Chegou-nos um curioso caderno encadernado à mão, onde na capa é apresentada uma aventura de Tintin e Milou.
Lá dentro está a aventura incompleta, que, cotejada com a original, é cerca de quarenta por cento.
Refere-se a “Le Sceptre d’Ottokar”, e, embora não se conheça a data de publicação, é identificada como sendo publicada pelo «Diabrete», porventura, a primeira vez que tal acontece.
A duas cores e sem o título da aventura, a par da curiosidade de Tintin ‘ser’ Tim-Tim e de se conhecer a sua idade, e Milou ser tratado por Rom-Rom, está a apresentação, que transcrevemos:
AVENTURAS DE TIM-TIM E ROM-ROM
Tim-Tim, o famoso jornalista de treze anos, a cujo espírito observador e audacioso se deve a descoberta de vários mistérios, entra para o serviço do «Diabrete». Uma manhã destas subia ele a Avenida, na companhia do inseparável e astuto Rom-Rom…
*
Certamente que este é um documento importante para a história destas personagens em Portugal. Quem poderá acrescentar mais elementos a esta ‘história’? [mj]
Publicado por MCNM, 26/09/2006
Comentários:
At Ter Set 26, 03:45:00 PM 2006, Blogger BIGMAC said...
Água mole em mente conservadora tanto bate até que aloura, fiquemo-nos pelo penteado da moda, o penteado à Tintin, Tintim ou Tim-Tim, nunca entendi porque nas traduções se faz questão em alterar nomes próprios, um destes dias vou a New iorque ver isso. Este penteado está agora a ser utilizado nos "morangos" com algum sucesso. Vou ver se lhe consigo directamente da fonte "desalfarrebar" isso.
Grande abraço,
At Ter Set 26, 06:53:00 PM 2006, Blogger FSantos said...
O Diabrete tinha como director Adolfo Simões Muller, que já dirigira O Papagaio; nesta última revista já se publicara pelo menos uma aventura de Tintin, salvo erro "Tintin na América". Muller veio a ser o director do Cavaleiro Andante, ao qual sucedeu o Zorro. Nesta revista ainda aparecem aventuras de Tintin, grafado Tim-Tim (Milou efectivamente como Ronron e o Capitão Haddock como Capitão Rosa; já Tournesol é o professor Pintadinho!).
Dê uma olhadela a este site,
At Ter Set 26, 07:21:00 PM 2006, Blogger A VOZ said...
Caro FSantos
Obrigado pelas suas informações.
As palavras “entra para o serviço do «Diabrete»” levaram-me a pensar ser esta a primeira aventura de Hergé publicada na revista.
E as tiras foram recortadas dela.
É pena que a história não esteja completa, por tudo e por causa dos textos dos balões, tão diferentes da versão original.
At Qua Set 27, 01:59:00 AM 2006, Blogger BIGMAC said...
Tenho dentro da bagagem Tintim e os Templários.
A mulher em geral, tal como retratada nas aventuras de Tintim, tem os seus defeitos e as suas virtudes, isso não implica que consideremos hergé um fâ iluminado das mulheres com pelos nas pernas.
At Qua Set 27, 04:08:00 AM 2006, Blogger Mendo Ramires said...
Para tirar todas as dúvidas sobre BD publicada em Portugal, de 1850 (!) a 1997, recomendo o seguinte livro (eu tenho-o sempre perto):
«Os Comics em Portugal. Uma História da Banda Desenhada», de António Dias de Deus; Edição: Edições Cotovia e Bedeteca de Lisboa, 1997.
At Qua Set 27, 09:20:00 AM 2006, Blogger A VOZ said...
Amigo BigMac, sereis duplamente sortudo!
Primeiro, porque o álbum “Tintin e os Templários” é número único!
Segundo, porque esse original valerá milhões!
Agora, cuidado, o máximo cuidado, não vá ele molhar-se na piscina…
At Qua Set 27, 09:21:00 AM 2006, Blogger A VOZ said...
Caro Mendo
Uma vez mais, a Ilustre Torre de Ramires mostra a sua importância blogosférica.
E mais não digo.
Dúvida, jamais, Síntese, sempre!
At Qua Set 27, 04:50:00 PM 2006, Blogger FSantos said...
É um bom livro, caro Mendo, embora discorde da severidade do autor face a algumas publicações. Nota-se também alguma acrimónia contra Adolfo Simões Muller por escolher para as suas revistas sobretudo autores católicos. Em contrapartida é de louvar o relevo dado ao "Camarada" (publicação da Mocidade Portuguesa), que se distiguiu pela divulgação de autores portugueses como o recentemente falecido Carlos Roque.
At Qua Set 27, 07:10:00 PM 2006, Blogger Mendo Ramires said...
Excelentes ressalvas, Caro FSantos.
At Qua Set 27, 09:00:00 PM 2006, Blogger A VOZ said...
Ilústres Amigos FSantos, Mac e Mendo Ramires
É uma honra para 'A Voz', receber aqui os Vossos contributos.
Bem Hajam.
Mário
+/-extra
SEGUNDA-FEIRA, JUNHO 13, 2005
«A Árvore das Patacas», de João Paulo Meneses
“Os partidos portugueses só se lembram de Macau para vir buscar dinheiro”
Portugal, 1986. O PSD, Partido do Socialismo Democrático, liderado por Carmona Valdemar, está em pânico. Com o aparecimento de um novo partido de esquerda no espectro político português, o PDR – Partido da Democracia Renovada, e a emergência de eleições legislativas no horizonte, o PSD tem de, rapidamente, arranjar dinheiro para a campanha eleitoral que se aproxima. O partido acaba de perder o seu líder histórico, Sobral Martins, eleito Presidente da República, e que também viu a sua facção interna ser derrotada por Carmona Valdemar. É neste contexto que Carlos Ramalho, o protagonista de “A Árvore das Patacas”, parte para Macau em busca do tão necessitado dinheiro. Mas, aí, além do desconhecimento do terreno, rapidamente aprende que não pode confiar praticamente em ninguém, desde os jornalistas aos colegas de partido, como Vasco Adão, passando pelo próprio Governador, Matos Portela.
A trama do livro baseia-se, como a maior parte recordará, na famosa história da mala cheia de patacas, e que envolveu os mais altos dirigentes socialistas nos primeiros tempos do cavaquismo. Numa entrevista ao Terras do Ave, João Paulo Meneses aceita que o assunto é polémico e delicado, e que boa parte dos factos são verdadeiros. Os nomes obviamente estão alterados, mas é fácil ligá-los às verdadeiras personagens, não só pela função de cada uma, mas pelo método hergeniano que o autor escolheu para os esconder. Para quem não sabe, não existe ninguém chamado “Hergé”. O nome do autor belga de banda desenhada, que criou o “universo Tintin”, onde eu, Dupont, modestamente me insiro, chamava-se Georges Remi. As iniciais do nome são, portanto, “GR”. Invertida a ordem, teremos “RG” ou “érregê” e, finalmente, “Hergé”. João Paulo Meneses usou, em “A Árvore das Patacas”, um método semelhante: basta atentar nas iniciais dos nomes, inverter a sua ordem e rapidamente se formam nomes bem conhecidos: Carmona Valdemar é Vítor Constâncio, Vasco Adão é António Vitorino, Sobral Martins é Mário Soares, Matos Portela é Pinto Machado e por aí fora… O mais importante é, obviamente, a personagem principal, Carlos Ramalho, o falecido arquitecto Rosado Correia, que chegou a ser candidato à Câmara Municipal do Porto. Ironicamente, o Partido Socialista é o "PSD", o Partido Social Democrata é o "PS-Partido Social" e o Centro Democrático Social é o "PC-Partido do Centro"... O Diário de Notícias chama-se, simplesmente, “Notícias Diárias”…
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“A Árvore das Patacas” é quase o livro de uma só personagem, Carlos Ramalho. A acção demora treze dias, durante os quais acompanhamos, em exclusividade, a viagem, os contactos, as conversas de Ramalho. Com ele e com o narrador, o leitor partilha as suas descobertas, os seus receios, os seus pensamentos de uma forma total. Aliás, o envolvimento é tal que o narrador, por vezes (pags 126, 136, 151, etc…), quebra a barreira invisível que o separa do leitor e refere-se a Carlos Ramalho como “o nosso protagonista”…
É claro que com tanta atenção na “nossa” personagem, pouco espaço sobra para desenvolver o resto. Assim, na vertigem da acção, não há tempo para descrições, paisagísticas ou outras, nem para grandes considerações que ajudassem a definir outras personagens. Como sempre, há uma levíssima excepção, a única personagem feminina, Anabela, porto semi-seguro de Ramalho, a quem ele recorre nos momentos mais difíceis – ou não fosse enfermeira….
Nem será preciso explicar que a personagem principal de “A Árvore das Patacas” está completamente “Lost in Translation”: encontra-se em território desconhecido, mexendo-se entre gente em quem não confia, com uma língua que não domina, com costumes com que não se identifica e, até, com fusos horários trocados! É claro que o filme de Sophia Coppola é, agora, citação obrigatória em tudo o que se relacione com a chegada de um ocidental ao Oriente, mas a realidade parece ser mesmo essa. E Bill Murray não merece só ser citado, aqui, por esse filme. João Paulo Meneses opta por iniciar vários capítulos colocando Ramalho a acordar, quase sempre estremunhado, o que remete para “Groundhog Day/O Feitiço do Tempo”, em que a personagem interpretada por Murray (um jornalista…) fica preso no Tempo, acordando, atarantado, sempre no mesmo dia… As referências de qualquer índole, em “A Árvore das Patacas”, são escassas, destacando-se alguma simetria com “O Mandarim”, de Eça de Queirós, a que Ramalho recorre como símbolo mais como muleta de apoio do que de leitura.
Macau, cidade do jogo, a “Las Vegas do Oriente”, é a metáfora perfeita para um argumento que gira, precisamente, à volta de um outro jogo: o político. O autor sabe-o, controla a acção como se, efectivamente, se tratasse de uma versão do “Jogo da Glória”, onde não falta o clímax final, antes de atingir a tão desejada última casa, Lisboa. No controle da acção João Paulo Meneses é magistral, já que tudo acontece quando deve acontecer, nada ficando ao acaso, sem esquecer as muitas metáforas e expressões próprias desse mundo onde a sorte é rainha, aqui usadas no contexto político. Terá sido por mero acaso que Ramalho passou exactamente treze dias em Macau? E sonhos e pesadelos, como os muitos que o protagonista teve, não escondem, desde sempre, presságios?... É claro que ter lá trabalhado, como aconteceu com João Paulo Meneses, ajuda, e muito, a dar uma maior coerência e veracidade à história.
Relativamente ao estilo, é muito próximo da narração jornalística, com economia de adjectivos e muita factualidade. Aliás, a “necessidade” de ser o mais fiel possível leva o autor a recorrer a certos expedientes estilísticos de utilidade discutível. Exemplo disso são as várias “notas de autor” colocadas dentro da narrativa e não em rodapé, ou o uso de fórmulas sintéticas não usuais em literatura: “continua a tentar perceber a estratégia de abordagem que Vasco Adão vai/está a escolher” (Pag 89).
Ao mexer em assuntos destes, obviamente que João Paulo Meneses arrisca alguma coisa, até porque Vítor Constâncio já fez a sua “travessia do deserto” e volta a ser uma figura preponderante na cena política nacional. Mas o jornalista, blogger e escritor vilacondense mostra coragem e, acima de tudo, encarna o espírito do verdadeiro jornalista que só aceita a morte da história quando souber toda a verdade.
Dupont
por Alcazar, Dupond, Dupont e Haddock
---Qual é a ideologia da BD?
No século passado, Nietzsche (1844-1900) falava do ser humano ideal: o Super-Homem (Übermensch). Aquele que imporia a sua vontade aos fracos e inúteis. Trinta e seis anos depois da morte do filósofo alemão, surge nos Estados Unidos da América o primeiro super-herói da banda desenhada. Nascido no Planeta Crípton, com maior gravidade que a Terra, tem capacidades extraordinárias. Voa, luta contra o crime e salva as vítimas. O seu único calcanhar de Aquiles é a criptonite. Paralelamente a esta realidade ficcionada, ele é um jovem repórter – Clark Kent – e, tal como qualquer humano que se preze, leva uma vidinha pacata. É apaixonado por uma mulher, Lois Lane, e tudo o deseja é fazer o “bem”.
Se tirar ao argumento o fato elástico azul e a capa vermelha, resta-lhe o american dream. A “superinvenção” de Jerome Siegel (texto) e Joseph Shuster (arte) – mais tarde adaptada à televisão e ao cinema –, ao contrário do que parece à primeira vista, tem tudo menos de naif. O herói de milhões de crianças de todo o Mundo é um acérrimo defensor dos valores americanos: Família, Trabalho e Pátria. De Marte vem, quase sem excepção, o inimigo. Nada de estranhar. Marte é o planeta “vermelho”. De lá chega o “mal”. Facto a que não é alheio o começo da guerra fria, em meados dos anos 40, que divide o mundo em dois blocos: democracia versus comunismo. Nem mesmo a BD escapa a esta lógica. «A ideologia está em toda a parte», frisa Vasco Granja, 74 anos, conhecido por uma vida dedicada à Animação.
Entretanto, numa cidade não muito distante, o mais famoso homem-morcego combate o crime com as suas armas. Batman é o seu nome. Um dos maiores cultos populares norte-americanos surgia, em 1939, numa história de seis páginas. Bob Kane – o criador falecido no ano passado – inspirou-se nos engenhos voadores de Leonardo da Vinci; num desenho de uma máquina voadora com umas grandes asas que batiam. «Para mim era um homem com asas (batman)», afirmava o autor. “A Marca de Zorro”, “The Shadow” e “O Fantasma”, muito populares àquela época, trataram do resto. Bill Finger – o argumentista da série – veio, mais tarde, ajudar à festa. Com a sua ajuda, Batman ganha a expressão de hoje: batmobile, fato preto e cinzento, armas à cintura.
Em 1940, surge Robin, o menino-prodígio. Muita tinta correu sobre a sua relação equívoca com Batman, dando lugar a investigações – quiçá voyeuristas – sobre as orientações sexuais da dupla.
Atlético, ágil, vestido de preto, mascarado, equipado com a mais alta tecnologia, mas sem poderes sobre-humanos, Batman é a versão mais “terrena” do super-herói vindo de Crípton. Tal como a personagem de Metrópolis, o homem-morcego de Gotham City defende os ideais americanos. É um herói perfeitamente “encaixado” no sistema. Bruce Wayne – a versão “civil” de Batman – é um milionário amigo do mayor de Gotham City e, mesmo depois das sucessivas armadilhas que os seus arqui-rivais lhe preparam, a população da cidade dorme descansada com a sombra do morcego nos céus.
Os irredutíveis belgas
«Hergé (1907-83) foi colaboracionista, monárquico. Não se pode dizer que tenha sido pró-nazi ou fascista, mas sempre viveu num meio conservador», descreve João Paulo Cotrim, director do mais especializado “palácio de BD” – a Bedeteca, nos Olivais. E continua: o belga criador de Tintim – cujo verdadeiro nome era Georges Remi –, «mais do que ligado a uma ideologia nomeada, tinha a ideia de que os comunistas comiam criancinhas ao pequeno-almoço».
A ausência da mulher, o mundo masculino da amizade (em “Tintim no Tibete”, 1960, por exemplo), uma certa ideia de xenofobia nos primeiros álbuns – «que tem mais a ver com o fruto da época» –, o anti-americanismo e antijudaísmo num dos livros são características patentes em Tintim e enunciadas pelo jovem director. «Mas – acrescenta – isso não quer dizer que Hergé tenha mudado algum comportamento. Eu acho que não.»
O primeiro álbum foi o primeiro “pecado” do artista belga. “Tintim no País dos Sovietes” (1929/30) – reeditado em português ainda este ano – desacreditava a revolução bolchevique e foi publicado na imprensa belga, então amigada com os ocupantes nazis. Após a II Guerra Mundial, a sua “amizade” continuou polémica; os fiéis do Reich não proibiram a publicação das suas histórias, regularmente impressas no vespertino “Le Soir”. “Tintim no Congo” (1931) mereceu-lhe adjectivações de colonialista e imperialista e em “Carvão no Porão” (1958) o tiro saiu-lhe pela culatra. Neste álbum, o repórter luta contra o tráfico de escravos e, contraditoriamente, o seu “mestre” é etiquetado de esclavagista.
«Hergé criou uma linguagem», diz o escritor e estudioso de BD, Ignacio Vidal--Foch, em declarações à revista “Tiempo”.
À parte das ideologias, Tintim conseguiu ser um dos melhores comics da história. Sempre acompanhado do seu fox-terrier, Milu, ele é um herói humano, terreno e, por isso, muito próximo dos seus fidelizados fãs. Até 1993 foram vendidos, em todo o mundo, 172 milhões de álbuns do amigo do capitão Haddock, existem teses de doutoramento e ensaios infindáveis sobre Tintim e até Charles de Gaulle declarou um dia: «No fundo o meu único rival internacional é Tintim. Nós somos os pequenos que não nos deixamos apanhar pelos grandes.» O famoso repórter de popa agrada a leitores dos 7 aos 77 anos.
Também da Bélgica nos chega um outro fenómeno de BD: Astérix, o Gaulês, é «um exemplo onde a ideologia é utilizada como prisma narrativo», analisa Cotrim. Na Roma antiga, uma minúscula aldeia gaulesa (actual França) resiste activamente à ocupação romana. Um pequeno gaulês de capacete alado e o seu grande amigo são os protagonistas das pranchas criadas por René Goscinny (texto) e Albert Uderzo (arte). «Uma ideologia positiva», classifica o especialista da Bedeteca. Transpiram os ideais da liberdade, fraternidade e igualdade. «Como – acrescenta – em todas as ideias passadas através da Banda Desenhada, que mais uma vez funciona como um espelho da sociedade francesa da altura», apesar de ser de origem belga.
O primeiro álbum é publicado em 1959 e «o pensamento de Goscinny é o da sociedade do seu tempo». A França, governada pelo general De Gaulle, conquistaria novas liberdades com a verdadeira revolução dos costumes que foi o Maio de 68. A resistência ao statu quo é um denominador comum na ficção e na realidade. “A imaginação ao poder” é o emblema da revolta estudantil.
Em Astérix, é pelo poder da imaginação – mais do que pela força colossal de Obélix – que os gauleses conquistam, a todo o momento, a liberdade. A arma secreta não se esgota na poção mágica do druida.
Para lá dos bonecos
“Preso por ter cão e preso por não ter” é um provérbio que se aplica a Hugo Pratt. Segundo João Paulo Cotrim, o pai de Corto Maltese foi condenado, nos anos 60 e 70, por não carregar os seus álbuns de ideologia.
história do marinheiro romântico e enigmático que navega em mares de perigo «está relacionado – de acordo com o director da Bedeteca – com as aventuras do herói. Pratt afasta-se, propositadamente, das ideologias. Ele viveu a guerra, o fascismo e o comunismo. Há um relacionamento cínico do herói com as ideologias».
A falta de teor ideológico é compensada pela inclusão de histórias relacionadas com a Maçonaria e a Carbonária. O conquistador de camisola às listas está sempre escusamente envolvido com rituais místicos e secretos, o que denota o interesse do autor pelas grandes tradições religiosas. O esoterismo como motor da narrativa. Rezam as crónicas que Hugo Pratt nunca esteve associado a seitas – mas também nunca o desmentiu... “A Fábula de Veneza” é disso um exemplo paradigmático. «O mais maçónico dos seus álbuns traz algumas incorrecções relativamente ao procedimento da Loja», conta Cotrim. «No fundo, a ideologia de Pratt é a ideologia do não dito.»
Obscuro também é o passado do homem que deu o nome a uma verdadeira escola. Walt(er) Elias Disney foi o mentor do Rato Mickey & companhia mas foi também o delator-mor de muitos dos seus amigos na época da caça às bruxas (o maccartismo). «Não foi um herói positivo», caracteriza João Paulo Cotrim. Em 1923, Walt Disney fundou o estúdio em Hollywood que deu origem à primeira série de desenhos animados do Mickey Mouse. Ainda sem som, “Plane Crazy” trouxe aos olhos de todos o bonequinho de orelhas grandes. A sonorização surge, em 1928, com a curta-metragem “Steamboat Willie”.
Com a invenção do rato mais famoso do mundo, estava ligado o motor de arranque para a construção de um império, onde perpassa o sonho americano. A riqueza está ao alcance de todos e o esforço é sempre premiado. Uma mensagem paternalista que prossegue o american way of life; os valores sociais e morais do capitalismo de uma América de esperança e bondade.
A par de Mickey surgem Pato Donald, o milionário Tio Patinhas, o Pateta e outros tantos, a que se vieram aliar as grandes produções como “A Branca de Neve e os Sete Anões” (1938), o “Pinóquio” (1940), o “Dumbo” (1941) e os mais recentes furores “Rei Leão” e “Pequena Sereia”.
A Disneylândia (inaugurada em 1955, na Califórnia) tornou-se em mais do que um gigantesco parque de diversões. Ela é hoje um império com colónias espalhadas por todo o mundo.
Politiquices animadas
Mas à realidade norte-americana que temos vindo a retratar, contrapõe-se uma outra que, além do país onde é fabricada, nada tem a ver com a primeira. Estamos a falar de comics independentes, como os que produzem Bagge e Clowes, que retratam uma sociedade muito diferente da divulgada pela Marvel ou pela Disney. Fazem um retrato sociológico sobre o afastamento e a falta de solidariedade vivida na terra do Tio Sam. Parece-lhe a mesma realidade de que falávamos há pouco?!
De sucesso também – mais comercial do que outro –, mas vinda da Terra do Sol Nascente, chega-nos a banda desenhada genericamente denominada “manga”. Apesar de não ser fruta é, na mesma, devorada. Ao Ocidente chega a ideia de japoneses completamente afogueados com a crise económica, que se refugiam nas pranchas plenas de violência e sexo. Uma manga a roçar o reaccionário. Mas apenas conhecemos uma pequena fatia da realidade. A manga japonesa faz parte de uma indústria monstruosa da qual nos chega apenas uma muito reduzida amostra que, por acaso, é só a mais vendável, destinada aos teenagers.
«A manga que chega ao Ocidente é eminentemente machista, mas também a sociedade japonesa o é. Apesar de tudo, é plural; a par destes comics machistas, existem outros que não o são.» João Paulo Cotrim continua: «Este tipo de BD corresponde a uma lógica que não é a nossa. Temos de a contextualizar.»
Os arrebates gráficos japoneses e os super-heróis norte-americanos – aquilo a que Joan Navarro, editor e outrora director de uma famosa revista de Banda Desenhada espanhola, chama de «fascistóides» – ocupam os melhores lugares de vendas e de conhecimento do público em geral.
Mas, pergunta você, tem sentido estarmos para aqui a falar de ideologia na banda desenhada? Em declarações à revista “Tiempo”, Navarro afirma peremptoriamente que sim. «Da mesma maneira que tem sentido ir buscá-la ao “Exterminador Implacável” ou ao “Rambo”, aos videojogos e às tele-séries.»
Cotrim, por seu lado, não crê na BD como um instrumento muito poderoso de manipulação de mentalidades. Ela não é tanto uma chave para a mudança de mentalidades, mas mais o espelho de uma determinada época e das convicções do seu autor. «Desse ponto de vista, a televisão é um meio mais poderoso e totalitário. A Banda Desenhada pede esforço de leitura, de colagem de imagens, de interpretação».
E, ressalta, nem todas as ideologias passadas nos comics são negativas. «Existe muita Banda Desenhada libertária», conclui. É o caso de “Maus”, de Art Spiegelman. Uma história antropomórfica sobre o Holocausto, uma crónica das peripécias do povo judeu na Alemanha de Adolf Hitler na II Guerra Mundial, com um óptimo tratamento gráfico, no qual os judeus são ratos e os nazis gatos, mereceu, em 1991, o Pulitzer de História. Nas rosas nem tudo são espinhos...
Por Mónica Franco
https://arquivo.pt/wayback/20020227232837/http://politicamoderna.euronoticias.pt/artigo.asp?id_artigo=227&artigo=Qual+%E9+a+ideologia+da+BD
https://arquivo.pt/wayback/20011212182430/http://bd.publico.pt/noticias.html
Se é certo e seguro que não haverá novas aventuras de Tintin, como ficou estatuído por vontade expressa do seu criador, Hergé, o mesmo não se passa com o já clássico "Tintin et moi - entretiens avec Hergé", a mega-entrevista concedida pelo autor belga a Numa Sadoul.
Tintin et moi - entretiens avec Hergé
Se é certo e seguro que não haverá novas aventuras de Tintin, como ficou estatuído por vontade expressa do seu criador, Hergé, o mesmo não se passa com o já clássico "Tintin et moi - entretiens avec Hergé", a mega-entrevista concedida pelo autor belga a Numa Sadoul. Vem isto a propósito do lançamento da quarta edição deste livro, enriquecido com um prefácio da viúva de Hergé, Fanny Rodwell. Além de beneficiar de uma nova maquete de capa, o editor (Casterman) refere que foram feitas "algumas correcções" que, no entanto, não alteram nada de substancial à terceira edição de 1989, considerada na altura a "edição definitiva" e menos censurada que as versões anteriores. É, inquestionavelmente, uma obra de referência para os tintinófilos, que poderão dedicar-se a detectar as diferenças entre edições ao longo das 260 páginas da obra, cujo preço de capa é de 89 francos franceses.
Amigos de Hergé e Fundação Hergé em rota de colisão
As relações entre a Fundação Hergé e a associação "Les Amis d'Hergé" vão de mal a pior. A ruptura instalou-se com a publicação do último número do boletim da associação.
A publicação do último número do boletim da associação provocou uma reacção muito violenta de Fanny Rodwell, viúva de Hergé, que se demitiu da presidência honorária de "Les Amis d'Hergé". A causa desta ruptura reside no facto de a associação ter publicado o seu boletim sem esperar pela autorização da Fundação Hergé. Mas a verdade é que as divergências já vinham de trás, agravando-se progressivamente ao longo dos últimos anos.
Em particular, "Les Amis d'Hergé" criticavam o curso demasiado "comercial" da gestão do fundo Hergé por parte da fundação, que tem assumido um papel cada vez mais controlador do património deixado pelo criador de Tintin. Recorde-se que esta mesma política já suscitara a reacção pública de numerosos investigadores, escritores, historiadores, jornalistas, livreiros, editores e coleccionadores. Em Fevereiro de 1997, Albert Algoud, Jean-Louis Carette, Michel Deligne, Benoît Peeters e Pierre Sterckx difundiram mesmo um manifesto sobre o assunto, sintomaticamente intitulado "Tintin, controlo da obra ou abuso de poder?".
C.P.