terça-feira, 30 de novembro de 2021

Concurso Tintin – O som que o desenho faz


Procuramos jovens, entre os 13 e os 16 anos, que queiram participar numa performance que vai integrar as diversas atividades programadas para o encerramento da Exposição Hergé.

Os jovens selecionados vão ler, no espaço da Exposição, excertos das Aventuras de Tintin, num diálogo divertido, onde a leitura dos sons é tão importante como a das palavras.

Para concorrer, basta criar e enviar-nos um curto vídeo onde o participante lê, sozinho ou acompanhado, um excerto favorito de um dos 24 famosos álbuns. Antes de submeter uma candidatura, recomendamos a leitura das Perguntas Frequentes.

Nesta performance, em que ouviremos o som dessas palavras que se soltam do desenho, procuramos dar-lhes a possibilidade de se encontrarem em verdadeiros corpos. Enquanto forem vistos e lidos, Tintin, Haddock, Dupond e Dupont, Castafiore, Girassol, terão sempre o som das nossas múltiplas vozes. Escolham o vosso personagem preferido e venham dar-lhe voz!

Carlos Pimenta é o encenador que vai acompanhar os jovens selecionados nesta viagem.

https://gulbenkian.pt/concurso-tintin-o-som-que-o-desenho-faz/

sábado, 27 de novembro de 2021

"Tintin no País dos Sovietes" editado a cores em Portugal

 

Edição portuguesa é a terceira fora do mercado de língua francesa.

A versão colorida de "Tintin no País dos Sovietes", agora disponibilizada em português pelas Edições ASA, foi o pretexto para uma conversa com Benoît Mouchart, diretor editorial da Casterman, há décadas a casa dos álbuns de Tintin.

A este propósito, Mouchard relembra que "a obra de Hergé foi fundadora para a Casterman: antes de 1934, ou seja, antes do lançamento de "Os Charutos do Faraó", esta editora nunca tinha publicado banda desenhada". E sublinha: "Ainda hoje, Hergé é um emblema da nossa identidade, temos orgulho de continuar a partilhar com as novas gerações de leitores".

Primeira aventura de Tintin, "No País dos Sovietes" começou a ser publicada a 10 de Janeiro de 1929, no n.º 11 do "Le Petir Vingtième", suplemento infantil do jornal belga "Le Vingtième Siècle", tendo sido editada em álbum no ano seguinte.

Posteriormente foi considerada pelo autor um erro de juventude, nunca foi redesenhada nem colorida, ao contrário do que aconteceu com as outras aventuras de Tintin publicadas a preto e branco naquele jornal.

Assim, só seria reeditada em 1969, numa edição de tiragem limitada a 500 exemplares, distribuída entre amigos e conhecidos do autor, e, quatro anos depois, nos "Archives Hergé", que reuniam todas as versões a preto e branco das aventuras iniciais.

Dessa forma, o grande público só teve acesso à obra em 1999, setenta anos depois da sua estreia e dezasseis após a morte de Hergé, quando o álbum foi adicionado à colecção regular. Nesse mesmo ano, a Verbo publicou-o em Portugal, sendo que anteriormente, em 1982, tinha surgido na revista "Tintin" portuguesa. Neste momento convivem nas livrarias a versão a preto e branco e a versão colorida, ambas das Edições ASA.

Relativamente a esta versão colorida, com uma paleta de cores diferente da utilizada por Hergé, para a distinguir dos restantes álbuns, data de 2017, e surgiu "para manter a curiosidade em torno das suas criações", confessa Benoît Mouchart, uma vez que o autor antes de falecer "desejou que Tintin não lhe sobrevivesse" não havendo por isso novas aventuras.

Aquela ideia da Moulinsart, detentora dos direitos das obras de Hergé, "agradou à Casterman", tendo o álbum colorido sido "um dos campeões de venda de 2017" e "reacendido o interesse por toda a série". De tal forma, que já está "em curso o projecto de colorização da primeira versão de "Os Charutos do Faraó" que verá a luz do dia em 2022".

Quatro milhões de álbuns do Tintin vendidos por ano

Lembrando que no ano do lançamento do filme "Tintin - O segredo do Licorne", a série registou "um recorde de vendas no mundo inteiro", Benoît Mouchart estima "que anualmente sejam vendidos cerca de quatro milhões de álbuns de Tintin em todo o mundo, dos quais 600 mil em língua francesa".

F. Cleto e Pina In Jornal de Notícias 

domingo, 21 de novembro de 2021

Apresentação do livro “Le Sr Oliveira da Figueira & les aventures de Hergé et Tim-Tim au Portugal”


Graças ao Senhor Oliveira da Figueira, cuja biografia aqui escrita por Albert Algoud, Portugal encontra-se muito presente nas aventuras de Tim-Tim. O país também teve um papel fundamental na expansão internacional da obra de Hergé, porque o português foi a primeira língua estrangeira falada por Tim-Tim. Composto por muitas histórias e curiosidades, este livro explora os aspeitos as vezes muito engraçados da aventura de Tim-Tim em Portugal, acompanhados pelos desenhos-homenagens de Philippe Dumas. Os autores estarão presentes para dialogar com Michel Chandeigne, editor.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

"Le Sr. Oliveira da Figueira... & les aventures de Hergé et Tim-Tim au Portugal" é o título de um livro que será colocado à venda em França no próximo dia 10.

O seu autor, Albert Algoud, especialista na obra de Hergé, já publicou vários livros sobre ela, entre os quais o "Dicionário ilustrado dos insultos do Capitão Haddock", que a ASA edita entre nós este mês.

Oliveira da Figueira surgiu pela primeira vez em "Os charutos do faraó", na edição a preto e branco de 1934, apresentado então como um vendedor fala-barato que convence o herói a comprar um sem número de objetos inúteis. Regressaria ao convívio de Tintin, de forma esparsa, em "Tintin no país do ouro negro" (1939) e em "Carvão no porão", como Oliveira de Figueira. Em "As jóias da Castafiore" (1963) é um dos que envia ao Capitão Haddock os parabéns pelo casamento com a cantora lírica. No total, o mercador surge em cerca de seis dezenas de vinhetas, sempre solícito para ajudar Tintin.

Ficcionando a biografia de Oliveira da Figueira, Algoud atribui-lhe raízes judias, o que leva a abordar a questão da expulsão dos judeus em Portugal, desenhando uma linha genealógica que se inicia com os primos Jorge e Gonçalo de Oliveira, naturais da Figueira da Foz, a quem no século XVI D. Manuel concedeu o monopólio do comércio com a Índia, numa interessante combinação de história e ficção. Baseado nos trejeitos e expressões presentes na primeira aparição, adivinha traços de homossexualidade na personagem, e explora as várias ligações a Portugal existentes nas suas aparições, bem como a sua suposta morte na versão a preto e branco daquele primeiro álbum, que Hergé eliminaria na versão colorida. Refere curiosidades como o facto do bigode de Oliveira da Figueira ser uma homenagem de Hergé a... Salvador Dalí ou a nacionalidade espanhola, como Olivero de Malaga, que lhe foi atribuída por "O papagaio" em 1937, na primeira versão portuguesa de "Os charutos de faraó", rebaptizada "As aventuras de Tim-Tim no Oriente", uma vez que a personagem desagradava a Adolfo Simões Müller, também pela proximidade a um certo Oliveira... Salazar.

O segmento biográfico é acompanhado de uma análise bastante completa do historial da edição de Tintin em Portugal, o primeiro país não francófono a publicar o herói, e o primeiro em todo o mundo a fazê-lo a cores, incluindo um extenso glossário que vai do Abade Abel Varzim e de Adolfo Simões Müller até às sardinhas com que os direitos de Tintin foram pagos durante a II Guerra Mundial!

O livro, com 160 páginas, faz parte da colecção "Bibliothéque Lusitaine Poche" das Éditions Chandeigne, "especializadas no mundo lusófono há mais de 30 anos", como explicou ao JN o editor Michel Chandeigne: "Grande apreciador de Tintin desde a juventude; conhecendo as singularidades da edição de Tintin em Portugal e a existência de uma personagem portuguesa, pareceu-me que havia matéria para um livro interessante, por isso, naturalmente, pensei em Albert Algoud, um dos grandes especialistas franceses de Tintin".

Dada a recusa, por parte da Moulinsart, de autorização para utilizar "as espantosas imagens coloridas de "O papagaio"", explica Chandeigne, foi proposto a "um dos grandes desenhadores franceses, Philippe Dumas, que evocasse no seu estilo humorístico o universo de Hergé, sem o copiar", o que ele fez, reproduzindo algumas das capas de "O papagaio", a livraria portuense Timtim por Timtim, Castafiore numa casa de fados, Milu com uma bandeira portuguesa ou o protagonista a dar vivas ao... Futebol Clube do Porto.

"Le Sr. Oliveira da Figueira... & les aventures de Hergé et Tim-Tim ao Portugal" será apresentado no Instituto Francês de Lisboa no dia 23 de Novembro, às 19 horas, estando marcada uma sessão de autógrafos com Albert Algoud e Philippe Dumas no dia seguinte, às 19 horas, na livraria Palavra de Viajante.

F. Cleto e Pina in Jornal de Notícias

domingo, 14 de novembro de 2021

Do 7 aos 77

"As angústias colectivas são contrárias à tradição Tintin. Tintin é intimista. Mesmo no decurso da expedição lunar, a opinião pública mundial não teve qualquer papel e, no entanto, Deus sabe bem que essa era uma questão que interpelava toda a humanidade. E, em Carvão no Porão, o problema da escravatura resume-se a um quarto de página num livro de 62 páginas. As convulsões do mundo, a intervenção dos poderes, os grandes movimentos de massas, isso é Jacobs, não é Hergé!" Foi assim, com uma comparação com o seu colega e amigo Edgar Pierre Jacobs, criador de Blake e Mortimer, que Hergé definiu a sua obra e a marca distintiva das aventuras de Tintin e Milou.

Noutra ocasião, dirá que o seu trabalho não era motivo de glória e de honras espúrias, mas também não deveria ser razão de vergonha ou arrependimento. Com isso, talvez procurasse defender-se das críticas feitas a algumas histórias de Tintin: a do Congo, acima de todas, verberada pelo modo paternalista com que nela os africanos são tratados pelos colonos brancos; mas também a viagem do repórter pela Rússia dos sovietes ou, pior ainda, um dos álbuns mais controversos, A Estrela Misteriosa, em que uma equipa de cientistas europeus - entre os quais um alemão, um sueco, um espanhol e um português, professor em Coimbra - se confronta com uma expedição financiada por um milionário judeu de Nova Iorque, com Tintin, claro está, a alinhar pelo Velho Continente contra os yankees sem princípios nem escrúpulos. Publicada em 1942, com a Bélgica então ocupada pelos nazis, é difícil não ver nessa obra uma crítica aberta, muito na linha da propaganda do Reich, à tentação de hegemonia mundial por parte dos EUA, país ademais dominado por um vasto complô semita. Já antes, com Tintin na América, Hergé traçara um retrato cáustico da vida do lado de lá do Atlântico, com pinceladas sombrias sobre a corrupção e os crimes dos clãs mafiosos, com Al Capone à cabeça, sobre a segregação dos negros e a destruição dos povos índios.

Não têm faltado as vozes que referem à outrance as ligações perigosas do criador de Tintin e, na verdade, a lendária personagem das histórias em quadrinhos ou quadradinhos (ou "histórias aos quadrados", como lhes chamava a censura salazarista nos anos 1950) foi fortemente inspirada por um homem, o padre Norbert Wallez que, do ponto de vista político e ideológico, se mostrava bem enquadrado nas direitas extremas. Defensor de uma federação entre a Bélgica e a Renânia, Wallez era um admirador incondicional de Benito Mussolini, que o recebera em Roma em 1923 e que, não muito depois, lhe enviara um retrato autografado, em tudo idêntico ao que adornava o gabinete de trabalho de Oliveira Salazar. Antigo estudante de Lovaina, seguidor das doutrinas de Maurras e da Action Française, o padre Wallez fora nomeado director do Le Vingtième Siècle, um jornal conservador fundado em 1895 e em cujo suplemento infanto-juvenil, o Le Petit Vingtième, Hergé começará a publicar as aventuras de Tintin. Por razões não muito claras, mas porventura ligadas às suas inclinações políticas, Wallez será demitido da direcção do periódico, em 1933, mas, com a invasão da Bélgica pelos nazis, em 1940, retomará os seus escritos bárbaros e as suas intervenções flamejantes, o que lhe valeu uma dura pena no pós-guerra: em 1947, foi acusado de colaboração com os alemães e condenado a cinco anos de prisão e a uma pesada multa de 200 mil francos. Permanecerá detido em Charleroi até 1950, mas, por padecer de um cancro, foi libertado por razões de saúde, morrendo não muito depois, em Setembro de 1942. Hergé e a sua mulher, Germaine, antiga colaboradora do padre Wallez, não deixarão de o visitar no seu leito de morte.

Este sacerdote radical sempre se considerou coautor das aventuras de Tintin ou, como já alguém disse, "Hergé criou Tintin, mas foi Wallez quem teve a ideia". A personagem do jovem repórter é, sem margem para dúvidas, uma criação original de Hergé, que já antes concebera uma figura muito parecida ao mítico herói, o escuteiro Totor, devendo lembrar-se que, antes disso, Benjamin Rabier inventara, em 1897, a personagem Tintin-Lutin, com a qual o Tintin de Hergé tem bastantes semelhanças visuais. A cadelinha Milou, um fox-terrier que, até à aparição do capitão Haddock, desempenhou alegremente o papel de Sancho Pança do Tintin-Quixote, foi inspirada, ao menos no nome, na primeira namorada de Hergé, Marie-Louise van Cutsem, "Milou" de petit nom. A intervenção do padre Wallez não ocorreu, pois, na concepção dos personagens (Tintin, Milou), mas noutro plano, não menos decisivo: é ele que sugere, ou ordena, que a primeira aventura de Tintin seja uma viagem à Rússia soviética, para um impiedoso retrato do país dos bolcheviques, que o repórter se desloque depois ao Congo, de modo a promover junto das crianças e dos jovens o trabalho dos missionários católicos em África e, enfim, que vá de seguida à América, em digressão crítica da civilização do dólar, das fábricas e das megalópoles trepidantes. Se Hergé foi o pai de Tintin, Norbert Wallez foi o pai das aventuras de Tintin, sobretudo as da primeira fase.

Na busca de revelações e escândalos, alguns biógrafos insistem em excesso nessas relações do criador de Tintin com a direita radical, como sucede com Pierre Assouline (Hergé, 1998); outros, como Benoît Peeters (Hergé, Fils de Tintin, 2002), sem negarem tais ligações, adoptam uma atitude mais moderada e menos sensacionalista. Se é indesmentível que Hergé conheceu, e conheceu de perto, Léon Degrelle, o líder do Partido Rexista, que colaborou miseravelmente com o nazismo, o facto é que o criador de Tintin nunca navegou nessas águas ignóbeis, bem longe disso: numa famosa intervenção pública, o cardeal Van Roey, arcebispo de Malines e primaz da Bélgica, descrevera Degrelle como "um perigo para o país e para a Igreja" e Hergé seguiu a orientação eclesial, evitando os insistentes apelos do dirigente rexista para colaborar no jornal Le Pays Réel.

No essencial - e esse é o ponto decisivo -, Georges Rémi, de nome artístico Hergé, foi um produto do movimento social católico surgido nos escombros da Grande Guerra. O conflito de 1914-18 provocara um intenso recrudescer da espiritualidade em toda a Europa: em França, falou-se num "regresso aos altares", tal o número de fiéis que procuraram o amparo da fé para lidar com a catástrofe reinante e os mortos aos milhões; em Inglaterra, e não só, o espiritismo teve grande surto, pela mão de Conan Doyle e tantos outros, pois eram muitos os que queriam comunicar com os filhos ou familiares tombados em combate. Entre nós, e além do fenómeno da Virgem de Fátima, os anos 1920 e 1930 são de grande vigor para a Igreja, a qual, sob os auspícios do Papa, não hostilizava já os poderes instituídos, antes buscava um cordial ralliement com eles. O Centro Católico Português, a Acção Católica, o febril movimento dos congressos de crentes (falou-se até em "congressite") são alguns dos muitos momentos em que se desdobrou uma nova visão do catolicismo, mais empenhado na esfera social e política como forma de combate às doutrinas socialistas e marxistas e às suas ideias de luta de classes. Assim, não é por acaso que a JOC, a Juventude Operária Católica, foi fundada em 1923, na Bélgica, pelo padre Joseph Cardijn, como não é por acaso que foi o padre Abel Varzim que, quando estudava em Lovaina, conheceu as aventuras de Tintin e as trouxe para Portugal, o primeiro país não francófono a publicar as suas histórias. Foi nesse "caldo de cultura" que se afirmou e projectou Oliveira Salazar e, sem forçar paralelismos descabidos, foi também nele que Hergé se formou e começou a trabalhar.

O criador de Tintin, importa dizê-lo, nunca foi um ideólogo ou sequer um homem com grande densidade cultural e política: filho de um alfaiate, neto por via materna de um canalizador, oriundo de uma família onde, como o próprio reconhecerá, não havia muitos livros ou conversas profundas, o turning point da sua infância dá-se quando é retirado do ensino laico e inscrito no católico Colège Saint-Boniface e, em simultâneo, sai dos Boys Scouts, também laicos, para ingressar na Associação de Scouts Baden-Powell, clerical. Passadas no le plat pays de que falava Brel, a infância e a juventude de Hergé não foram particularmente felizes ou ricas de experiências e acontecimentos, nem marcadas por vastas leituras, por férias memoráveis, por idas ao teatro e ao cinema. Aliás, até uma fase adiantada da vida, Hergé nunca fez grandes viagens ("excepto nos livros", dizia) ou mostrou especial interesse pelo cinema, pelo teatro, pela pintura abstracta ou pela ópera, ainda que todas estas artes estejam presentes nos seus trabalhos.

Pelo menos até aos anos 1950, ou mais tarde ainda, será um conservador, sempre fiel à monarquia e a Leopoldo III, um desenhador modesto que procurava ganhar a vida e que estava obsessivamente concentrado nas suas criações e na sua obra. Tentou a publicidade, sem grande sucesso, e, em 1940, quando os alemães chegaram, ficou apavorado de medo: com a mulher, mete-se num carro pela França adentro, numa fuga sem sentido nem rumo. Depois de escrever a Adolfo Simões Müller, o seu editor português, pedindo-lhe que avisasse os pais e os sogros que se encontrava bem, acaba por regressar à Bélgica. Num dos momentos mais tristes da sua carreira, colaboraria no jornal Le Soir quando este é dominado por uma direcção totalmente alinhada com os nazis e aí publica alguns desenhos de indiscutível timbre antissemita. Mais do que isso, torna-se próximo de Raymond de Becker, o editor do Le Soir, e alinha com a sua apologia de uma "ordem nova", conceito que, entre nós, também seduziu muitos publicistas de direita, como Marcello Caetano e Pedro Theotónio Pereira (que fundaram em 1926 uma publicação com esse nome, a Ordem Nova, "revista antimoderna, antiliberal, antidemocrática, antibolchevista, hamburguesa"), ou como João Ameal, que em 1932 deu à estampa o livro A Revolução da Ordem.

Por causa disto, no pós-guerra Hergé terá a fotografia e o nome expostos na "Galeria dos Traidores", o rol dos que colaboraram com o ocupante nazi. Foi detido, passou uma noite na prisão, interrogado, sujeito a depuração, mas no final prevaleceu o bom senso e nunca o condenaram. É que, se o tivessem preso, muitos outros, aos milhares, teriam de o ser também. O editor dos seus álbuns, Casterman, fora nomeado burgomestre de Tournai durante a ocupação germânica e, sobretudo entre os flamengos, a colaboração tinha sido intensa e imensa. Além disso, o mais relevante: Hergé nunca foi um "fascista", no espírito e nas acções, até porque não tinha envergadura intelectual ou política para voos tão arriscados. Foi, isso sim, um vago militante católico, atormentado por depressões cíclicas, algumas das quais prolongadas, alguém que vivia obcecado com a sua obra, na qual trabalhava sete dias por semana, 365 dias por ano. Na década de 1930, tivera um encontro que mudaria a sua vida para sempre. Enquanto preparava O Lótus Azul, o padre Léon Gosset, capelão dos estudantes chineses de Lovaina, instara-o a não figurar os orientais com os estereótipos clássicos, que encontramos nas histórias de Blake e Mortimer ou de Buck Danny. Por seu intermédio, encontra-se em 1934 com Tchang Tchong Jen, um jovem estudante chinês que nele terá o efeito de uma epifania. Anos mais tarde, Hergé dirá que ele foi "um dos principais artífices da minha evolução" e, graças a Tchang, o criador de Tintin passará a ter um olhar mais complacente e humanista para com os demais povos do mundo, a interiorizar e a assumir os princípios éticos da sabedoria oriental, a interessar-se pelo taoísmo e pelas religiões da Ásia. Num certo sentido, Tchang resgatou-o da influência tutelar do padre Wallez, que dera azo às primeiras histórias, as da Rússia, do Congo e da América. Depois, no pós-guerra, um sucesso imparável: em 1950, funda os Studios Hergé e os seus álbuns conquistam gerações de leitores em todo o planeta, dos 7 aos 77 anos.

Hergé deu-nos Tintin, Milou, Haddock, Bianca Castafiore, os Dupond & Dupont, uma galeria infindável de personagens que fizeram a nossa infância e que a prolongam até morrermos. Hoje, há quem o fustigue e ataque, há quem pretenda censurá-lo, tirá-lo da vista das criancinhas, dos infantes que tentamos proteger das malvadezas de Tintin enquanto os deixamos à solta pelas redes sociais, tenebroso reino das maiores acefalias e das piores pornografias. Alguém entende isto?

António Araújo in DN

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Tintin no País dos Sovietes: edição a cores finalmente publicada em Portugal

ASA lançou no passado fim de semana a muito aguardada edição a cores de Tintin no País dos Sovietes, mítica primeira aventura de Tintin.

Criada em 1929, a preto e branco como todas as histórias posteriores até os inícios dos anos 1940, esta primeiríssima aventura de Tintin foi a única que Hergé deixou por colorir. Agora, fruto de um meticuloso trabalho sob a direção artística de Michel Bareau, esta edição a cores permite redescobrir a obra inaugural do autor, conferindo-lhe uma nova e moderna legibilidade, em que, entre outras, a dimensão cómica do argumento sai manifestamente reforçada.

Publicada em França em 2017, esta exclusiva edição a cores vem desde então sendo reclamada pelos muitos milhares de fãs do Tintin em Portugal, sendo que no entanto, dada a natureza especial desta obra, tinham até agora apenas sido autorizadas, para além da edição francesa, as edições em neerlandês (2017) e em dinamarquês (2018). As Edições ASA têm portanto o orgulho de finalmente brindar os leitores portugueses com esta muito aguardada “jóia bibliográfica”, que constitui a 3ª edição em língua estrangeira a ser publicada em todo o mundo e cuja publicação coincide com a exposição “Hergé”, na Fundação Gulbenkian, onde será apresentada a 6 de Dezembro.

Com 230 milhões de álbuns vendidos em todo o mundo, dos quais 2 milhões em Portugal, as aventuras do jovem repórter de poupa levantada e do seu inseparável Milou estão traduzidas em 77 línguas, tendo o português sido a primeira língua em que foi traduzido num país não-francófono.

Tintin no País dos Sovietes (versão colorida), Hergé, ASA, cartonada, 144 pp., cor, 17,50€

Os insultos do Capitão Haddock

Quem não se recorda dos insultos do Capitão Haddock nas aventuras de Tintin? Em 1988, Albert Algoud lançou uma compilação desses impropérios numa obra intitulada "Le petit Haddock illustré", reeditada em 1991 com o título "Le Haddock illustré - L'Intégrale des jurons du capitaine". É esta edição que agora é editada em português pela ASA com a tradução "Dicionário ilustrado dos insultos do Capitão Haddock".



 

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Conferência Hergé e o Portugal do Estado Novo



Tintin foi introduzido em Portugal por uma revista católica para jovens, dirigida pelo Padre Abel Varzim, a qual, nesse período, conheceu tensões, mudanças editoriais e adaptações. Neste debate discutimos a vida das publicações de Tintin em Portugal ao longo do Estado Novo.

Com António Cabral e António Araújo, moderado por António Costa Pinto

sex, 12 nov 2021 / 18:00 – 19:00

LOCAL

Edifício Sede – Auditório 3

Av. de Berna, 45A, Lisboa