Não tive noção do que esse acontecimento histórico ia significar para todos os portugueses nesse momento, pois não tinha até então o mínimo de consciência de que vivíamos num regime repressivo, de cariz fascista. A minha família era muito conservadora e sempre fez por esconder da educação e da vivência com os seus filhos qualquer questão política que desse azo a ter essa perceção da situação política nacional. Percebi mais tarde, que houve momentos e assuntos, que eram imediatamente interrompidos pelos meus pais, tia e avós, quando terceiros começavam a falar sobre o Américo Tomás ou sobre Marcelo Caetano. Eu vivia numa bolha onde falar de política era um não assunto. A única coisa que fazia sentido para mim nesse período era comprar semanalmente a revista Tintin e convencer o meu pai para me oferecer mais um álbum do Tintin para ir completando a sua coleção.
Quando a minha mãe foi-me buscar à escola, foi uma surpresa agradável, porque foi ótimo saber que não ia ter mais aula nesse dia, apesar da preocupação que ela demonstrava, dizendo-me que tinha havido um golpe de Estado e que havia soldados na rua, podendo haver uma “guerra” – nesse momento, enquanto caminhávamos os dois, algo apressados, para casa, procurava ver alguns, mas nada, não vi nenhum, era uma manhã perfeitamente normal até esse momento.
Chegados a casa, passei o dia a reler as revistas do Tintin e a acompanhar na RTP1 o noticiário do que ia acontecendo. Fiquei chateado porque não foram para o ar os habituais desenhos animados diários que nunca perdia de os ver, sendo estes substituídos pelas imagens do que estava a acontecer nas ruas em todo o país.
Não estava nada preocupado, tinha os Tintins comigo, por isso o resto do mundo podia ir dar uma volta, que era-me igual.
TINTIN
Eu comecei a colecionar os álbuns do Tintin, bem como a revista semanal com o mesmo nome, tinha exatamente 10 anos, em 1974... e durante esse tempo, pelo menos até 1977 (ano em que escrevi ao Hergé), não consegui encontrar o Perdidos no Mar em capa dura. O que refere, de ter comprado na primeira metade dos anos 70, pode indiciar que tenha esgotado rapidamente e não tenha sido reposto no mercado, até ser reeditado, mas já na versão de capa fina plastificada.
CARTA 1977
Alguém aqui da geração X que na sua adolescência escreveu uma carta ao Hergé? Fiz isso em 1977, e fiquei surpreso por ele me ter respondido. Guardo religiosamente essa carta, pois o Tintin era em termos de BD tudo para mim... ainda é, mas de outra forma. (FB, 2023)
MÚSICA
Os Rackham apresentaram-se, na noite de 05/10/2019, no Woodstock 69. Este quarteto instrumental de Monção, cujo nome foi inspirado na personagem de um pirata relacionado a dois álbuns de banda desenhada do meu herói de sempre, o Tintin, (O Segredo do Licorne e o Tesouro de Rackham, o Terrível), ofereceu ao público presente os temas do seu mais recente EP, de nome Tchim Plim! As espadas soam assim, editado em Fevereiro último, bem como um punhado de outros temas que seguramente farão parte do seu próximo registo discográfico.
Os Rackham são um grupo de rock de fusão, para os classificar de forma muito objetiva, formados em 2017. Os seus temas evidenciam uma composição que deriva do rock progressivo e que denota muito bom gosto e competência. Tem a capacidade de misturar diversos registos musicais e estéticos, que vão desde o pop-rock mais alternativo e experimental, passando pelo psicadélico-ambiental, e finalizando em sonoridades mais pesadas, que afloram a densidade cerrada do rock e do metal (nestes de pendor mais post-rock e post-metal). Há no meio disto tudo, partes de surf music que nos remetem para universos cinematográficos à la Tarantino, e até de algum free-jazz que são impactantes, diga-se em abono da verdade. O grupo tem a curiosidade de ter na sua composição dois bateristas muito aplicados nas suas tarefas, que funcionam muito bem conjuntamente, e que durante a atuação nunca caíram em terrenos de exibicionismos técnicos duvidosos, bem pelo contrário, sempre respeitaram os espaços e os “silêncios” de cada tema, o que é de louvar. Sempre numa atitude descontraída e de grande empatia com o público, a banda, através do seu baixista Tomé Parente, foi apresentando os temas um a um, contando aqui e ali a motivação subjacente a cada um deles, como em Motinhas, uma homenagem às motorizadas vintage da Sachs e XF17, ícones de uma certa forma de ser português na estrada em décadas passadas.
Estes Rackham tem em mãos um bom projeto musical e deram um bom concerto. Como banda instrumental e dentro do seu género musical, direi que são muito assertivos no tempo de duração de cada um dos seus temas e na forma como os apresentam ao vivo. São criativos e imaginativos q.b. e com uma muito boa capacidade de exprimir isso de forma instrumental, que nunca é excessiva ou enfadonha, bem pelo contrário, sempre muito certeira e apelativa. Há uma boa dinâmica entre os quatro músicos, os quais conseguem manter no espetador um interesse que não se desvanece ao final dos minutos iniciais de apreciação
Psycho Tintin - Desenho de Neno Costa feito nos anos 80. Partilhado no facebook pelo amigo Guilherme Lucas.
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