segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Oliveira da Figueira

Português de Lisboa e também um-português-das-Arábias, trota-mundos e aldrabão-de-feira, o senhor Oliveira da Figueira é uma das figuras que Hergé imortalizou na sua obra. Entre as três personagens lusitanas criadas pelo pai de Tintin, Oliveira da Figueira é de longe a mais consistente, surgindo em três álbuns “ao vivo” e num outro através de uma simples comunicação.

Na aventura “Les Cigares du Pharaon“, Tintin é apresentado pelo capitão de um navio ao senhor Oliveira da Figueira, de Lisboa. De imediato este, vendedor-ambulante compulsivo, começa a exercer a sua arte, impingindo a Tintin toda uma panóplia de inutilidades. Mas tarde, em pleno deserto, Tintin assiste a uma sessão de vendas do negociante frente a um conjunto de árabes que o apelidam de “O-branco-que-vende-de-tudo“.

Na história “Tintin au Pays de l’Or Noir“, Oliveira da Figueira desempenha um papel importante. Tintin encontra-o à porta do seu estabelecimento, porque então já se tinha fixado com um bazar, em Wadesdad. Vestido de árabe, Tintin não é de imediato reconhecido pelo amigo, que de início o trata por “jovem príncipe”. Mas, reconhecendo-o e muito feliz pelo reencontro, Oliveira da Figueira oferece-lhe um bom vinho de Portugal, do sol do seu país.

Tintin pede ao amigo que o introduza em casa do professor Smith, ao que ele acede e, já lá dentro, apresenta-o aos funcionários da casa como o seu “sobrinho Álvaro”, acabado de chegar de Portugal. Diz que ele é órfão, um pouco simplório, e ao contar a vida do “sobrinho” profere a deixa que permite a Tintin afastar-se. Enquanto o jornalista se confronta com o professor Smith, continua Oliveira da Figueira a entreter os seus ouvintes com a dramática história da vida do “sobrinho”, por este arriscando a própria segurança.

Nova intervenção, e valiosa, assume Oliveira da Figueira em “Coke en Stock” quando concede direito de “asilo político” a Tintin e Haddock, perseguidos em Wadesdad, transmitindo-lhes preciosas informações e conseguindo orientar depois a sua retirada em relativa segurança.

Na obra “Les Bijoux de La Castafiore“, Oliveira da Figueira não está presente, mas envia a Moulinsart um telegrama, sendo mesmo um dos primeiros a felicitar o amigo capitão Haddock pelo seu “casamento” com a Diva Bianca Castafiore.

Temos portanto em Oliveira da Figueira uma certa representação simbólica do espírito aventureiro e empreendedor do português de outrora, que conquistou novos Mundos ao Mundo.

“Senti-me uma espécie de Oliveira da Figueira. Lembram-se de uma personagem do Tintin que vendia tudo nos mercados externos, tinha uma pasta e negociava uma série de produtos?“, disse o então ministro Paulo Portas durante a inauguração da Feira Internacional de Maputo (Facim), em Agosto de 2015, quando se referia, em declarações aos jornalistas, à sua assiduidade em eventos daquele género.

Mostrou, no mínimo, ser um bom conhecedor da obra de Hergé. Já não é mau de todo…


Voz Portalegrense, 2006

consumo aos quadradinhos

Oliveira da Figueira: um vendedor compulsivo

São peculiares as circunstâncias em que Tintin, o herói da banda desenhada criado por Hergé, conhece este comerciante lisboeta. O encontro entre ambos ocorre algures no Mar Vermelho, num barco que recolhe o personagem depois de este ter sido abandonado à sua sorte num... sarcófago, a 10 milhas da costa da Arábia. A bordo do barco que salva Tintin de uma morte horrível está um passageiro simpático e expansivo, Oliveira da Figueira de seu nome. "Encantado, senhor, estou encantado, e ofereço-lhe os meus préstimos imediatamente: posso fornecer-lhe, a preços sem concorrência, qualquer artigo de que necessitar", declara logo no momento em que é apresentado a Tintin pelo capitão do navio.

A sequência que se segue — duas tiras que compõem a metade inferior da prancha número 13 do álbum "Os Charutos do Faraó" (edição Difusão Verbo) — é a todos os títulos brilhante e mostra bem que a arte de vender é algo que foi inventado muito antes de o "marketing" ter sido elevado à categoria de disciplina universitária. Constitui, também, uma feliz ilustração, em registo humorístico e caricatural, dos "alçapões" e armadilhas que a sedução consumista pode exercer mesmo sobre um herói avisado, inteligente e analítico como Tintin. Carregado com uma montanha de objectos, que têm tanto de disparatado como de desnecessário, o herói não se coíbe mesmo a proclamar uma consciência de consumidor esclarecido que os factos não comprovam: "Felizmente, não me deixei ir na conversa dele. A tipos como este, acaba-se, quase sempre, por comprar uma data de coisas inúteis". Uma tirada "épica" perante um marinheiro negro de olhos arregalados e que, tudo leva a crer, não ficará com muito boa impressão de Tintin.

E se o herói acaba por se deixar embriagar pela verborreia de vendedor de "banha da cobra" de Oliveira da Figueira, este terá novas oportunidades de evidenciar as suas inatas qualidades de bom vendedor, capaz de escoar a sua mercadoria até em pleno deserto, como se verá algumas tiras mais à frente, na mesma aventura.

Tintin voltará a encontrá-lo muito mais tarde em Wadesdah (Khemed), onde parece ter-se fixado, adoptando os hábitos e costumes locais. É graças ao comerciante português que o herói de Hergé conseguirá penetrar na fortaleza do professor Smith (que não é outro senão o doutor Müller) em "No País do Ouro Negro". Tintin e o capitão Haddock são obrigados a pedir asilo a Oliveira da Figueira que, não apenas contente por recebê-los em sua casa, lhes fornece os disfarces que necessitam.

Dará sinais de vida uma terceira vez. Rapidamente informado do anunciado casamento de Haddock com a Castafiore, o português será um dos primeiros a felicitar os dois ("As Jóias de Castafiore"). Comerciante prevenido...

Luis Euripo, Revista O Consumidor nº 92





(outras imagens retiradas de Insónias de Carvão e Facebook M. Silvestre Gago)




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