debruçado sobre uma lamela de dispersa bicharada afadigadamente entregue à enormidade da existência...» / «A outra face dessa simpatia é o desprezo por outra expressão, igualmente expedita, do ser português: o "sabido", em especial nas versões "político" e "empreendedor". E igual desprezo pela imensa e informe caterva de economistas e aparentados, fabricados nos sórdidos lugares universitários onde se estuda e ensina a usura, e de lá saindo convictos de que compreenderam o mundo (meu Deus, e se calhar até compreenderam!). E pela malta da "sociedade da informação", da gestão cultural e coisas semelhantes. É certo que "tudo isto é Portugal, tudo isto é fado". Mas não vejo Tintin, que é um coração puro, a dar-se de amizades com gente desta.»

Manuel António Pina, (Ciberkiosk)

*

Recentemente foi lançado em França um livro sobre Oliveira de Figueira. O livro "Le Sr Oliveira Da Figueira & Les Aventures De Hergé Et Tim-Tim au Portugal" é da autoria de Albert Algoud e tem desenhos de Philippe Dumas. 

Uma conversa com Dumas, sobre o seu trabalho neste livro, foi colocada recentemente no youtube.

https://tintinemportugal.blogspot.com/search?q=dumas