O nascimento da série, escrita e desenhada por Hergé, deve-se a um pedido dos responsáveis do periódico católico francês Coeurs Vailants, que, a partir de 1930, já publicava as aventuras de Tintin, que desejavam uma série onde os heróis tivessem uma família, com um pai e uma mãe, ao contrário de Tintin, cujas ligações familiares eram obscuras e desconhecidas.
Assim nasce a série com os personagens Jo e Zette, filhos do engenheiro Legrand, e de Jocko, chimpanzé adoptivo da família. Contudo, Hergé desembaraça-se rapidamente dos pais das crianças, colocando-as como as personagens centrais de rocambolescas aventuras.
A série estreia-se com o episódio "Le rayon du mystére" na Coeurs Vailants nº 3 (8º ano) de 19 de Janeiro de 1936 em pranchas em bicromia. A partir de Outubro de 1936, a série é também publicada no periódico belga Le Petit Vingtiéme, agora a preto e branco.
Mais tarde, com a colaboração de Jacques Martin, a série é colorida e publicada na revista Tintin. Foram realizadas cinco aventuras. Uma sexta, inacabada, foi realizada por Bob De Moor, que responde a uma solicitação de Hergé para adaptar o argumento "Tintin et le Thermozéro". Contudo, o trabalho de adaptação do episódio de Tintin, "A ilha negra", às exigências do editor britânico, impede que De Moor realize o projecto.
A última prancha da série é publicada na revista Tintin nº 328 de 3 de Fevereiro de 1955.
Em Portugal, a série toma o nome de Joana, João e o Macaco Simão, tendo a Difusão Verbo publicado integralmente a obra. A revista Zorro e o suplemento Quadradinhos (1ª série) do jornal A Capital também publicaram algumas aventuras.
[O «Correio Juvenil», revista dos amigos do Clube Verbo, também publicou algumas pranchas da série.]
Bibliografia portuguesa:
O «Manitoba» não responde (Le Rayon du Mystère 1er épisode, Le "Manitoba" ne répond plus), 1936, Zorro #89 a #140; Quadradinhos (Jornal A Capital) #14 a #39; Álbum Difusão Verbo [1981]
A erupção do Karamako (Le Rayon du Mystère 2ème épisode, L'éruption du Karamako), 1937, Zorro #141 ao #192; Quadradinhos (Jornal A Capital) #40 a #65; Álbum Difusão Verbo [1981]
Destino Nova Iorque (Destination New York), 1951, Álbum Difusão Verbo [1982]
O testamento do Sr. Pump (Le testament de M. Pump), 1951, Álbum Difusão Verbo [1982]
O vale das cobras (Le valée des cobras), 1954, Álbum Difusão Verbo [1982]
Bedeteca Portugal, 19/01/2016
Os 75 anos dos “irmãos mais novos” de Tintin (2011)
Corria o ano de 1936. O sucesso de Tintin – então a viver a sua sexta aventura, “O Ídolo Roubado” – era crescente, mas não fazia a unanimidade. A prová-lo, chegava a Hergé uma carta de França, da revista católica “Coeurs Vaillants” que também publicava as aventuras de Tintin, pondo em causa o repórter de poupa, onde se lia que o herói “não ganha a sua vida, não vai à escola, não tem pais, não come, não dorme… Isso não é lógico”. E, em jeito de encomenda, desafiava Hergé a criar alguém “cujo pai trabalhe, que tenha uma mãe, uma irmã mais nova, um animal de estimação”, contou o desenhador numa entrevista a Numa Sadoul. Em suma, um bom exemplo para os jovens leitores da revista Aproveitando personagens criados para um trabalho publicitário, Hergé daria assim origem a Jo, Zette e Jocko (conhecidos em Portugal como Joana, João e o Macaco Simão), estreados há 75 anos, a 19 de Janeiro de 1936, na “Coeurs Vaillants”.
Juntos, até 1939 viveriam o tempo de três aventuras, entre o preto e branco, a bicromia e a cor, ou melhor, duas aventuras e meia porque “Jo et Zette au Pays du maharadjah”, só seria concluída 15 anos mais tarde, sob o título “O Vale das Cobras”, nos anos 1950, quando as restantes histórias foram remontadas, divididas e coloridas, totalizando assim a série cinco álbuns.
Os seus protagonistas eram dois irmãos, Joana e João, o pai, o engenheiro Legrand, a mãe, doméstica, e Simão, um macaco, o tal animal de estimação da “encomenda”.
Se o traço estava próximo do utilizado em Tintin, embora seja evidente uma menor entrega do desenhador, em termos narrativos a estrutura era também semelhante à dos álbuns de Tintin, com uma boa dose de ficção-científica, fruto da ocupação do pai. Apesar das bases da “encomenda”, em cada aventura a célula familiar era desfeita rapidamente, pois os miúdos metiam-se em enrascadas, geralmente relacionadas com a profissão do pai, deixando os progenitores em casa, aflitos e expectantes, aguardando o seu regresso de algum destino distante e exótico ou não tenham os heróis visitado a Ásia, a África e o Pólo Norte, em aventuras ingénuas e rocambolescas mas bem estruturadas. Apesar de alguns dos feitos destes “irmãos mais novos” de Tintin (especialmente a pilotagem de aeronaves e engenhos estranhos) soarem pouco credíveis dada a sua tenra idade.
O humor, muitas vezes fruto das intervenções bem-intencionadas mas trapalhonas do macaco Simão, está também presente em todos os relatos, em especial no derradeiro álbum, “O Vale das Cobras, no qual ocupa quase a metade inicial do relato, num longo intróito que poderia apontar para uma eventual inflexão narrativa da série que, no entanto, não teve continuidade.
A título de curiosidade, uma leitura atenta revelará uma série de sequências que parecem decalcadas de álbuns anteriores de Tintins, como poderá facilmente comprovar quem quiser perder algum tempo. Ou melhor, ganhar, porque estas histórias resistiram ao passar do tempo e continuam-se a ler-se com bastante agrado.
Em Portugal, Jo, Zette e Jocko estrearam-se na revista Zorro, no número #89, a 20 de Julho de 1964, com “O Manitoba não responde”, que seria publicada até ao #140, iniciando-se no número seguinte “A erupção do Karamako”, que prosseguiria até ao Zorro #192, de 11 de Junho de 1966. As mesmas histórias seriam depois publicadas no suplemento “Quadradinhos” do jornal “A Capital”, a partir do número 14, de 5 de Junho de 1972. Cerca de 10 anos mas tarde, a Editorial Verbo publicaria integralmente a série em cinco álbuns, republicados mais tarde, entre 1997 e 2000.
A ASA, que actualmente está a reeditar As Aventuras de Tintin, ainda não tem prevista uma data para a reedição desta série, que a Casterman recuperou num único volume em 2008.
Pedro Cleto (Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 19/01/2011)
As "Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão" são mais um tijolo no edifício da linha clara erguido pelo mestre belga (2001)Embora sem grande burburinho, a Verbo tem vindo a editar em língua portuguesa toda a obra de Hergé. Começou, evidentemente, pelas 23 Aventuras de Tintim, publicou em 12 volumes as Aventuras e Desventuras de Quim e Filipe e concluiu, no final do ano passado, a edição das Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão. Esta é a mais familiar de todas as obras do mestre belga e a menos extensa das suas três séries, com apenas cinco volumes publicados e reformulados pela editora Casterman durante a década de 50, após a fundação do hoje lendário Studio Hergé.
Tendo em conta a projecção internacional que Tintim obteve, desde que a 10 de Janeiro de 1929 foi lançado no "país dos sovietes", torna-se inevitável que todas as restantes criações de Hergé permaneçam, de alguma forma, na sua sombra. Assim acontece com as Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão, que diante de obras-primas da Nona Arte como "O Lótus Azul" ou "As Jóias de Castafiore" fazem modesta figura, mas que, se forem devidamente enquadradas na época e conhecidos os motivos da sua criação, merecem ocupar um lugar de destaque nas estantes dos bedéfilos.
Na verdade, foi o mesmo abade Norbert Wallez que dirigia o Petit Vingtième, onde surgiu o repórter Tintim, que estimulou Hergé a criar as personagens de Joana, João e do macaco Simão (originalmente baptizados como Jo, Zette et Jocko). A razão era simples: educado nos bons preceitos do catolicismo, não agradava particularmente a Wallez o facto de Tintim ser um rapaz solitário, sem pai nem mãe, e pouco preocupado com a propagação dos valores familiares. Assim sendo, convidou Hergé a apostar numa série onde os heróis ostentassem orgulhosamente os seus progenitores e transbordassem de amor filial a cada virar de página.
Num primeiro momento, Hergé parece ter seguido as directivas do devoto abade, ao criar dois irmãos inseparáveis, cujo pai, monsieur Legrand, é engenheiro aeronáutico (embora no último volume da série, O Vale das Cobras, o senhor Legrand deixe os aviões para se dedicar à construção de pontes), e a mãe, como na altura convinha, é uma dedicada dona de casa. O macaco, embora liberte raríssimos pensamentos, serve sobretudo para adornar a acção, dar pancada aos maus e ajudar nos gags físicos, claramente influenciados pelo cinema burlesco, que proliferam pelas pranchas.
No entanto, se a família de João e Joana está presente, Hergé várias vezes a envia para longe, e não pode propriamente ser erguida como modelo de virtude: as crianças estão sempre a meter-se em sarilhos (ainda que para salvar o mundo) e os pais nunca parecem desencorajá-los de entrar nas mais desvairadas aventuras.
A primeira saga da dupla (mais o macaco), O "Raio Misterioso", é publicada em 1936 no semanário francês Coeurs Vaillants. De 1937 a 1939 é a vez de "A Estratonave H. 22". Ambas as aventuras seriam reformuladas no início dos anos 50, à semelhança do que aconteceu com as primeiras aventuras de Tintim, com a entrada em funcionamento do Studio Hergé - por onde passou gente como Edgar Pierre Jacobs, Bob De Moor ou Jacques Martin -, sendo cada história dividida em dois episódios para lançamento em álbum.
Aquele que seria o quinto e último livro da série, "O Vale das Cobras", começou a ser publicado em 1939, com o nome de "Jo et Zette au Pays du Maharadjah", mas foi interrompido após 25 pranchas e apenas retomado 15 anos depois, com a colaboração de Martin.
Este é, naturalmente, o mais maduro dos álbuns de Joana, João e do macaco Simão, sobretudo em termos gráficos, mas não tem a frescura das duas aventuras de maior fôlego, e muito em particular de O Raio Misterioso. Muito antes de Hergé lançar Tintim na sua visionária viagem ao espaço, em "Rumo à Lua" e "Explorando a Lua", já o criador da linha clara dava largas à sua imaginação, criando pequenos gadgets e entretendo-se a exibir o seu fascínio pela tecnologia. As Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão não terão o vigor das obras do pequeno repórter, mas podem perfeitamente ser consideradas como pequenos balões de ensaio, através dos quais Hergé pôde apurar a sua linguagem. Pode não parecer muito, mas é mais do que suficiente.
João Miguel Tavares / DN, 30/07/2001
O VALE DAS COBRAS
Autor: Hergé
Editora: Verbo
Páginas: 56
Género: Banda Desenhada
Preço: 2050$00
Classificação: ***
O "MANITOBA" NÃO RESPONDE (O Raio Misterioso)
Autor: Hergé
Editora: Verbo
Páginas: 56
Género: Banda Desenhada
Preço: 2050$00
Classificação: ****
A ERUPÇÃO DO KARAMAKO (O Raio Misterioso)
Autor: Hergé
Editora: Verbo
Páginas: 56
Género: Banda Desenhada
Preço: 2050$00
Classificação: ****
O TESTAMENTO DO SR. PUMP (A estratonave H.22)
Autor: Hergé
Editora: Verbo
Páginas: 56
Género: Banda Desenhada
Preço: 2050$00
Classificação: ***
DESTINO NOVA IORQUE (A estratonave H.22)
Autor: Hergé
Editora: Verbo
Páginas: 56
Género: Banda Desenhada
Preço: 2050$00
Classificação: ***
Direitos reservados
IMAGINAÇÃO.
Onde está Tintim?...
Aventuras de Joana, João e o Macaco Simão – O Vale das Cobras
Texto e desenhos: Hergé (com Jacques Martin e Bob de Moor)
Editora: Difusão Verbo, Lisboa, 1981
Na década de 1930, Tintim suscitava reservas ao conservadorismo: não tinha família, não estudava, era demasiado livre. A revista Coeurs Vaillants propõe assim a Hergé uma série com crianças normais, inseridas numa família tradicional. Nascem então Jo, Zette et Jocko – Joana, João e o Macaco Simão, em português –, os gémeos da família Legrand, composta pelo pai engenheiro, a mãe doméstica e um chimpanzé.
O Vale das Cobras, em curso de publicação em 1939, foi interrompido e só retomado na década de 1950 pelos Estúdios Hergé, concluído por Jacques Martin (Alix, Lefranc) e Bob de Moor (Barelli, Cori, o Grumete), saindo o álbum em 1957.
Numa estância de neve na Alta Saboia, Joana, João e Simão cruzam-se com o Marajá de Gopal, rei dum país imaginário nos Himalaias indianos. O marajá merece, por estupidez própria, figurar na galeria das grandes personagens secundárias de Hergé, que o qualificava como um Abdalá (O País do Ouro Negro) adulto. Entra em conflito com os miúdos porque estes ousam ultrapassá-lo no esqui, e como se não bastasse ainda apanha com uma bola de neve em cheio na cara. Qualquer contrariedade tinha como punição mínima o açoitamento do infrator, pelo que as coisas poderiam não lhe correr de feição; mas intervém o pai Legrand. Sanados os hilariantes incidentes, o engenheiro é convidado pelo soberano a construir uma ponte numa região remota do país. O que ambos não sabem é que o seu vizir pretende dar um golpe e ser marajá no lugar do marajá…
Mesmo a seis mãos, trata-se de puro Hergé, dando ideia, ao virar de cada página, que Tintim vai aparecer por ali...
Ricardo António Alves, I, 25/11/2019