quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Tintin no país do fado

Tintin, Milou e Haddock são algumas das personagens com que o visitante da Gulbenkian se poderá cruzar a partir desta sexta-feira. A exposição "Hergé" trá-los na bagagem, à mistura com muitas surpresas (algumas bem controversas) sobre a vida e obra do ilustrador belga.


"Com mil milhões de demónios!", exclamaria o capitão Haddock se, por um destes dias, passasse à porta da Fundação Gulbenkian, em Lisboa. Isto porque a partir de sexta-feira, 1 de Outubro, e até 10 de Janeiro, o lugar onde estamos habituados a admirar grandes nomes da arte mundial dará a ver o trabalho do ilustrador e desenhador de banda desenhada Georges Prosper Rémi, vulgo Hergé, também conhecido como "o pai de Tintin".

Organizada em colaboração com o Museu Hergé da cidade belga de Louvain-la-Neuve, "Hergé" (que já esteve patente no Grand Palais, em Paris, no outono de 2016) traz ao conhecimento do público português uma importante selecção de materiais (pranchas originais, pinturas, fotografias e documentos de arquivo) e obras criadas pelo autor. Ao longo de nove núcleos, é-nos proporcionada uma visão poliédrica do trabalho de Hergé, mas também de toda a complexidade da sua biografia e dos tempos conturbados em que viveu (1907-1983). Tudo razões para que João Paulo Cotrim, editor da Abysmo e antigo diretor da Bedeteca de Lisboa, recomende uma visita atenta à exposição. "Faltar-lhe-á talvez um núcleo sobre a ligação de Tintin a Portugal, que é mais importante do que as pessoas pensam", salienta.

Hergé e Portugal

Recuemos a esses anos marcados pela estética modernista, em que novas artes, como o Cinema e a Banda Desenhada, serviam de laboratório à procura de linguagens mais adequadas ao mundo saído da Primeira Guerra Mundial. O Portugal de Almada Negreiros e Pessoa tornar-se-ia decisivo para a carreira internacional do jovem repórter de poupa à prova de hecatombes, sendo o primeiro país não francófono a publicar as suas aventuras. A estreia mundial dera-se a 10 de Janeiro de 1929, no suplemento infantil Le Petit Vingtième, do jornal belga Le Vingtième Siécle, e Portugal não tardaria a publicar essas primeiras tiras no jornal infantil O Papagaio, graças aos esforços do escritor e grande divulgador de literatura para crianças e jovens, Adolfo Simões Muller (1909-1989). João Paulo Cotrim nota, aliás, que essa ligação seria continuada no tempo já que, em plena Segunda Guerra Mundial, Muller, preocupado com a situação de Hergé e sua família na Bélgica ocupada pelos alemães, lhe há-de enviar uma considerável quantidade de latas de conserva. "Seria interessante saber onde pára a correspondência trocada entre ambos, sobretudo nesse período tão difícil", sugere.

Esses eram ainda os tempos das primeiras aventuras de Tintin e seu cão Milou no país dos sovietes (álbum de 1930) ou no Congo (um ano mais tarde), justamente aquelas que, nos últimos anos, têm vindo a ser mais questionadas pelo seu teor ideológico. Portugal publicou-as ("dando-lhes até cor, ainda de forma incipiente", diz João Paulo Cotrim), como publicaria outras, já do pós-Segunda Guerra Mundial, muito mais sofisticadas e maduras. Tintin seria, aliás, o título de uma popular revista de banda desenhada portuguesa: publicada entre 1968 e 1982, destinava-se, como se lia no cabeçalho a "jovens dos 7 aos 77 anos", teve como directores Dinis Machado e Vasco Granja e, para além de publicar aventuras do herói que lhe dava o título, incluía histórias de Spirou, Michel Vaillant ou Hugo Pratt.


O impacto nas artes e na cultura

Sempre metidos em peripécias nos lugares mais inesperados, do Congo colonial à China, passando pela América e até mesmo pela Lua, Tintin, Milou, o capitão Haddock, o professor Tournesol, a cantora Castafiore ou os inefáveis detetives Dupond e Dupont constituem uma galeria de personagens com forte impacto no imaginário de várias gerações de leitores. Mais do que isso, tem sido objecto de tratamento e estudo por parte de artistas plásticos ou até de ensaístas como Roland Barthes. Mais recentemente, em 2006, o escritor britânico Tom McCarthy dedicou-lhe o livro Tintin and the Secret of Literature, em que, partindo da leitura de Barthes, relaciona a personagem com a biografia de Hergé e com vários clássicos do cânone literário europeu, nomeadamente na abordagem de temas de sempre como a luta entre o bem e o mal, a amizade e a traição. Mas se estas leituras, pela sua natureza, ficaram encerradas no debate académico, o mesmo não aconteceu com a biografia assinada pelo jornalista e escritor Pierre Assouline (autor de biografias de personagens muito marcantes da vida cultural francesa como o editor Gaston Gallimard ou o fotógrafo Cartier-Bresson) . Embora não se considerasse propriamente um tintinófilo (termo aplicados aos apaixonados pela personagem, que não são poucos), Assouline avançou para os arquivos mas cedo compreendeu que ia causar desgostos a esse público fiel.

Na verdade, o que o biógrafo nos mostra, nesse livro de 1996, é um Hergé politicamente muito incorreto, leia-se mesmo reacionário e preconceituoso. Numa entrevista concedida na época, o autor admitiria: "Há facetas difíceis de aceitar: o seu antissemitismo, o seu confesso desamor pelas crianças, o seu passado de colaborador com os nazis. Por volta de 1948, 1950, estava tão mal visto na Bélgica e França, que ofereceu os seus serviços a Walt Disney, que os recusou. Depois, chegou a encarar a ideia de se refugiar na Argentina, para onde partiam muitos nazis a contas com a justiça na Europa..."


Depois disso, as releituras de Hergé e do seu Tintin (sobretudo em tempos de cancel culture) têm-se revelado difíceis. Em foco estão sobretudo as primeiras aventuras, publicadas na década de 1930. Em 2007, a Biblioteca Pública de Brooklyn, Nova Iorque, retirou das estantes a segunda aventura de Tintin (Tintin no Congo), tornando-se a sua consulta sujeita a pedido expresso à direção, com justificação da escolha. No mesmo ano, um cidadão congolês interpôs em Bruxelas um processo com vista à interdição da venda da obra, alegando tratar-se de "uma justificação da colonização e da supremacia branca", mas em 2012 o tribunal acabou por rejeitar tal pretensão. Na Suécia e na Grã-Bretanha processos com o mesmo objectivo conheceriam idêntico desfecho, mas a incomodidade não desapareceu por decreto. O livro é recorrentemente encarado como um veículo do colonialismo europeu, com visões estereotipadas e ofensivas das populações africanas. De resto, acusações de reaccionarismo e preconceito são frequentemente extensivas ao primeiro álbum, Tintin no País dos Sovietes, em que, aos olhos de muitos, Hergé não se dá ao trabalho de esconder o mais primário anticomunismo.

João Paulo Cotrim compreende a perturbação, não a menoriza, mas não considera que tal seja razão para "cancelar" Hergé ou Tintin: "Não há que esconder os aspetos polémicos. Eu percebo a incomodidade, mas não me parece que a censura seja aceitável. Vamos lá discutir isto e pôr em contexto". Hergé, frisa, não é sempre o mesmo, evoluiu, como homem da sua época: " Na década de 1930, como tantos europeus ocidentais, ele era desconfiado face à revolução bolchevique e é racista num certo sentido, mesmo colonialista, como tantos dos seus concidadãos. Mas, ao longo do tempo, isto foi sendo apurado e limpo da obra. Se virmos Tintin na América com atenção encontramos uma denúncia do capitalismo e se lermos Tintin no Tibete vemos um elogio extraordinário à amizade. Se tivermos de fazer um equilíbrio, o que vale a pena ganha de longe ao que é mais lamentável." Quando fala em méritos, Cotrim não hesita em falar de qualidade literária e gráfica, já que Hergé, é sabido, era um perfeccionista: "O escritor Mário de Carvalho costuma dizer, com muita graça e talvez com algum exagero, que foi com o Tintim que aprendeu tudo sobre a construção da narrativa. E, na verdade, todas as personagens são muito bem desenhadas, completamente tridimensionais, com mecanismos narrativos muito bem equilibrados."

Consciente de que as leituras contemporâneas de Tintin não são uma brincadeira de crianças, a Gulbenkian preparou uma série de iniciativas paralelas sobre a receção, também política e ideológica de Tintin, em Portugal e não só. Entre elas, um ciclo de conferências intitulado "Hergé no Mundo Contemporâneo". A primeira, que se realizará a 12 de Novembro, tratará o tema (talvez inesperado para alguns) "Hergé e o Portugal do Estado Novo".

in DN

domingo, 26 de setembro de 2021

Originais de Tintin mostrados pela primeira vez em Portugal

A Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, vai acolher, a partir de dia 1 de outubro, uma exposição dedicada ao criador de Tintin, intitulada "Hergé".

Natural de Etterbeek, na Bélgica, onde nasceu a 22 de maio de 1907, Georges Prosper Remi ficou mais conhecido pelo pseudónimo de Hergé, obtido com a inversão das iniciais do seu nome, um R e um G. Foi com ele que, a partir de 10 de janeiro de 1929, assinou uma das séries de banda desenhada mais famosas de sempre: "As aventuras de Tintin". Protagonizadas por um repórter que raramente foi visto a escrever para jornais, até 3 de março de 1983, data de falecimento do autor, contabilizaram 23 álbuns, mais um incompleto. Graças ao talento narrativo de Hergé, um verdadeiro romancista em banda desenhada, à extrema legibilidade do seu estilo, designado por "linha clara", aos valores da amizade e da entreajuda que sempre defendeu, à aventura em estado puro que predomina nos álbuns, à magnífica galeria de personagens e à diversidade dos relatos, que fizeram Tintin percorrer quase todo o planeta e chegar mesmo à Lua, mais de duas décadas antes de Neil Armstrong, os álbuns de Tintin fizeram sonhar sucessivas gerações, um pouco por todo o mundo.

A partir de dia 1 de outubro, numa colaboração com o Museu Hergé, em Louvain-la-Neuve, em França, será possível visitar em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, uma exposição que revela as diversas facetas do autor, da ilustração à banda desenhada, passando pela publicidade, a imprensa, o desenho de moda e as artes plásticas.

Será a primeira vez que pranchas originais de Hergé poderão ser vistas no nosso país, bem algumas das suas pinturas e diversa documentação do arquivo que utilizava como base para a criação dos livros.

A mostra está dividida em nove núcleos: "Grandeza da arte menor", "Hergé, o amante de arte", "O romancista da imagem", "O êxito e a tormenta", "Uma família de papel", "Hergé e a revista 'Coeurs Vaillants'", "A arte do reclame", "A lição do Oriente" e "O nascimento de um mito".

Através deles, o visitante será guiado não só pela obra do mestre dos quadradinhos, mas também pelas suas influências externas, da pintura à arte moderna, passando pelo importante encontro com Tchang Tchong-Jen que mudou a sua forma de encarar a produção. Neles, será igualmente possível revisitar uma parte da História do século XX, através das aventuras de Tintin, do seu nascimento em "Le Petir Vingtième" ao período conturbado da ocupação da França pelos nazis, da passagem dos álbuns a preto e branco para os coloridos ou da criação da revista com o seu nome.

O olhar de Hergé sobre a forma como as suas bandas desenhadas eram reproduzidas noutros países - e Portugal foi o primeiro a publicar Tintin a cores, no "Papagaio" -, a família de papel que ele criou e as suas facetas menos conhecidas de publicista e desenhador de moda poderão também ser apreciadas nesta mostra que ficará patente até dia 10 de janeiro de 2022.

No dia 1 de outubro, aquando da inauguração, terá lugar a conferência "O futuro de Tintin", com a presença de Nick Rodwell, marido da viúva do desenhador, diretor dos Studios Hergé e responsável pela gestão do seu legado, que poderá esclarecer o que está previsto para o preservar e manter vivo, sabendo-se que Hergé recusou que os seus heróis fossem retomados por outros após a sua morte.

in Jornal de Notícias

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Lisboa vai receber uma exposição gigante sobre o autor de “Tintin”

Pela primeira vez, Portugal vai receber uma grande retrospectiva sobre Georges Remi, o artista conhecido como Hergé, que é mais conhecido por ser o autor da banda desenhada de “Tintin”. A exposição vai ser inaugurada a 1 de Outubro no Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e por lá fica até 10 de Janeiro de 2022.

A mostra é organizada em colaboração com o Museu Hergé de Louvain-la-Neuve e reúne uma seleção de documentos, desenhos originais e várias obras, que podem ir da BD à publicidade, passando pelo desenho de moda, artes plásticas ou trabalhos para a imprensa.

O que torna a arte de Hergé única e a distingue da de muitos outros autores de banda desenhada é a sua extraordinária capacidade de representar a realidade por um lado, de uma forma inventiva, mas por outro, tão familiar que o leitor pode facilmente projetar-se neste universo criado a partir do zero. Com linhas simples de uma impressionante precisão, sob o estandarte da inimitável ‘linha clara’, Hergé dá origem a personagens emblemáticas que encarnam os grandes valores da sociedade”, descreve a Gulbenkian sobre o foco da exposição.

Vai poder ser visitada segunda-feira, quarta-feira, quinta-feira, sábado e domingo, das 10 às 18 horas. À sexta o museu fica aberto até mais tarde, por volta das 21 horas, e à terça-feira encerra mesmo. Os bilhetes vão custar 5€, sendo que os portadores de cartão de estudante terão entrada gratuita às sextas-feiras, entre as 18 e as 21 horas. No site oficial de “Tintin”, é relatada a história da ligação da saga a Portugal.

In NiT

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Exposição Tintin na Gulbenkian

Após ser inaugurada em Paris e passar por Quebec, Odense e Seúl, a exposição 'HERGÉ' fixa-se Lisboa, nas instalações da Fundação Calouste Gulbenkian.

 


quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Alex Gaspar

Em Janeiro de 2009, Alex Gaspar colaborou no 4º número do fanzine "Efeméride" (editado por Geraldes Lino), dedicado ao tema "Tintim no Século XXI", com o episódio O Caso do Perfume Verde e realizou uma ilustração para a contracapa dessa edição.



Alex Gaspar (1965/2010) já tinha participado no fanzine "Efeméride" dedicado ao "Super Homem" (nº3, 2008) com "S.O.S. Tinto" onde também aparece Tintin. Mas a referida prancha era mais antiga tendo sido publicada a preto e branco em "Coice de Mula" e tinha estado exposta, em 2000, em "Quadradinhos do século", um dos  vários núcleos da exposição "Um balanço do século" realizada pela Câmara Municipal de Leiria, de 8 de Outubro a 17 de Novembro de 2000. E alguns anos mais tarde na exposição "80 Anos de Tintim - Lousã 2009".

O Alex Gaspar integrou mais uma exposição de BD, no ano 2000, no Arquivo Distrital de Leiria, no âmbito da exposição «Um Balanço do Século», sobre desenhadores de Leiria. Está incluído no catálogo, então publicado. (Paulo Moreiras)

«A mais fulgurante prancha da exposição que está no Arquivo Distrital de Leiria é de Alex Gaspar. “SOS Tinto” reúne Super-Homem, Batman e Tim-Tim numa aventura vagamente homossexual. Alex é um dos três desenhadores de Leiria representados na mostra de banda desenhada. Miguel Carvalho e Paulo Moreiras são os outros, com Zé Oliveira, Augusto Mota e Nélson Dias levemente referenciados. Bom, bom é o percurso feito pela história da BD em Portugal, de Ignotos, em 1880, a Artur Saraiva e Júlio Pinto, passando por Rafael Bordalo Pinheiro, Ernesto, Sam ou Mário Henrique-Leiria. Uns palmos abaixo, ao lado, no mesmo arquivo, José Luís Tinoco explica o século em selos.» Região de Leiria nº 3318, de 26/10/2000