quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Oliveira da Figueira escreve para o T&Q

OLIVEIRA DA FIGUEIRA ESCREVE EM EXCLUSIVO PARA O T&Q


Quando Tintin foi Álvaro...

Por ocasião da exposição na Fundação Calouste Gulbenkian dedicada a Hergé, o comerciante português Oliveira da Figueira aceitou o convite do T&Q para escrever sobre os seus encontros com Tintin.

E conta-nos como ele e o herói belga se cruzaram com o nome de Álvaro Cunha

A gradeço ao T&Q a oportunidade de partilhar a história dos meus encontros com Tintin, o famoso herói da BD ('la bande dessinée, banda desenhada) criado em 1929 por Hergé.

A primeira vez que encontrei o jornalista belga foi na quarta aventura da série, "Os Charutos do Faraó, publicada na edição de 16 de Fevereiro de 1933 da revista juvenil belga 'Le Petit Vingtième". Pois, a prancha original dessa cena pode ser agora apreciada até 10 de Janeiro na exposição sobre Hergé, na Fundação Calouste Gulbenkian.

Três anos após aquele encontro, em 1936, Portugal tornou-se o primeiro país a ter a honra de traduzir as aventuras de Tintin fora do mercado francófono. O padre Abel Varzim, que estudou na Bélgica, criou então a revista juvenil O Papagaio' e sugeriu ao director, Adolfo Simões Müller, a ideia de ter Tintin na equipa.

Quando rebentou a II Guerra Mundial, os nazis, em 1940, invadiram a Bélgica e Hergé ficou numa situação financeiramente dificil. Continuou a criar as aventuras de Tintin para o jornal "Le Soir" e escreveu a Simões Müller para que lhe pagasse direitos de autor com viveres. Algumas dessas cartas estão publicadas na separata do catálogo da exposição da Gulbenkian dedicada a Tintin e a Portugal. Parte dos víveres eram enviados, via Cruz Vermelha, para o irmão mais novo de Hergé, Paul, então detido num campo nazi de prisioneiros de guerra.

Depois do conflito, Hergé levou-me a um segundo encontro com Tintin em terras árabes, antes da sua ida à lua. Era o ano de 1949 e a aventura chamava-se "No País do Ouro Negro". Encontrava-me então estabelecido no mercado da cidade de Wadesdah, capital do Khemed, quando Tintin apareceu a pedir-me ajuda para se infiltrar no palácio do Dr. Smith, na realidade um vilão chamado Dr. Müller e que muitos especialistas da obra de Hergé dizem ser um nome inspirado em Adolfo Simões Müller.

Tintin tinha então de salvar Abdallah, o filho traquina do emir Ben Kalish Ezab, pelo que engendrámos um plano em que ele se faria passar por um sobrinho meu, acabado de chegar de Lisboa. E inventámos um nome: Alvaro.

Alvaro Cunhal

Tenho agora de chamar a atenção para algo que, para mim, é uma autêntica novidade. Numa conferência na Gulbenkian que teve lugar no dia da inauguração da exposição e intitulada 'O Futuro de Tintin", o jornalista Frederico Duarte Carvalho que assina com regularidade neste prestigiado semanário fez uma revelação de cariz histórico, tendo a seu lado Nick Rodwell, o presidente da Sociedade Moulinsart e que gere o património de Hergé.

O jornalista do T&Q mostrou à audiência como, a 1 de Abril de 1949, três meses antes de o meu reencontro com Tintin ter sido publicado na edição belga da revista "Tintin", vários jomais belgas noticiaram a detenção de dois lideres do partido comunista português na zona do Buçaco: Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro. Alguns jornais chegaram mesmo a dar destaque de primeira página.

Explicou depois Frederico Duarte Carvalho que Hergé, sempre atento à actualidade, dificilmente teria deixado escapar essa noticia e quando, a 21 de Julho de 1949, usou na revista "Tintin' o nome Alvaro para identificar o seu personagem como o meu sobrinho de Lisboa, estava consciente de que esse era igualmente o nome do líder do PCP:

Essa conclusão é polémica, tanto mais que Hergé estava conotado com a direita diz-se mesmo que o líder da extrema-direita belga, Léon Degrelle, serviu de inspiração à imagem de Tintin.

Para confirmar a tese do jornalista Frederico, só mesmo Hergé, que, infelizmente, já não está entre nós desde 1983. Mas Nick Rodwell, por sua vez, achou "muito interessante" a investigação.

Mateus Rosé

Agora, polémicas à parte, devo dizer que, anos mais tarde, em 1957, na aventura 'Carvão no Porão'. Tintin voltou a bater à porta da minha casa em Wadesdah, novamente em apuros. Só que desta vez não vinha sozinho: trazia consigo o capitão Haddock, simpática figura que despachou um fresquinho Mateus Rosé. Sem espinhas.

Acabei por me lembrar do capitão anos mais tarde, em 1962, quando, em "As Jóias de Castafiore", soube que se ia casar com uma diva italiana e enviei-lhe um telegrama de felicitações. Espero que ainda estejam juntos e felizes! Por mim, continuarei a ser sempre um amigo fiel de Tintin. Ou se preferirem o nome português, do meu sobrinho Álvaro!

Oliveira da Figueira, Tal & Qual, 13/10/2021

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