quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Mais 77 do que 7

Pode ser que, como tantos outros miúdos hoje velhos como eu, tenha desejado, aos 7 anos, ser como o Tintin. Pode ser. A verdade é que, rumo aos 77 anos (idade final do meu Pai), estou cada vez mais parecido com o Capitão Haddock: bebo as minhas garrafosas, digo os meus palavrões e tenho a nostalgia do mar na doca-seca da terrena vida de todos os dias.

Para mais, acho o Hergé um bocado pró racista: belga francófono, piadético de “pretos” e de “portugas”, etc. É verdade que o senhor Georges Prosper Remi, de seu nome completo, está para a BD como o Comandante Costeau está para os oceanos filmados. É verdade. Mas devo confessar que o Tintin me interessa cada vez menos. E tudo por causa do Matt Marriott, meu verdadeiro herói dos quadradinhos.

A criação de Tony Weare (insuperável criador da ilustração da tinta com aparo) e de James Edgar cativou o meu coração a partir dos tais 7 anos, idade que me parece hoje inverosímil. Os meus irmãos liam o Matt Marriott, eu praticamente aprendi a ler na cartilha do Mundo de Aventuras que no-lo trazia.Tintin? Tonnerres de Brest! Fichue espagnolette! Mille milliards de mille sabords! Tortionnaire! E por aí adiante.

É verdade também que de vez em quando, sobretudo no Inverno, com os ossos à lareira, me deixo levar pela desintelectualização da vontade e embarco nas aventuras do repórter que não escreve uma linha que seja para os jornais. O traço e as cores de Hergé levam-me pela mão, sem esforço, à minha primeira idade, como decerto faz a tantos milhares de leitores por esse mundo fora, com a provável excepção dos Estados Unidos da América, onde consta que nem conhecem grande coisa do jovem colonialista, perdão!, repórter de ruiva poupa.

Associo-me pois, por amigável encomenda do Zé Oliveira, a esta efeméride. Sem esforço. Ao Tintin, prefiro o Zé Povinho. De longe. O Zé Povinho, a Mafalda, o Torpedo 1936. Ao Hergé, prefiro o José Vilhena, o Comès, o Eisner, o Edgar P. Jacobs e o F. Caprioli.

Ao Tintin, prefiro, enfim, o Capitão Haddock: uma mão lava a outra, hélas!

Daniel Abrunheiro, 11/02/2009

(Nos 80 anos do Tintin, para o jornal lousanense O Trevim - suplemento mensal BronKit com coordenação de Zé Oliveira)

Nota: O n.º 2 do "BronKit", suplemento do "Trevim", foi todo ele dedicado aos 80 anos do Tintim e inclui os cartunes/BD's que estiveram na exposição "Lousã 2009".

https://fecoportugal.blogspot.com/2009/05/bronkit-n-2.html

Além disso, o n.º 3 também incluiu mais dois desenhos alusivos ao Tintim (de Carlos Sêco e César Évora) que tinham ficado esquecidos na gaveta

https://fecoportugal.blogspot.com/2009/05/bronkit-n-3.html

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