Espaço Litoral - Novo Século inaugurou sexta-feira, com exposição «Tintin por Tintim»
O nosso herói
Como todas as coisas realmente universais, Tintin é «o nada que é tudo». Saiu há 61 anos da imaginação de monsieur Hergé, palmilhou o mundo, angariou fama, e, hoje, sete anos depois da morte do progenitor, é aquilo que cada um de nós bem entender.
A atestar o facto está a exposição «Tintin por Tintin» a quem coube a missão de inaugurar, sexta-feira passada, o Litoral, o segundo espaço da Novo Século, localizado, como o nome indica, aqui bem perto do «DL», na Rua do Século.
Tal como Nadie Baggioli, responsável pela jovem galeria, nos referiu, a exposição que ali estará patente durante dois meses, surgiu apenas porque este lhes pareceu um tema engraçado. Lançáramo convite a quinze artistas plásticos, oito deles habituais na Novo Século, e o resultado está finalmente disponível ao olhar dos visitantes: fotografias, pinturas, esculturas, objectos de design estrangeiro, vídeos que nos dão, afinal, perspectivas diferenciadas daquele que é ainda o «nosso herói» para várias gerações.
Não pretendendo assumir um carácter sistemático, nem tão pouco nacional, conforme Nadie Baggioli salientou ao «DL», esta exposição inclui trabalhos de António Mendes, Alvim, Carlos Barroco, Carlos Ferreiro, Caseirão, Jorge Camões, José Eduardo Rocha, Luís Cruz, Luísa Ferreira, Manuel San Payo, Miguel Horta, Romualdo, Vitor dos Reis, Vítor Rua e diz coisas de Tintin que a Hergé nunca passaram pela cabeça.
Carlos Barroco, por exemplo, dá-nos uma visão transgressora do herói que jamais fora transmitida nas pranchas de banda desenhada. Num Tintin para todos os gostos na Litoral-Novo Século dos quadros expostos, é notório que Tintin não está muito sóbrio. Diante dele, há uma garrafa e a postura do menino de Hergé já pouco tem de heróica...
Igualmente subversivas são as pequenas esculturas de Caseirão. Como a Barroco, ter-lhe-á agradado a ideia de transformar o menino bem comportado, de gola branca sobre camisola azul-bebé, que Tintin é desde há 60 anos, numa personagem diferente. O texto assinado por Pedro Monteiro acerca do trabalho de Caseirão, publicado no verso do cartaz da exposição, é, a este respeito, bastante revelador. Tintin «é bonzinho, honesto, inteligente, trabalhador, tão perfeito que chega a irritar. Reconforta vê-lo cravado de pregos ou pendurado no pescoço de um caçador de cabeças». Caseirão deu forma ao sádico desejo. Emprestou os óculos de que Tintin necessitava para minerar os efeitos da miopia, fez dele e de Milou vítimas de um sacrifício fatal, dando, desse modo, voz, forma e volume à aspiração daqueles que, à imagem de Álvaro de Campos, já estão fartos de semi-deuses.
Nem todos são tão iconolastas. Para que se apresentasse este diferenciado leque de perspectivas «não houve qualquer intervenção da galeria no trabalho dos artistas» — esclareceu-nos Nadie Baggioli. Alguns deles optaram por representar aspectos determinados das histórias concebidas por Hergé. Foi o que aconteceu com Vitor dos Reis que evocou, em pintura, a história das «Sete Bolas de Cristal», publicada em 1944. O «Caranguejo das Patas Douradas» concluída em 1940, sendo uma das mais conhecidas aventuras de Tintin, foi lembrada por Miguel Horta, o que não é de estranhar, atendendo à conhecida preferência do pintor pelos temas marinhos. Luís Cruz esculpiu o foguetão em que o herói tantas vezes se aventurou e Jorge Camões o dirigível.
A mostra não se fica, todavia, pela pintura, pela escultura, a fotografia e o vídeo. Na loja que funciona em anexo encontram-se à disposição dos compradores alguns objectos de design importados: bonecos para decoração, guarda-jóias, telefones, despertadores, pisa-papéis, serigrafias reproduzindo capas dos álbuns que de resto, como seria de esperar, também estão à disposição dos seus mais fiéis leitores.
Quer a loja quer a galeria propriamente dita nasceram, segundo Nadie Baggioli, para prolongar o espaço Novo Século já existente no 23-A da mesma rua. Até porque um dia destes a criatividade acabaria por transbordar daquela casa.
Maria João Martins, Diário de Lisboa, 09/04/1990
https://tintinemportugal.blogspot.com/2014/08/exposicao-tintin-por-tintin.html

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