domingo, 19 de janeiro de 2025

Hergé em formato familiar - 89 anos de Joana, João e o Macaco Simão


O nascimento da série, escrita e desenhada por Hergé, deve-se a um pedido dos responsáveis do periódico católico francês Coeurs Vailants, que, a partir de 1930, já publicava as aventuras de Tintin, que desejavam uma série onde os heróis tivessem uma família, com um pai e uma mãe, ao contrário de Tintin, cujas ligações familiares eram obscuras e desconhecidas.

Assim nasce a série com os personagens Jo e Zette, filhos do engenheiro Legrand, e de Jocko, chimpanzé adoptivo da família. Contudo, Hergé desembaraça-se rapidamente dos pais das crianças, colocando-as como as personagens centrais de rocambolescas aventuras.

A série estreia-se com o episódio "Le rayon du mystére" na Coeurs Vailants nº 3 (8º ano) de 19 de Janeiro de 1936 em pranchas em bicromia. A partir de Outubro de 1936, a série é também publicada no periódico belga  Le Petit Vingtiéme, agora a preto e branco.

Mais tarde, com a colaboração de Jacques Martin, a série é colorida e publicada na revista Tintin. Foram realizadas cinco aventuras. Uma sexta, inacabada, foi realizada por Bob De Moor, que responde a uma solicitação de Hergé para adaptar o argumento "Tintin et le Thermozéro". Contudo, o trabalho de adaptação do episódio de Tintin, "A ilha negra", às exigências do editor britânico, impede que De Moor realize o projecto.

A última prancha da série é publicada na revista Tintin nº 328 de 3 de Fevereiro de 1955.

Em Portugal, a série toma o nome de Joana, João e o Macaco Simão, tendo a Difusão Verbo publicado integralmente a obra. A revista Zorro e o suplemento Quadradinhos (1ª série) do jornal A Capital também publicaram algumas aventuras.

[O «Correio Juvenil», revista dos amigos do Clube Verbo, também publicou algumas pranchas da série.]

Bibliografia portuguesa:

O «Manitoba» não responde (Le Rayon du Mystère 1er épisode, Le "Manitoba" ne répond plus), 1936, Zorro #89-1964 a #140-1965; Quadradinhos (Jornal A Capital) #14-1972 a #39-1972; Álbum Difusão Verbo [1981-2]

A erupção do Karamako (Le Rayon du Mystère 2ème épisode, L'éruption du Karamako), 1937, Zorro #141-1965 ao #192-1966; Quadradinhos (Jornal A Capital) #40-1972 a #65-1973; Álbum Difusão Verbo [1981?-3]

Destino Nova Iorque (Destination New York), 1951, Álbum Difusão Verbo [1982-5]

O testamento do Sr. Pump (Le testament de M. Pump), 1951, Álbum Difusão Verbo [1982-4]

O vale das cobras (Le valée des cobras), 1954, Álbum Difusão Verbo [1982?-1]

Bedeteca Portugal, 19/01/2016

ÁLBUNS

Titulo         Título original                Editora     Ano

O vale das cobras         Le vallée des cobras Difusão Verbo     1 1981

O «Manitoba» não responde Le Manitoba ne répond plus Difusão Verbo         2 1981

A erupção do Karamako L'éruption du Karamako Difusão Verbo         3 1982

O testamento do sr. Pump Le testament de M. Pump Difusão Verbo         4 1982

Destino Nova Iorque Destination New York Difusão Verbo         5 1982

Género: Aventura

Início: Coeurs Vaillants nº 3/8º ano, 19 de Janeiro de 1936

Criadores: Hergé

Outros:

Fim: Tintin nº 328, 3 de Fevereiro de 1955

1ª aparição em Portugal:  Zorro nº 89, 20 de Junho de 1964

Revistas: Zorro

Álbuns: Difusão Verbo

Sinopse: Filhos de M. Legrand, engenheiro aeronáutico, os três heróis vivem aventuras rocambolescas

BDnostagia

Os 75 anos dos “irmãos mais novos” de Tintin (2011)

Corria o ano de 1936. O sucesso de Tintin – então a viver a sua sexta aventura, “O Ídolo Roubado” – era crescente, mas não fazia a unanimidade. A prová-lo, chegava a Hergé uma carta de França, da revista católica “Coeurs Vaillants” que também publicava as aventuras de Tintin, pondo em causa o repórter de poupa, onde se lia que o herói “não ganha a sua vida, não vai à escola, não tem pais, não come, não dorme… Isso não é lógico”. E, em jeito de encomenda, desafiava Hergé a criar alguém “cujo pai trabalhe, que tenha uma mãe, uma irmã mais nova, um animal de estimação”, contou o desenhador numa entrevista a Numa Sadoul. Em suma, um bom exemplo para os jovens leitores da revista Aproveitando personagens criados para um trabalho publicitário, Hergé daria assim origem a Jo, Zette e Jocko (conhecidos em Portugal como Joana, João e o Macaco Simão), estreados há 75 anos, a 19 de Janeiro de 1936, na “Coeurs Vaillants”.

Juntos, até 1939 viveriam o tempo de três aventuras, entre o preto e branco, a bicromia e a cor, ou melhor, duas aventuras e meia porque “Jo et Zette au Pays du maharadjah”, só seria concluída 15 anos mais tarde, sob o título “O Vale das Cobras”, nos anos 1950, quando as restantes histórias foram remontadas, divididas e coloridas, totalizando assim a série cinco álbuns.

Os seus protagonistas eram dois irmãos, Joana e João, o pai, o engenheiro Legrand, a mãe, doméstica, e Simão, um macaco, o tal animal de estimação da “encomenda”.

Se o traço estava próximo do utilizado em Tintin, embora seja evidente uma menor entrega do desenhador, em termos narrativos a estrutura era também semelhante à dos álbuns de Tintin, com uma boa dose de ficção-científica, fruto da ocupação do pai. Apesar das bases da “encomenda”, em cada aventura a célula familiar era desfeita rapidamente, pois os miúdos metiam-se em enrascadas, geralmente relacionadas com a profissão do pai, deixando os progenitores em casa, aflitos e expectantes, aguardando o seu regresso de algum destino distante e exótico ou não tenham os heróis visitado a Ásia, a África e o Pólo Norte, em aventuras ingénuas e rocambolescas mas bem estruturadas. Apesar de alguns dos feitos destes “irmãos mais novos” de Tintin (especialmente a pilotagem de aeronaves e engenhos estranhos) soarem pouco credíveis dada a sua tenra idade.

O humor, muitas vezes fruto das intervenções bem-intencionadas mas trapalhonas do macaco Simão, está também presente em todos os relatos, em especial no derradeiro álbum, “O Vale das Cobras, no qual ocupa quase a metade inicial do relato, num longo intróito que poderia apontar para uma eventual inflexão narrativa da série que, no entanto, não teve continuidade.

A título de curiosidade, uma leitura atenta revelará uma série de sequências que parecem decalcadas de álbuns anteriores de Tintins, como poderá facilmente comprovar quem quiser perder algum tempo. Ou melhor, ganhar, porque estas histórias resistiram ao passar do tempo e continuam-se a ler-se com bastante agrado.

Em Portugal, Jo, Zette e Jocko estrearam-se na revista Zorro, no número #89, a 20 de Julho de 1964, com “O Manitoba não responde”, que seria publicada até ao #140, iniciando-se no número seguinte “A erupção do Karamako”, que prosseguiria até ao Zorro #192, de 11 de Junho de 1966. As mesmas histórias seriam depois publicadas no suplemento “Quadradinhos” do jornal “A Capital”, a partir do número 14, de 5 de Junho de 1972. Cerca de 10 anos mas tarde, a Editorial Verbo publicaria integralmente a série em cinco álbuns, republicados mais tarde, entre 1997 e 2000.

A ASA, que actualmente está a reeditar As Aventuras de Tintin, ainda não tem prevista uma data para a reedição desta série, que a Casterman recuperou num único volume em 2008.

Pedro Cleto (Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 19/01/2011)


As "Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão" são mais um tijolo no edifício da linha clara erguido pelo mestre belga (2001)

Embora sem grande burburinho, a Verbo tem vindo a editar em língua portuguesa toda a obra de Hergé. Começou, evidentemente, pelas 23 Aventuras de Tintim, publicou em 12 volumes as Aventuras e Desventuras de Quim e Filipe e concluiu, no final do ano passado, a edição das Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão. Esta é a mais familiar de todas as obras do mestre belga e a menos extensa das suas três séries, com apenas cinco volumes publicados e reformulados pela editora Casterman durante a década de 50, após a fundação do hoje lendário Studio Hergé.

Tendo em conta a projecção internacional que Tintim obteve, desde que a 10 de Janeiro de 1929 foi lançado no "país dos sovietes", torna-se inevitável que todas as restantes criações de Hergé permaneçam, de alguma forma, na sua sombra. Assim acontece com as Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão, que diante de obras-primas da Nona Arte como "O Lótus Azul" ou "As Jóias de Castafiore" fazem modesta figura, mas que, se forem devidamente enquadradas na época e conhecidos os motivos da sua criação, merecem ocupar um lugar de destaque nas estantes dos bedéfilos.

Na verdade, foi o mesmo abade Norbert Wallez que dirigia o Petit Vingtième, onde surgiu o repórter Tintim, que estimulou Hergé a criar as personagens de Joana, João e do macaco Simão (originalmente baptizados como Jo, Zette et Jocko). A razão era simples: educado nos bons preceitos do catolicismo, não agradava particularmente a Wallez o facto de Tintim ser um rapaz solitário, sem pai nem mãe, e pouco preocupado com a propagação dos valores familiares. Assim sendo, convidou Hergé a apostar numa série onde os heróis ostentassem orgulhosamente os seus progenitores e transbordassem de amor filial a cada virar de página.

Num primeiro momento, Hergé parece ter seguido as directivas do devoto abade, ao criar dois irmãos inseparáveis, cujo pai, monsieur Legrand, é engenheiro aeronáutico (embora no último volume da série, O Vale das Cobras, o senhor Legrand deixe os aviões para se dedicar à construção de pontes), e a mãe, como na altura convinha, é uma dedicada dona de casa. O macaco, embora liberte raríssimos pensamentos, serve sobretudo para adornar a acção, dar pancada aos maus e ajudar nos gags físicos, claramente influenciados pelo cinema burlesco, que proliferam pelas pranchas.

No entanto, se a família de João e Joana está presente, Hergé várias vezes a envia para longe, e não pode propriamente ser erguida como modelo de virtude: as crianças estão sempre a meter-se em sarilhos (ainda que para salvar o mundo) e os pais nunca parecem desencorajá-los de entrar nas mais desvairadas aventuras.

A primeira saga da dupla (mais o macaco), O "Raio Misterioso", é publicada em 1936 no semanário francês Coeurs Vaillants. De 1937 a 1939 é a vez de "A Estratonave H. 22". Ambas as aventuras seriam reformuladas no início dos anos 50, à semelhança do que aconteceu com as primeiras aventuras de Tintim, com a entrada em funcionamento do Studio Hergé - por onde passou gente como Edgar Pierre Jacobs, Bob De Moor ou Jacques Martin -, sendo cada história dividida em dois episódios para lançamento em álbum.

Aquele que seria o quinto e último livro da série, "O Vale das Cobras", começou a ser publicado em 1939, com o nome de "Jo et Zette au Pays du Maharadjah", mas foi interrompido após 25 pranchas e apenas retomado 15 anos depois, com a colaboração de Martin.

Este é, naturalmente, o mais maduro dos álbuns de Joana, João e do macaco Simão, sobretudo em termos gráficos, mas não tem a frescura das duas aventuras de maior fôlego, e muito em particular de O Raio Misterioso. Muito antes de Hergé lançar Tintim na sua visionária viagem ao espaço, em "Rumo à Lua" e "Explorando a Lua", já o criador da linha clara dava largas à sua imaginação, criando pequenos gadgets e entretendo-se a exibir o seu fascínio pela tecnologia. As Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão não terão o vigor das obras do pequeno repórter, mas podem perfeitamente ser consideradas como pequenos balões de ensaio, através dos quais Hergé pôde apurar a sua linguagem. Pode não parecer muito, mas é mais do que suficiente.

João Miguel Tavares / DN, 30/07/2001


O VALE DAS COBRAS

Autor: Hergé

Editora: Verbo

Páginas: 56

Género: Banda Desenhada

Preço: 2050$00

Classificação: ***

O "MANITOBA" NÃO RESPONDE (O Raio Misterioso)

Autor: Hergé

Editora: Verbo

Páginas: 56

Género: Banda Desenhada

Preço: 2050$00

Classificação: ****

A ERUPÇÃO DO KARAMAKO (O Raio Misterioso)

Autor: Hergé

Editora: Verbo

Páginas: 56

Género: Banda Desenhada

Preço: 2050$00

Classificação: ****

O TESTAMENTO DO SR. PUMP (A estratonave H.22)

Autor: Hergé

Editora: Verbo

Páginas: 56

Género: Banda Desenhada

Preço: 2050$00

Classificação: ***

DESTINO NOVA IORQUE (A estratonave H.22)

Autor: Hergé

Editora: Verbo

Páginas: 56

Género: Banda Desenhada

Preço: 2050$00

Classificação: ***

Direitos reservados

IMAGINAÇÃO. 

Onde está Tintim?...

Aventuras de Joana, João e o Macaco Simão – O Vale das Cobras

Texto e desenhos: Hergé (com Jacques Martin e Bob de Moor) 

Editora: Difusão Verbo, Lisboa, 1981

Na década de 1930, Tintim suscitava reservas ao conservadorismo: não tinha família, não estudava, era demasiado livre. A revista Coeurs Vaillants propõe assim a Hergé uma série com crianças normais, inseridas numa família tradicional. Nascem então Jo, Zette et Jocko – Joana, João e o Macaco Simão, em português –, os gémeos da família Legrand, composta pelo pai engenheiro, a mãe doméstica e um chimpanzé.

O Vale das Cobras, em curso de publicação em 1939, foi interrompido e só retomado na década de 1950 pelos Estúdios Hergé, concluído por Jacques Martin (Alix, Lefranc) e Bob de Moor (Barelli, Cori, o Grumete), saindo o álbum em 1957.

Numa estância de neve na Alta Saboia, Joana, João e Simão cruzam-se com o Marajá de Gopal, rei dum país imaginário nos Himalaias indianos. O marajá merece, por estupidez própria, figurar na galeria das grandes personagens secundárias de Hergé, que o qualificava como um Abdalá (O País do Ouro Negro) adulto. Entra em conflito com os miúdos porque estes ousam ultrapassá-lo no esqui, e como se não bastasse ainda apanha com uma bola de neve em cheio na cara. Qualquer contrariedade tinha como punição mínima o açoitamento do infrator, pelo que as coisas poderiam não lhe correr de feição; mas intervém o pai Legrand. Sanados os hilariantes incidentes, o engenheiro é convidado pelo soberano a construir uma ponte numa região remota do país. O que ambos não sabem é que o seu vizir pretende dar um golpe e ser marajá no lugar do marajá…

Mesmo a seis mãos, trata-se de puro Hergé, dando ideia, ao virar de cada página, que Tintim vai aparecer por ali... 

Ricardo António Alves, I, 25/11/2019




 

BD Press # 339

OS HERÓIS QUE HERGÉ CRIOU POR ENCOMENDA 

Em 1936, a revista católica 'Coeurs Vaillants' pediu ao 'pai' de Tintin uma série para-as crianças e as famílias da classe média belga. E assim nasceu 'Jo, Zette et Jocko', que Hergé abandonaria apos três aventuras, divididas por cinco álbuns.

Uma edição integral da Casterman junta-os.

No início da década de 60, Hergé pediu ao seu colaborador e distinto autor de banda desenhada Bob de Moor que transformasse o argumento de Tintin, et le Thermozéro, uma aventura de Tintin que abandonara e que tinha a assinatura de Michel Greg (1), numa história da série Jo, Zette e Jocko, que se chamaria simplesmente Le Thermozéro. Hergé tinha vontade de retomar a série, cujo último álbum, La Vallée des Cobras, tinha saído em 1957, mas o projeto acabou por ser posto de parte porque Bob de Moor (2) teve de ajudar o criador de Tintin, a modernizar o álbum A Ilha Negra, e Hergé nunca mais voltou a pegar em Jo, Zette e Jocko.

Os cinco álbuns da série, que correspondem na realidade a três aventuras, já que as duas primeiras histórias foram remontadas, coloridas e divididas em quatro álbuns por razões editoriais, foram finalmente reunidos num só volume pela Casterman, intitulado Les Aventures de Jo, Zette et Jocko, e que inclui Le Testament de M. Pump e Destination NewYork (sob o titulo geral Le StratonefH 22), Le "Manitoba" ne Répond Plus e L’Eruption du Karamako (sob o titulo geral Le Rayon du Mystère) e La Vallée des Cobras (esta chamou-se originalmente, nos anos 30, Jo et Zette au Pays du Maharadjah e a sua publicação ficou incompleta na altura). A esta edição falta, no entanto, o aparato histórico e crítico, bem como o material de arquivo que habitualmente encontramos nas "integrais" dos heróis da banda desenhada franco-belga, o que a empobrece aos olhos do leitor e do colecionador.

Ao contrário de Tintin, e de Popol e Virginie e Quick et Flupke, a série Jo, Zette e Jocko foi a única criada por Hergé que resultou de um pedido. Em 1936, os diretores da revista católica para jovens Coeurs Vaillants solicitaram a Hergé que pensasse na criação de uma aventura cujos protagonistas não vivessem, como Tintin, num vácuo familiar, biográfico e profissional, e com os quais as famílias e as crianças da classe média belga se pudessem identificar. Hergé recordou a Numa Sadoul (3), no seu livro de entrevistas Tintin et Moi, a génese de Jo, Zette e Jocko: "A direção da revista [Coeurs Vaillants] disse-me mais ou menos isto: 'Sabe, o seu Tintin não está nada mal, não senhor. Gostamos todos muito dele. Mas não ganha a vida, não vai a escola, não tem pais, não come, não dorme... Não é muito lógico. Não podia criar uma personagem cujo pai trabalhe, que tenha uma mãe, uma irmã, um animalzinho de estimação?".

Nessa altura, Hergé estava a fazer um trabalho publicitário para uma firma de brinquedos e tinha vários em casa para se inspirar. Entre eles estava um chimpanzé de peluche chamado Jocko. E foi a partir dele que o autor criou a família Legrand, composta pelo pai, engenheiro de profissão, pela mãe, dona de casa, pelos irmãos Jo e Zette, de 11e dez anos, respetivamente (vestem-se sempre da mesma maneira, a exemplo de Tintin e das outras personagens da sua "família"), e pelo chimpanzé Jocko, que fala consigo mesmo, tal como Milou, mas não com os humanos. Jo e Zette tiveram como antecedentes um duo de irmãos, Antoine e Antoinette, que Hergé criou para serem os heróis de seis pranchas publicitárias da marca de chocolates belgas Antoine, que não foram assinadas pelo autor nem datadas. Curiosamente, esta aventura publicitária levava como titulo... A Bola de Cristal. Antoine e Antoinette tinham também animais de estimação, um cão, Plouf (no qual se reconhecem traços de Milou), e um papagaio chamado Dropsy.

Segundo conta Benoît Peeters (4) no seu monumental Le Monde d'Herge, "apesar de toda a sua boa vontade, Hergé nunca se sentiu muito confortável com esta série, por causa da multiplicidade de constrangimentos que lhe eram impostas e da artificialidade da construção do conjunto". Hergé explicou assim a situação a Numa Sadoul, no livro citado: "Foi preciso antes de mais arranjar uma profissão ao pai, uma profissão que o fizesse viajar: muito bem, engenheiro servia bem. Mas, além disso, o papá e a mamã passavam a maior parte do tempo a soluçar e a interrogar-se sobre a sorte dos seus queridos filhos que desapareciam em todas as direções. Era então preciso fazer viajar toda a família: era uma maçada! Decidi então desistir... Tintin, pelo menos, é livre! Feliz Tintin! Recorda-me a frase de Jules Renard (5): 'Nem toda a gente tem a sorte de ser órfão'."                                                                                                                                    
Mesmo assim, Hergé ainda desenhou cinco aventuras de Jo, Zette e Jocko entre 1936 e 1954, sendo que a versão para álbum da última, La Vallée des Cobras, foi em grande parte da responsabilidade de Jacques Martin, o criador de Alix, com uma ajudinha de Bob de Moor.

Apesar de ter sido criada para a Coeurs Vaillants, a série passou depois para o suplemento juvenil Le Petit Vingtième, do diário Le Vingtième Siécle, a "casa" de Tintin, sendo mais tarde também publicada nas páginas do Tintin belga. Mesmo tendo em conta o enquadramento convencional em que surgiram, Jo, Zette e Jocko apresentam varias características interessantes, e as suas aventuras são uma combinação de elementos, personagens e situações feitas clássicas das histórias juvenis de banda desenhada da sua época, e do génio criativo de Hergé e das estruturas narrativas que ele privilegiava, e que se harmonizam de forma bem mais feliz do que alegam alguns dos que menosprezam esta série como sendo menor na obra do "pai" de Tintin.

'Les Aventures de Jo, Zette et Jocko' de Hergé
Casterman, 272 págs.
TSBN-978-2-203-01611-8
23,75 euros, na amazon.fr

Mesmo dependendo da ajuda dos pais e dos adultos em geral para se saírem bem das complicações em que se envolvem, sempre relacionadas com a profissão do pai, Jo e Zette são também heróis inteligentes, voluntariosos e corajosos, que usam estas qualidades para levarem a sua avante, o que faz com que se desenvolva uma forte identificação entre eles e os leitores.

Tal como sucede nas histórias de Tintin, as de Jo, Zette e Jocko contêm elementos de aventura tradicional, de espionagem e de ficção científica, ambientando-se muitas vezes em regiões distantes. Benoît Peeters nota que nelas encontramos coisas para que Hergé "não arranjou espaço nas aventuras de Tintin". Mas há também outras que não estariam deslocadas nas histórias deste, nomeadamente a tecnologia (Le "Manitoba" ne Répond Plus e L'Eruption du Karamako são particularmente inventivos neste aspeto). E também o sentido de humor de Hergé e o seu gosto pelos gags bem concebidos estão por toda a parte nas aventuras de Jo, Zette e Jocko (ver tudo o que se refere à figura do milionário norte-americano Pump, fanático da velocidade e que acaba por ser vitima de si mesmo em Le Testament de M. Pump). E ainda, tal como Milou, também o chimpanzé Jocko se mete em confusões paralelas às dos seus donos, muitas vezes com outros animais. Hergé não resistiu a fazer pequenas piscadelas de olho ao universo de Tintin nas histórias de Jo, Zette e Jocko. Por exemplo, o observador mais atento não deixara de reparar no retrato do capitão Haddock pendurado na parede da sala da família Legrand em Le Testament de M. Pump.

Em 1972, a longa-metragem animada Tintin e o Lago dos Tubarões foi buscar ideias a Le "Manitoba" ne Réponds Plus e L'Eruption du Karamako. Em Portugal, Jo, Zette e Jocko chamaram-se Joana, João e o Macaco Simão, e estrearam-se na revista Zorro em 1964. As suas cinco aventuras, traduzidas como O Testamento do Sr. Pump, Destino Nova Iorque,O 'Manitoba' não Responde, A Erupção do Karamako e O Vale das Cobras, foram editadas pela Verbo na década de 80. Ao que parece, existe nos arquivos da Fundação Herge um esboço completo do álbum Le Thermozéro feito por Bob de Moor.

Notas:

(1) Michel Greg (193l-1999) foi um dos maiores argumentistas e autores da banda desenhada franco-belga, chefe de redação da revista Tintin e criador de personagens como Achille Talon.

(2) Colaborador muito próximo de Herge, Bob de Moor (1925-1992) era o pseudónimo do desenhador Robert Frans Marie de Moor, que terminou o álbum inacabado de E. P. Jacobs Mortimer contra Mortimer, da série Blake e Mortimer.

(3) Numa Sadoul (n. 1947) é o autor de vários livros de entrevistas com grandes autores de banda desenhada, caso de Hergé, Uderzo ou Franquin, bem como de obras sobre Gotlib e Moebius.

(4) Romancista, crítico e argumentista de banda desenhada, Benoît Peeters (n.1956) é o especialista na obra de Hergé, a que já dedicou vários livros.

(5) Jules Renard (1864-1910) foi um escritor e dramaturgo francês, cofundador da revista literária Mercur




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