Johan de Moor pour une expo au Portugal. link, 27/02/2015
Em 2008 passou por Lisboa tendo sido entrevisto por Carlos Pessoa.
P - O que é preciso para ser um bom cartoonista?
- Trabalho para diários, o que exige um training especial com os textos. Investi nisso e cheguei a ganhar o prémio para o melhor desenho de imprensa da Bélgica. Como o cartoon é feito por uma ou duas imagens, é necessário concentrar, sintetizar um acontecimento. É um pouco como o trabalho do jornalista, que tem de sintetizar a informação disponível. Mas é fascinante!
P - E na banda desenhada?
É diferente. Pode trabalhar-se num quadradinho durante um dia e no seguinte durante uma hora... E depois vem alguém que, perante o quadradinho que levou uma hora a fazer, diz que é uma obra-prima, porque é mais gráfico ou outra coisa qualquer! É normal. Quando já se anda nisto há muitos anos, é necessário manter sempre a calma e estar descontraído, sem cair na tentação de forçar as coisas. Cada autor tem o seu próprio código de leitura e de desenho e é necessário não o violentar.
P - No começo de tudo esteve a continuação das peripécias de Quick e Flupke.
- Sim. Deu-me a possibilidade de entrar pela porta grande na banda desenhada e constituiu também uma grande escola prosseguir a obra de Hergé, mesmo sendo uma série de segunda linha.
FIBDA 2004
Em Abril de 2002, foi anunciado o regresso de Lucky Luke, após a morte do criador Morris, a 17 de Julho de 2001. Morris deixou bem expressa a vontade de que a série tivesse continuidade após a sua morte, e a editora Dargaud, já responsável pelo bem sucedido regresso de Blake e Mortimer (em 1997, após a morte do criador Edgar-Pierre Jacobs em 1987), aceitou este desafio.
A escolha de autor para dar continuidade às aventuras do cowboy que dispara mais rápido que a própria sombra recaiu sobre a dupla Laurent Gerra (argumentista) e Achdé (desenhador). Os dois autores estiveram presentes no primeiro fim-de-semana do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora (FIBDA), com o lançamento da edição portuguesa do novíssimo álbum de Lucky Luke (pelas Edições Asa).
Nesse mesmo fim-de-semana, estava também no FIBDA Johann de Moor, convidado no âmbito da exposição da nova BD flamenga. Johann é o filho de Bob de Moor, que terminou o segundo volume de “As 3 Fórmulas do Professor Sato” após a morte de Jacobs, e que foi sempre apontado como o continuador de Tintin após a morte de Hergé (se Tintin continuasse). O próprio Johann assegurou durante algum tempo a continuação de Quim e Filipe, outra série de Hergé (publicada em Portugal pela Verbo).
Nessa medida, juntaram-se os três autores no auditório para uma conversa sobre “O Regresso dos Clássicos”.
A questão da possibilidade de regresso de Tintin foi colocada, em jeito de recolha de opinião, aos três autores. E foi entendida como uma questão pertinente. Daqui a alguns anos, Tintin poderá parecer um discurso menos actual, e poderá levantar um problema de perda de leitores. Nesse momento (ainda distante), o regresso de outros clássicos (como Lucky Luke) poderá pesar, assim como o facto de o desejo de Hergé para que não houvesse continuidade da personagem após a sua morte não ter sido tão explícito como o desejo de Morris para que Lucky Luke continuasse, por exemplo.
(...)
Johan de Moor chegou a Quim e Filipe pela via da animação. Pouco tempo depois da morte do criador de Tintin, numa altura em que Johann trabalhava no Estúdio Hergé, teve o consentimento da viúva de Hergé e da editora Casterman para avançar com o projecto de adaptação ao cinema de animação da dupla Quim e Filipe. Terminada a série animada, Johan de Moor assinou ainda um álbum com 23 histórias. Foi então que a viúva de Hergé repensou a ideia, e parou o projecto da continuidade de Quim e Filipe.
Johan de Moor orgulha-se do trabalho que fez com Quim e Filipe, mas não lamenta a decisão da viúva de Hergé, que lhe permitiu avançar para projectos mais pessoais. Primeiro com Gaspard de la Nuit (quatro álbuns de 1987 a 1991, em colaboração com Stephen Desberg), e depois com a hilariante La Vache (oito álbuns a partir de 1992, de novo com Desberg), numa paródia impiedosa ao estilo James Bond. Com a mudança de editor, La Vache passa a Lait Entier (dois álbuns desde 2001).
(...)
A banda desenhada flamenga reflecte uma realidade cultural, da Flandres e também de Bruxelas, distinta e independente da francófona, ainda que complementar.
A questão linguística é fundamental. Com as portas dos editores francófonos fechadas a quem não falava fluentemente francês, os autores da Flandres viram-se obrigados a criar a sua própria BD.
Ao contrário da banda desenhada francófona, a BD flamenga não se afirmou nos jornais e revistas especializados (Tintin, Spirou, etc.), mas na imprensa quotidiana. Esta diferença histórica fundamental veio acentuar determinadas características únicas ao nível da forma: na BD flamenga trabalha-se muito o formato da tira, e não há uma preocupação tão grande no detalhe (já que tanto o ritmo de produção como o ritmo de leitura são mais rápidos, e a má qualidade do papel também não permitia grandes riscos ao nível da técnica). Com o tempo, a BD flamenga começou a reflectir sobretudo a realidade da Flandres, enquanto a BD francófona começa a projectar-se para o exterior. A BD flamenga começa a ter géneros preferenciais, com destaque para a aventura humorística, privilegiando as séries.
Em termos históricos, a BD flamenga representa um gigante escondido na identidade cultural da Flandres: quem conhece a série Jommeke (Gil et Jo), de Jef Nys, com mais de 45 milhões de álbuns vendidos? Quem conhece as colecções Suske en Wiske (Bob et Bobette), Nero (Néron), Bessy ou De Rode Ridder (Le Chevalier Rouge), que, tal como Jommeke, contam com mais de duzentos títulos?
Já os autores que se integram na BD francófona beneficiam da projecção internacional característica desta forma de BD: Morris (o criador de Lucky Luke, primeiro convidado internacional do FIBDA), Berck, Vance, ou Bob de Moor são conhecidos autores flamengos que se integraram no modelo francófono na sua produção ao nível da BD.
Nos últimos anos, a BD flamenga tem sofrido transformações importantíssimas. Como explicou Johan de Moor, a oferta editorial concentrou-se num único grande editor, exclusivamente vocacionado para a BD infantil de grande público. A exposição que foi apresentada no FIBDA 2004 é uma forma de mostrar que existem autores que querem (e são capazes de) fazer outros tipos de BD, com uma criatividade narrativa e no tratamento da imagem que desafia limitações de género. Johan de Moor é um bom exemplo.
Pedro Mota, Noticias da Amadora nº 1597, 09/12/2004
Johan de Moor é filho de um "clássico" da BD europeia (Bob de Moor) que começou a trabalhar com o pai na fabricação convencional das histórias curtas de Quick e Flupke (de Hergé) antes de se afirmar, no final dos anos 80, como o artista original e criador que é.
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